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Em Cuba, Rubio não é herói e se orgulha disso

Mario e Oriales Rubio (centro), pais do senador republicano dos Estados Unidos Marco Rubio, em foto de família no dia de seu casamento, em Havana (Cuba), no ano de 1949 - The New York Times/via Marco Rubio
Mario e Oriales Rubio (centro), pais do senador republicano dos Estados Unidos Marco Rubio, em foto de família no dia de seu casamento, em Havana (Cuba), no ano de 1949 Imagem: The New York Times/via Marco Rubio

Jason Horowitz

Em Cabaiguán (Cuba)

07/07/2015 06h00

No campo luxuriante e nos bairros urbanos agitados onde a família do senador norte-americano Marco Rubio cortou cana de açúcar, trabalhou em fábricas de tabaco e lutou para dar uma vida melhor a seus filhos, o primeiro cubano-americano a ter uma chance plausível de se tornar presidente dos Estados Unidos é o filho menos favorito da ilha caribenha.

"Se Marco Rubio for presidente, estamos acabados", disse Héctor Montiel, 66, exibindo um vigoroso polegar para baixo, sentado na rua onde cresceu o pai de Rubio em Havana. "Ele é contra Cuba de todas as maneiras possíveis. Hillary Clinton compreende muito melhor o caso de Cuba. Rubio e os republicanos ainda estão empacados em 1959."

A resistência ao governo comunista de Fidel Castro serviu como base para a identidade pessoal e política de Rubio. Um republicano da Flórida que foi identificado no jornal controlado pelo Estado cubano como um "representante da máfia terrorista anticubana no Senado", ele afirmou durante anos que a normalização das relações com os EUA só reforçaria um governo cubano opressivo que empobrece a população, limita o acesso à informação e viola os direitos humanos.

Isso não mudou nos meses que antecederam ao anúncio, na última quarta-feira (1º), de que EUA e Cuba reabrirão suas embaixadas nas respectivas capitais, um passo crítico para pôr fim a um embargo devastador que dura meio século. Placas na estrada aqui dizem: "Bloqueio: o pior genocídio da história", marcadas por um laço.

Quando Rubio intensificou sua oposição, os cubanos passaram a vê-lo como o mais proeminente carrasco norte-americano. "Ele quer nos matar!", disse Alain Marcelo, 46, sentado em um pórtico ao lado de um cavalo que pastava e um barraco com um grafite amarelo "Viva Fidel y Raúl" em Jicotea, a cidade sem iluminação aonde os avós de Rubio chegaram da Espanha para plantar cana no final do século 19. "Ele é nosso inimigo!"

O objeto desses ataques disse que é "triste" que o governo cubano tenha criado a impressão de que ele quer "matar de fome o povo cubano". Mas para Rubio, essa demonização prova o "bloqueio de informação que a população de Cuba enfrenta" e é mais uma justificativa para sua oposição à abertura do presidente Barack Obama ao governo de Raúl Castro.

"Fico feliz de que eles nos considerem uma ameaça", disse Rubio em uma entrevista. "Devem mesmo".

Rubio nunca esteve em Cuba, mas o país ocupa um grande espaço em sua vida pessoal e profissional, às vezes excessivo. Enquanto ascendia na política da Flórida, muitas vezes ele disse ao público que era "filho de exilados" que deixaram a ilha governada pelo "bandido" Fidel Castro. Mas, em 2011, o jornal "The Washington Post" relatou que os pais e o avô do senador chegaram aos EUA em 1956, antes que a revolução de Castro tomasse o poder, em 1959, e tinham voltado nos meses seguintes só para visitar. A revelação pouco afetou a posição de Rubio como principal voz de seu partido em relação a Cuba.

Com exceção de alguns primos que tentaram comunicar-se em um breve momento em que tiveram acesso ao Facebook, sua compreensão da vida de sua família veio principalmente por sua mãe, hoje com 85 anos. Rubio, 44, disse que a ilha é um lugar que "existe em nossa imaginação". Mas ele espera visitá-la quando Cuba for realmente livre, e imagina "muitos lugares que ainda existem e que não são muito diferentes de quando meus pais viviam lá".

O primeiro desses lugares é Jicotea, onde seus bisavós se instalaram para plantar cana junto com seus 17 filhos e onde adolescentes ainda cortam pedaços de carne com machadinhas para os trabalhadores que voltam dos campos. A cerca de 260 quilômetros a leste de Havana, em uma estrada onde carroças puxadas a cavalo equipadas de rodas de trator passam diante de muros cobertos com slogans de Raúl Castro ("Orden, Disciplina y Exigencia"), Jicotea, segundo Rubio, "sequer é uma cidade".

Seu avô Pedro Víctor García, que foi atingido pela poliomielite muito jovem e por isso se dedicou aos estudos, deixou os campos de Jicotea por uma carreira no negócio de ferrovias, o que o levou mais a leste, a Cabaiguán. Aqui ele conheceu sua esposa e formou uma família que incluía a mãe de Rubio, Oriales García.

Algumas ruas além do verdejante passeio de Cabaiguán, um burro puxava uma carroça com pré-escolares diante da fábrica de tabaco onde o avô de Rubio, após sofrer um acidente e ser demitido pela companhia de trens, lia jornais e novelas para entreter as enroladoras de charutos, tornando-se o "hábil contador de histórias" que se tornou o herói do hábil político.

José López Díaz, 81, que vive em frente à fábrica desmantelada, lembra do deficiente físico que lia para os trabalhadores. Díaz coçou o peito fundo com as mãos manchadas pelo tabaco e manifestou surpresa diante da possibilidade de que o neto de um companheiro de trabalho na fábrica pudesse se tornar o próximo presidente dos EUA. O problema, interveio seu filho, José Filipe López Oramas, 53, era que o livro tinha um final triste, porque Rubio se opõe à suspensão do embargo que estragou suas vidas.

Em 1940, os avós de Rubio deixaram Cabaiguán, levando sua mãe e outros irmãos a unir-se às irmãs mais velhas em Havana. A família mudou-se para um projeto habitacional, e a mãe de Rubio encontrou trabalho como caixa em um atacadista conhecido como Casa de los Tres Kilos.

A mãe de Rubio conheceu seu marido, Mario Rubio, na loja. Ele era o guarda de segurança da mesma. Pobre e dormindo no armazém contíguo, o pai do futuro senador cresceu na rua Tenerife, no bairro operário de Cerro, em Havana, onde seus pais ganhavam a vida entregando comida para os trabalhadores da fábrica de tabaco.

Hoje a fábrica é uma concha abandonada, exceto por algumas famílias que vivem em ocupação no porão. A rua é cheia de vendedores de frutas, membros da Santería vestidos de branco e crianças que brincam diante dos prédios em cores pastel e uma abóbada de fios de telefone. Os mais antigos moradores da rua lembram-se vagamente da família Rubio que viveu ali. Outros tinham opiniões sobre seu herdeiro.

"Vendo onde estamos hoje nas discussões diplomáticas, é Rubio quem está vivendo no século passado", disse Montiel, que mora na rua Tenerife. 

Rubio disse acreditar que muita gente em Cuba tem medo de declarar algo diferente da linha do partido, e que era de se esperar essa raiva em um país dominado pela mídia controlada pelo governo.

"Eles não têm acesso a métodos alternativos de comunicação, não recebem meus comunicados de imprensa", disse ele. "Não é uma coincidência que todas as pessoas tenham a mesma opinião?"

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves