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Advogado luta para que chimpanzés tenham direito a habeas corpus nos EUA

AFP
Imagem: AFP

James C. McKinley Jr.

31/05/2015 06h00

Uma juíza do Estado de Nova York ouviu na quarta-feira argumentos sobre se os chimpanzés podem ser considerados pessoas com alguns direitos legais, enquanto os defensores que procuram libertar dois chimpanzés do cativeiro em Long Island afirmaram que eles eram "seres autônomos" e compararam a situação deles à de escravos humanos.

"Eles são seres que podem se lembrar do passado e planejar com antecedência o futuro", disse Steven M. Wise, do Projeto de Direitos para Não-Humanos, ao tribunal, “e este é um dos motivos pelos quais prender um chimpanzé é no mínimo tão ruim e talvez pior do que prender uma pessoa.”

A audiência incomum no Supremo Tribunal de Nova York, em Manhattan, diz respeito ao destino de Hércules e Leo, dois chimpanzés de oito anos de idade que estão sendo estudados por um pesquisador da Universidade Stony Brook. O Projeto Direitos Não-Humanos entrou com um processo para libertar os chimpanzés, tentando usar um mandado de habeas corpus, um pilar da lei norte-americana consagrado pelo tempo que permite que uma pessoa conteste a prisão ilegal.

Mas o que é uma pessoa de acordo com a lei? Esse foi o foco dos argumentos apresentados à juíza Barbara Jaffe. Wise sustentou que os chimpanzés são suficientemente parecidos com os seres humanos para terem o direito de "liberdade corporal", ainda que outros direitos, como o voto ou a liberdade de religião, estejam fora de cogitação.

Citando depoimentos de nove especialistas em chimpanzés, Wise disse que a ciência recente tem mostrado que os chimpanzés e outros grandes primatas não são movidos unicamente pelo instinto, mas podem fazer planos e agir de forma a moldar seu futuro. Eles são conscientes de si mesmos, ele argumentou, possuindo não só uma compreensão da passagem do tempo, mas também habilidades linguísticas e matemáticas. "Estes animais são de fato seres autônomos e capazes de autodeterminação individual [ou seja, de ter comportamentos intencionais em relação a seu futuro]”, disse ele.

Mas Christopher Coulston, procurador-geral assistente que representa a universidade, contra-argumentou que animais como os chimpanzés não podem desfrutar dos mesmos direitos que os seres humanos porque não podem cumprir outros deveres que são exigidos pelas leis humanas.

"Eles não podem arcar com a responsabilidade moral em nossa sociedade, e os direitos e deveres correlacionados não fazem sentido para os chimpanzés", disse ele. "Eles simplesmente não estão equipados da mesma forma que os seres humanos para serem membros da sociedade."

Coulston também alertou que conceder o direito de liberdade corporal aos chimpanzés, com base em suas capacidades cognitivas, abriria precedentes para discutir direitos semelhantes para outros animais, desde o gado até animais de estimação. "Isso abriria totalmente as comportas para uma possível inundação", disse ele.

Além das petições para Hércules e Leo, o Projeto Direitos Não-Humanos entrou com pedidos de habeas corpus em Nova York em prol de dois outros chimpanzés cativos: Tommy, de propriedade de um casal em Gloversville, cerca de 80 quilômetros a noroeste de Albany, e Kiko, alojado no Santuário de Primatas de Niagara Falls. O grupo está tentando transferir os chimpanzés para um santuário no sul da Flórida, onde viveriam em uma ilha de 2 hectares, com outros 25 a 30 chimpanzés.

O grupo de Wise não tenta esconder seu objetivo de usar os processos como casos pioneiros para promover uma nova teoria jurídica de que alguns animais – entre eles os grandes primatas, golfinhos e elefantes – compartilham características suficientes com seres humanos a ponto de serem considerados pessoas de acordo com a lei e, desse forma, não poderem ser mantidos em cativeiro.

Tribunais inferiores nos condados de Fulton, Niagara e Suffolk, em Nova York, rejeitaram os argumentos de Wise, e as decisões foram sustentadas por tribunais de apelação. A decisão mais abrangente aconteceu em dezembro, quando um tribunal de apelações com cinco integrantes em Albany se pronunciou contra a tentativa do grupo de libertar Tommy, o chimpanzé de Gloversville.

O painel de juízes observou que "os animais nunca foram considerados pessoas para efeitos de habeas corpus" e disse que os chimpanzés não eram capazes de viver à altura "dos direitos e deveres jurídicos ligados à condição de pessoa”.

Persistente, Wise recorreu das decisões nos dois casos junto ao mais alto tribunal do estado.

A decisão do condado de Suffolk tratou de Hércules e Leo. Durante a audiência de quarta-feira, Coulston acusou o grupo de Wise de estar “caçando tribunais” e pediu a Jaffe para recusar a moção porque a questão já tinha sido decidida.

Mas Wise respondeu que os pedidos de habeas corpus são uma das poucas ações legais que podem ser levadas a qualquer juiz do Estado e podem ser apresentadas várias vezes. Ele ressaltou que esses processos foram usados amplamente no século 19 para lutar contra a escravidão humana e com frequência eram apresentados por abolicionistas em prol de escravos que não conheciam.

Coulston também argumentou que, mesmo que o juiz decida que os chimpanzés podem ser considerados pessoas nos termos da lei, transferir Hércules e Leo do cativeiro em Stony Brook para um tipo diferente de cativeiro na Flórida não resolveria nada: eles ainda estariam privados de liberdade. “A transferência de uma instalação para outra nunca é uma solução adequada para o habeas corpus", disse ele.

Além disso, Coulston afirmou que não cabe a um tribunal decidir se os animais têm direito a um mandado de habeas corpus, dizendo que Jaffe deveria deixar que o Legislativo defina o conceito de pessoa nesse caso.

Jaffe deu poucas pistas sobre como deve decidir o caso. Ela questionou Wise sobre por que não deveria seguir as decisões dos tribunais de apelação nos outros dois casos.

Mas ela também disse a Coulston que há séculos os juízes da Inglaterra e dos Estados Unidos vêm interpretando de forma ampla as leis que regem o habeas corpus, às vezes chamado de “mandado maior” nos EUA, e ampliaram o conceito para se adaptar à mudança dos tempos.

"Não compete à Justiça pelo menos considerar se uma classe de seres deve ter o direito ou algo parecido com o direito garantido pela lei do habeas corpus?", ela perguntou.

Tradutora: Eloise De Vylder