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Como efeito da guerra, há muitos morrendo de fome no Sudão do Sul

Nicholas Kristof

Em Aweil (Sudão do Sul)

25/07/2015 06h00

Uma medida da crise alimentar que se abate no Sudão do Sul é que as pessoas estão simplesmente colapsando de fome.

Em uma ocasião, enquanto eu dirigia pela cidade, vi uma mulher deitada inerte na rua. Seu nome era Nyanjok Garang, e ela disse que não tinha comido por três dias. Ela tinha a intenção de procurar trabalho, lavar roupa, talvez, na esperança de manter seus dois filhos vivos. Depois de um dia de caminhada infrutífera, ela colapsou.

“Meus filhos estão com fome”, disse ela. “Eu estou com fome. Não sobrou nem um centavo para comprar pão.”

Seu marido é um soldado das forças governamentais que lutam na guerra civil do Sudão do Sul, mas ela nem sabe se ele continua vivo. Então, ela deixou seus filhos com um vizinho e partiu na esperança de encontrar trabalho --“e aí eu apaguei”.

Em 1988, uma fome terrível dominou o que é hoje o Sudão do Sul, e há alguns sinais de que este ano ela pode se repetir. Como em 1988, as condições climáticas prejudicaram a colheita no mesmo momento em que uma guerra civil dificultava o plantio e o transporte de alimentos em todo o país.

Em sua viagem este mês para o Quênia e Etiópia, vizinhos do Sudão do Sul, o presidente Barack Obama vai se concentrar na questão da guerra civil no Sudão do Sul. A guerra não é apenas uma crise militar, mas também uma catástrofe humanitária, o que torna ainda mais importante intensificar os esforços para alcançar a paz.

Talvez você pense que o necessário para acabar com a fome é comida. Na verdade, o que é essencial, acima de tudo, é um esforço internacional de diplomacia intensiva e sanções específicas para alcançar um acordo de paz e acabar com a guerra civil. Sim, Obama já tem muito a fazer, mas nenhum outro país tem o poder de alavancagem dos Estados Unidos. E, quando está em paz, o Sudão do Sul pode cuidar de si mesmo. Mas enquanto a guerra continuar, o Sudão do Sul terá de enfrentar a fome, especialmente as mulheres e meninas.

A dinâmica de gênero na fome é evidente: em Aweil, a enfermaria do hospital está cheia de mulheres e meninas esqueléticas, parecendo sobreviventes de campos de concentração. Isso porque (como em muitos lugares pelo mundo), quando a comida é insuficiente, as famílias alocam o que têm aos homens e meninos. Assim, mulheres e meninas morrem de fome em maiores números.

Uma menina que estava no hospital, Rebecca Athian, de 15 anos de idade, estava tão desnutrida que seus ossos empurravam a pele, e ela tinha um nível de anemia (3 de hemoglobina) que no Ocidente é praticamente inédito. No entanto, o hospital foi forçado a dar alta à menina para abrir espaço para novos pacientes.

Rebecca já perdeu dois irmãos no último ano, e embora as causas da morte não tenham sido totalmente determinadas, é um bom palpite que estavam relacionadas com a desnutrição. A mãe de Rebecca gostaria de casar a menina porque, então, seria dever do marido alimentá-la e mantê-la viva. Mas ela diz que Rebecca foi estuprada e por isso os homens não estão dispostos a se casar com ela.

A ONU diz que 4,6 milhões de pessoas no Sudão do Sul --mais de um terço da população-- estão em situação de “insegurança alimentar grave” e que a situação vai se deteriorar nos próximos meses porque a próxima grande colheita será feita apenas em outubro ou novembro. Até lá, não há nada para comer.

“É a primeira vez que vemos tantos casos desse jeito”, disse Dr. Dut Pioth, diretor interino do hospital. “Vai ser igual a 1988”.

Dut tinha 11 anos na época, e ele se lembra de alguns parentes que morreram de fome. Sua família fugiu para Cartum, onde se saiu bem na escola e fez faculdade de medicina. Mas ele está frustrado porque o que os pacientes muitas vezes precisam agora não é tanto de cuidados médicos, e sim de alimentos e paz.

Ver crianças famintas é particularmente doloroso. Elas não demonstram emoções: não choram nem sorriem ou franzem a testa, simplesmente olham fixamente; seus corpos não parecem dispostos a desperdiçar nem uma caloria com emoções quando cada pingo de energia deve ser dedicado a manter os principais órgãos em funcionamento.

Impressionante é que esta região do Sudão do Sul não está diretamente afetada pelo conflito; está calmo aqui. Mas, ainda assim, a fome está relacionada com a guerra, pois o conflito impede a chegada de alimentos e suprimentos.

A estrada para a capital, Juba, foi bloqueada pelas batalhas, e as disputas com o Sudão fecharam a fronteira para o norte. Portanto, esta área está isolada, os preços estão subindo rapidamente, os empregos estão desaparecendo e os trabalhadores comuns não têm recursos para comprar comida.

A única certeza é que isso vai piorar nos próximos meses, e as mulheres e meninas abatidas serão vítimas da guerra. “Os que morrem com tiros são em menor número do que aqueles que morrem de fome”, afirma Dut.

Tradução: Deborah Weinberg