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Dalai-lama brinca e diz que chineses devem adotar ideia de reencarnação

Dalai-lama é festejado durante a celebração de seu 80º aniversário, na Índia - Sanjay Baid/Efe
Dalai-lama é festejado durante a celebração de seu 80º aniversário, na Índia Imagem: Sanjay Baid/Efe

Nicholas Kristof

20/07/2015 06h00

O dalai-lama, que talvez seja o único líder espiritual octogenário com uma veia extremamente brincalhona, tem uma sugestão para os líderes comunistas da China: adotar a ideia de reencarnação.

Eu o entrevistei em seu quarto de hotel em Nova York (EUA), no final de uma turnê no exterior celebrando seu 80º aniversário, e falamos sobre o que vai acontecer depois que ele morrer. Ele é o 14º dalai-lama, cada um deles é considerado uma reencarnação do anterior, e normalmente depois que um morre, começa uma busca por uma criança que se tornará o próximo. Mas ele disse que pode ser o último da linhagem, ou que o próximo dalai-lama pode vir de fora do Tibete --ou que pode até mesmo ser uma menina.

Esta conversa enfurece os chineses, que estão determinados a escolher o próximo dalai-lama (para usá-lo como uma ferramenta para controlar o Tibete). Então, surpreendentemente, os ateus do Partido Comunista Chinês vêm insistindo que a reencarnação budista deve continuar.

"O Partido Comunista chinês está fingindo saber mais sobre o sistema de reencarnação do que o dalai-lama", disse o dalai-lama, rindo. "Os comunistas chineses deveriam aceitar o conceito de renascimento. Então eles deveriam reconhecer a reencarnação de Mao Tsé-Tung, depois de Deng Xiaoping. Daí eles teriam direito de se envolver na reencarnação do dalai-lama.”

O dalai-lama deu a entender que realizaria uma espécie de referendo entre os tibetanos no exílio e consultas entre os tibetanos da China sobre se um novo dalai-lama deve sucedê-lo. A questão será resolvida formalmente por volta de seu aniversário de 90 anos, ele disse.

Um motivo para interromper a linhagem, ele sugeriu, é que um futuro dalai-lama pode ser "pernicioso" e macular a posição. Sua maior preocupação parece ser que, depois de sua morte, a China selecione um dalai-lama “de estimação”, que venha a atuar como um traidor para ajudar os chineses a controlar o Tibete e legitimar as políticas deles lá.

"Infelizmente, existe um precedente", disse ele, referindo-se ao Panchen Lama, o segundo lama reencarnado mais importante do budismo tibetano. Depois que o 10º Panchen Lama morreu em 1989, a China sequestrou o bebê escolhido pelos tibetanos como seu sucessor e ajudou a consagrar outra criança como o 11º Panchen Lama. Ninguém sabe o que aconteceu com o verdadeiro Panchen Lama.

Eu admiro imensamente o dalai-lama, e em 2007 ele usou minha coluna de forma corajosa para acenar uma importante bandeira branca para Pequim, só para ser criticado pelos tibetanos por ser conciliador demais e rejeitado pelos chineses que o consideraram falso.

Mas eu também disse que achava que, em alguns momentos, ele havia sido cauteloso demais e tinha perdido oportunidades de aproximação com Pequim. Meus exemplos: na década de 1980, quando os líderes Hu Yaobang e Zhao Ziyang buscaram a conciliação com o Tibete; depois que o 10º Panchen Lama morreu; e às vésperas dos Jogos Olímpicos de Pequim.

O dalai-lama não aceitou nada disso, ele não acha que perdeu oportunidades. Mas ele reconheceu que Zhao tinha sido simpático, e acrescentou que, se Zhao e Hu não tivessem sido depostos, "a questão tibetana já estaria resolvida, sem dúvida”.

Para minha surpresa, o dalai-lama também está entusiasmado com Xi Jinping, o atual líder chinês. Ele falou com admiração sobre a campanha anticorrupção de Xi, disse que a mãe de Xi era "muito religiosa, uma budista muito devota", e observou que o próprio Xi havia falado do budismo de forma positiva.

Então, presidente Xi, se você estiver lendo isso, o dalai-lama gostaria de visitar a China. Que tal fazer um convite?

Eu pedi a meus seguidores no Twitter e no Facebook para sugerirem perguntas ao dalai-lama, e aqui estão as respostas dele a algumas das questões levantadas:

- Sobre os budistas de Mianmar que assassinaram, estupraram e oprimiram muçulmanos: como em outras ocasiões, o dalai-lama condenou veementemente a violência. E acrescentou: "se Buda estivesse ali naquele momento, ele certamente salvaria ou protegeria aqueles muçulmanos".

- Sobre comer carne: o dalai-lama disse que foi puramente vegetariano por 20 meses, mas depois teve icterícia, então seus médicos lhe disseram para voltar a comer carne. Ele agora come carne duas vezes por semana e é vegetariano o restante da semana, disse ele, mas acrescentou que acha preferível o vegetarianismo.

- Sobre o papa Francisco: "Admiro a postura dele", disse o dalai-lama. "Ele rejeitou um bispo alemão [por viver de forma muito luxuosa]. Fiquei tão impressionado. Escrevi uma carta para ele. Eu expressei minha admiração.”

- Sobre gênero: o dalai-lama diz que se considera feminista e gostaria de ver mais mulheres na liderança, porque acha que as mulheres costumam ser mais sensíveis e pacíficas por natureza. "Eu insisto que as mulheres devem desempenhar um papel mais ativo", disse ele. "Se, um dia, a maioria dos líderes dos países for do sexo feminino, talvez estejamos mais seguros."