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Relatório conclui que cartunistas estão mais vulneráveis à censura

Jennifer Schuessler

20/05/2015 06h00

O resultado imediato provocado pelas imagens e a ascensão das mídias sociais criaram um ambiente no qual os cartunistas ficam particularmente vulneráveis à “censura, processos judiciais, agressão física, prisão, desaparecimento e assassinato”, segundo um relatório divulgado nesta terça-feira (19) pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas.

O relatório, encomendado após o ataque ao jornal satírico francês “Charlie Hebdo” em janeiro, é o primeiro relatório da organização a se concentrar especificamente nas ameaças aos cartunistas.

Elana Beiser, diretora editorial do grupo, disse que, embora não se saiba se os riscos aos cartunistas estão maiores, o ataque ao “Charlie Hebdo”, que deixou 12 mortos, destacou os perigos às vezes mortais que enfrentam.

“Os cartuns geram uma resposta realmente emocional que pode transcender línguas ou fronteiras”, disse Beiser em uma entrevista. “A internet e as mídias sociais também facilitaram muito o compartilhamento.”

Algumas ameaças vêm diretamente dos governos. O relatório começa com o caso do cartunista malaio Zulkiflee Anwar Alhaque, conhecido como Zunar, que enfrenta até 43 anos de prisão sob a acusação de sedição, pelas charges que retratavam um processo legal contra um alto político da oposição como “um jogo de poder velado”, resumiu o relatório. (As audiências do caso de Alhaque começam nesta quarta-feira.)

O relatório também descreve casos no Equador, África do Sul, Síria, Venezuela, Índia, Irã e em outros lugares que envolvem a repressão do governo ostensiva ou dissimulada. No Sri Lanka, por exemplo, o cartunista Prageeth Eknelygoda desapareceu em 2010, durante uma campanha militar do governo para subjugar uma insurgência étnica tâmil. Apesar de não se saber quem o sequestrou, a esposa de Eknelygoda disse aos investigadores do comitê que acredita que as charges dele sobre abusos de direitos humanos “desencadearam uma resposta”.

O relatório, escrito por Shawn W. Crispin, também examina o impacto das ameaças de extremistas, como os radicais muçulmanos que atacaram os escritórios do “Charlie Hebdo” presumivelmente por causa de suas charges retratando o profeta Maomé. Esse ataque, além de outros em diversos lugares, gerou uma ampla autocensura, diz o relatório.

“Cartunistas em todos os lugares estão tomados pelo medo de eventos similares”, disse aos investigadores Jonathan Shapiro, cartunista sul-africano, que foi criticado em 2010 por um desenho de Maomé.

Esse medo também teve um impacto nos Estados Unidos. O relatório cita o caso de Molly Norris, cartunista de jornais alternativos em Seattle, que teve que se esconder em 2010 depois de postar online um cartaz satírico para o “Dia de Todos Desenharem Maomé!”, mostrando objetos do cotidiano, como uma xícara de chá e um carretel de linha com rostos genéricos, cada um se dizendo como a “verdadeira semelhança” ao profeta.

“Eu acho que muitos norte-americanos não entendem que um de nossos cartunistas teve de entrar em uma espécie de programa similar ao de proteção a testemunhas do FBI”, disse Robert Russell, diretor-executivo da Cartoonists Rights Network International, segundo o relatório.

O relatório foi divulgado poucas semanas depois de cerca de 200 escritores protestarem contra a decisão do Centro Americano PEN de dar um prêmio para o “Charlie Hebdo”, alegando que a publicação promovia estereótipos racistas. Alguns críticos também disseram temer que o prêmio equivalesse a um apoio tácito para a política dos Estados Unidos na guerra contra o terror.

O recente relatório disse que, embora o caso do “Charlie Hebdo” tenha desencadeado uma onda de solidariedade em apoio à liberdade de expressão, pode, por outro lado, ter aumentado as ameaças ao livre discurso. Como exemplo, citou as leis de vigilância radicais propostas recentemente na França.

Jornalistas de todo o mundo “estão presos entre o terrorismo e os governos que estão supostamente combatendo o terrorismo, mas estão restringindo a liberdade de expressão”, disse Beiser. “Obviamente, há uma ameaça à segurança, mas leis escritas de uma forma tão vaga ficam abertas ao abuso político.”