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Casamento gay? Eles fizeram isso nos EUA em 1971

Jack Baker e Michael McConnell, que casaram 44 anos atrás em Minneapolis - Angela Jimenez/The New York Times
Jack Baker e Michael McConnell, que casaram 44 anos atrás em Minneapolis Imagem: Angela Jimenez/The New York Times

Erik Eckholm

Minneapolis (EUA)

25/05/2015 06h00

Muito antes que a luta pelo casamento gay começasse de fato, muito antes de os casais gays começarem a fazer fila para conseguir habilitações de casamento, Jack Baker e Michael McConnell decidiram se casar.

O ano era 1967. A homossexualidade ainda era classificada como uma doença, a sodomia era ilegal em quase todos os Estados e a maioria dos homens e mulheres homossexuais viviam em um segredo terrível.

Mas, desde os 14 anos, quando olhava para os homens jovens na barbearia do pai, McConnell sonhava em viver "feliz para sempre" com um parceiro.

Então, quando Baker propôs que morassem juntos, McConnell o desafiou. "Se vamos fazer isso, você precisa encontrar um jeito de nos casarmos”, ele respondeu.

Baker se lembra de sua reação inicial: “Eu nunca tinha ouvido falar em algo parecido”.

Ele se matriculou na faculdade de direito para tentar fazer isso acontecer.

Jack Baker e Michael McConnell se casam em Minneapolis em 1971 - Paul R. Hagen via The New York Times - Paul R. Hagen via The New York Times
Jack Baker e Michael McConnell se casam em Minneapolis em 1971
Imagem: Paul R. Hagen via The New York Times

Em 1970, em Minneapolis, Baker e McConnell se tornaram o primeiro casal de mesmo sexo a requerer uma habilitação de casamento.

Rejeitados pelo condado de Hennepin, eles foram à Suprema Corte dos Estados Unidos, onde perderam o caso em um veredito de uma única frase que reverberou nos tribunais federais e influenciou indiretamente o fato de o casamento entre pessoas de mesmo sexo ter sido enviado à Suprema Corte neste ano.

O casal, porém, não desistiu. Com um pequeno truque, que envolveu uma mudança de nome para um comum aos dois gêneros, eles conseguiram uma certidão de casamento em outro condado e, em 1971, vestidos de ternos brancos com calças boca de sino e faixas de macramê na cabeça, trocaram votos diante de um pastor metodista e uma dúzia de convidados no apartamento de um amigo. O bolo de casamento de três andares tinha dois noivos de plástico em cima, que um amigo conseguiu separando duas estatuetas de noivo e noiva.

Desde então, eles sustentam que o casamento deles é o primeiro casamento homossexual legal do país. Os governos estaduais e federais ainda precisam reconhecer isso, mas o pastor, Roger W. Lynn, 76, diz que o casamento deles foi "um dos casamentos mais bem-sucedidos" que realizou.

"Eles ainda estão casados e felizes e se amam", disse Lynn.

Os dois, que estão com seus 70 e poucos anos, deram uma rara entrevista neste mês, na casa em que moram, quase meio século depois que juntaram suas vidas e ganharam um lugar na história dos direitos dos homossexuais, ajudando a transformar o Minnesota num dos primeiros centros do ativismo gay.

Hoje, eles terminam as frases um do outro com facilidade, mas suas origens não poderiam ser mais distintas.

McConnell cresceu em uma família grande e unida que o aceitou como ele era. Ele fazia mestrado em biblioteconomia quando conheceu Baker numa festa em um celeiro em Norman, Oklahoma, em 1966. Ele sentiu uma atração imediata, lembra McConnell, mas também um pouco de estranhamento: por que esse homem tem um corte de cabelo tão severo e por que ele é tão sério?

Baker, cujo corte de cabelo era remanescente de uma carreira militar abortada, foi imediatamente conquistado e começou a convidar McConnell para ir ao teatro e ao cinema.

Baker tinha ficado órfão aos 4 anos de idade e passou quase 12 anos em um colégio interno católico em Illinois. Na faculdade, ele entrou para a Força Aérea, o que o ajudou a se formar em engenharia. Mas ele foi obrigado a sair do Exército antes de ser condecorado, quando um piloto se queixou de um avanço indesejado.

Baker se matriculou na escola de direito da Universidade de Minnesota, em 1969, mantendo a promessa que fez a McConnell de descobrir uma maneira de se casarem.

Lá, ele se tornou o primeiro presidente da FREE, ou Fight Repression of Erotic Expression [Lute contra a Repressão da Expressão Erótica, em tradução livre], que foi uma das primeiras organizações universitárias pelos direitos dos homossexuais. O grupo lutou para realizar bailes para gays e lésbicas no campus e forçou as empresas que recrutavam alunos a prometerem não discriminar na contratação.

McConnell se juntou a ele e a universidade lhe prometeu um cargo nas bibliotecas da Universidade de Minnesota.

Ao fazer uma pesquisa em seu primeiro ano da faculdade de direito, Baker descobriu que a lei de casamento do Estado naquela época não mencionava gênero. Então, em 18 de maio de 1970, vestindo camisas brancas e gravatas combinando, os homens entraram no tribunal do condado de Hennepin, solicitaram uma habilitação de casamento e pagaram a taxa de US$ 10. Eles tinham avisado aos jornalistas e viraram notícia no país.

Mas os oficiais do condado se recusaram a providenciar o documento.

Quando eles apresentaram sua reclamação à Suprema Corte de Minnesota, um dos juízes virou a cadeira para trás em sinal de desprezo. O tribunal declarou: "A instituição do casamento enquanto uma união entre homem e mulher, envolvendo exclusivamente a procriação e a criação dos filhos dentro de uma família, é tão antiga quanto o Livro do Gênesis”.

Com a ajuda da União pelas Liberdades Civis de Minnesota, os homens apelaram para a Suprema Corte dos EUA, no caso Baker versus Nelson. Em resposta às reivindicações de direitos civis e privacidade, o condado de Hennepin argumentou que as leis do casamento pertenciam ao domínio dos Estados.

Em 10 de outubro de 1972, o tribunal emitiu uma declaração de uma linha negando o apelo “por falta de uma questão federal relevante”.

Mais de quatro décadas depois, em 2014, um tribunal federal de apelações citou Baker versus Nelson como um precedente ainda em vigor, determinando que os tribunais federais devem se submeter aos Estados no que diz respeito ao casamento homossexual. Outros tribunais discordaram. Então, em uma reviravolta histórica, a derrota do casal em 1972 ajudou a criar a divisão no circuito judicial norte-americano que levou a Suprema Corte a ouvir a questão nesta primavera.

Em 1970, após a divulgação do pedido de habilitação de casamento do casal, os membros do conselho da Universidade de Minnesota rescindiram a oferta de trabalho de McConnell.

Arrasado, ele entrou com um processo em um tribunal federal, mas acabou perdendo; o tribunal de apelações advertiu-o por tentar “impingir a seu empregador a aprovação tácita deste conceito socialmente repugnante”.

McConnell colocou toda sua energia na criação de um dos primeiros centros comunitários gays do país, e o casal sobrevivia com US$ 75 por mês de benefícios para veteranos do Exército.

Baker, enquanto isso, tinha descoberto um jeito de eles se casarem. Primeiro, McConnell adotou-o oficialmente, o que lhes deu direito a herança e outras proteções legais. Ao mesmo tempo, Baker mudou seu nome para Pat Lyn McConnell, que serve para os dois gêneros, embora continuasse atendendo por Jack Baker em público.

Eles foram para a casa de amigos no condado de Blue Earth, a sudoeste, onde McConnell solicitou e recebeu uma habilitação de casamento de um funcionário desavisado, que não sabia nada sobre a adoção legal. Eles se casaram em 3 de setembro de 1971, em Minneapolis.

Quando soube da habilitação de casamento do casal pelo noticiário, o advogado do condado de Blue Earth declarou-a sem validade, mas não foi ao tribunal para rescindi-la. Mais tarde, a Receita Federal norte-americana recusou a declaração de renda conjunta do casal, dizendo que isso só poderia ser feito por um homem e uma mulher.

Baker não sente remorso por seus métodos. "Nós fomos mais espertos", disse ele. "É isso que os advogados fazem: fazem a lei funcionar para eles."

Os homens tinham a esperança de que a decisão deste ano da Suprema Corte, que deve sair no final de junho, resolvesse as coisas.

Mas, no ano passado, descobriram que a certidão de casamento que apresentaram ao condado de Blue Earth em 1971, assinada pelo pastor e testemunhas, nunca foi oficialmente registrada. Funcionários do condado disseram que não farão isso agora, porque os casamentos entre pessoas de mesmo sexo realizados no Estado antes de 2013 eram inválidos.

"Pretendemos buscar reparação na Justiça", disse Baker.

Tradutora: Eloise De Vylder