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Nova rota de imigração na Europa tem seus próprios riscos

Refugiados afegãos são detidos pela polícia húngara perto de Asotthalom, pouco depois de cruzar a fronteira com a Sérvia - Mauricio Lima/The New York Times
Refugiados afegãos são detidos pela polícia húngara perto de Asotthalom, pouco depois de cruzar a fronteira com a Sérvia Imagem: Mauricio Lima/The New York Times

Rick Lyman

Em Subotica (Sérvia)

03/08/2015 00h01

Eles chamam o lugar de "a floresta", mas na verdade é apenas de um emaranhado de trilhas no meio de árvores raquíticas perto de uma fábrica de tijolos abandonada.

Entre 150 e 200 pessoas –-a maioria homens, e algumas famílias jovens-– estão aglomeradas em grupos separados por acampamentos espalhados pela área, a maioria descansa em cobertores empoeirados, a terra enegrecida aqui e ali pelos restos das fogueiras da noite anterior.

"Temos pessoas do Iraque, Paquistão, Irã, Afeganistão, Eritreia, Somália, Marrocos", disse Mohamd, 42, ex-motorista de caminhão de uma fábrica perto de Alepo, na Síria, que espera chegar à Holanda. "Eu estou esquecendo alguém?"

Seu primo, Walid, 45, arrastou a sandália gasta na terra batida. "Argélia?"

Mohamd acenou para ele. "Esse grupo entrou na Hungria duas noites atrás", ele disse. "Não os vimos voltar."

À medida em que a guerra continua assolando o Médio Oriente e o Afeganistão, e milhares tentam fugir da pobreza da África, a onda de refugiados e migrantes com destino à Europa Ocidental não mostra sinais de diminuir neste verão.

Nos últimos anos, a rota mais popular tem sido atravessar o Mediterrâneo em barcos de contrabandistas líbios com destino às ilhas mais próximas na costa da Itália. Mas como essa rota ficou cada vez mais perigosa –-entre os diversos riscos estão o afogamento, o abandono por contrabandistas sem escrúpulos e a repressão das patrulhas de fronteira europeias-– a maré humana está mudando de direção. Cada vez mais, os migrantes estão seguindo uma rota terrestre para a Europa através da Grécia e dos Balcãs Ocidentais.

Mas, com o caminho alternativo vêm outros perigos: violência, exploração, intolerância. Embora a maioria dos países europeus estejam sobrecarregados por essa onda, alimentando uma reação anti-imigração em muitos lugares, países do leste europeu como a Hungria, Sérvia e Bulgária são considerados particularmente hostis.

Ainda assim, os migrantes continuam chegando.

Mohamd, assim como mais de duas dezenas de migrantes entrevistados na fábrica de tijolos e em outros locais ao longo da fronteira com a Hungria, recusou-se a dar seu sobrenome por medo de represálias contra os parentes que ficaram para trás e de autoridades pouco amigáveis no caminho pela frente. Sua história é típica.

Ele deixou a Síria em 16 de maio, chegou à Turquia e atravessou a fronteira para a Grécia.

Ao longo do caminho, pode haver viagens curtas de ônibus ou quilômetros percorridos de trem. Mas para muitos dos migrantes –-inclusive quase todos os entrevistados na fábrica de tijolos-– a viagem foi em grande parte feita a pé. Eles andam ao longo de ferrovias ou seguem caminhos indicados por contrabandistas ou pela rede comunicação dos refugiados que já estão à frente.

Para um pássaro, a viagem em linha reta de Damasco, na Síria, até Szeged, do outro lado da fronteira húngara, é de 1.900 quilômetros. De Cabul, no Afeganistão, é de 3.390 quilômetros. A rota do migrante, no entanto, dificilmente é a mais curta.

A viagem de Aleppo, na Síria, até Szeged tem 1.770 quilômetros em linha reta, mas mais de 2.400 quilômetros pelas estradas, e mais do que isso para contornar os postos de vigilância e seguir caminhos sinuosos nas florestas e linhas de trem.

"Fiz algumas viagens curtas de trem e uma de ônibus", disse Mohamd. "Mas, principalmente, caminhamos".

Levou 10 dias para chegar à Grécia. A Macedônia foi cruzada rapidamente, mas ele ficou preso na Sérvia por um mês. Ele conseguiu se infiltrar na Hungria duas vezes e foi preso rapidamente, passando 16 dias na prisão da primeira vez e cinco na segunda. Ele também recebeu um documento oficial que o proíbe de entrar no país por três anos.

"Vou tentar de novo hoje à noite ou amanhã", disse ele, dando de ombros. "O que mais posso fazer? Não há mais vida na Síria, só bombardeios.”

Em um relatório da Anistia Internacional deste mês, a organização reconheceu os perigos da rota terrestre. "Os refugiados enfrentam obstáculos consideráveis para conseguir asilo em qualquer país ao longo de sua jornada", disse o relatório.

"Refugiados e migrantes estão em constante risco de exploração, detenção arbitrária e maus-tratos."

A cidade húngara de Asotthalom fica localizada, de forma convidativa, no ponto onde a estrada nacional chega mais perto da fronteira, não muito longe da fábrica de tijolos. Seu prefeito, Laszlo Toroczkai, ex-ativista de um grupo de jovens antissemitas que desde então se juntou ao partido de extrema-direita Jobbik, chamou a atenção do país por sua oposição feroz à onda migratória.

"Eu de fato respeito o Islã", disse ele, em seu escritório pequeno e pouco decorado na Câmara Municipal. "Mas a Europa não é um continente do Islã. É por isso que lutamos com eles na Idade Média, para tirá-los daqui."

Embora a Hungria tenha a responsabilidade de cuidar de refugiados genuínos, ele acredita que muitos que atravessam a fronteira para a Hungria são apenas imigrantes ilegais buscando uma vida melhor em uma sociedade mais aberta.

Diz-se que Toroczkai foi o primeiro a propor a ideia de construir uma cerca ao longo de toda fronteira da Hungria com a Sérvia, que se estende por mais de 160 quilômetros –-uma coisa que o governo atual começou a fazer.

"Não importa quem teve a ideia primeiro", disse ele. "Para mim, o importante é proteger o vilarejo, o país e a Europa."

Na pequena cidade sérvia de Kanjiza, quilômetros a leste de Subotica, um grupo um pouco mais rico de migrantes estava reunido num parque ao lado de uma garagem de ônibus.

O trajeto a pé para atravessar a fronteira até Szeged, terceira maior cidade da Hungria, é de apenas 32 quilômetros.

Muitos deles disseram que eles, ao contrário dos que acampam na fábrica de tijolo, ainda têm dinheiro suficiente para dormir em hotéis, e para pagar valores altos para contrabandistas confiáveis.

Annas, 26, estudante de engenharia mecânica de Damasco, abrigava-se na sombra exígua. "O exército sírio queria me chamar para o serviço militar", ele disse, "então eu fugi."

Gangues sérvias perseguem pequenos grupos de migrantes na fronteira, disse ele.

"Se você está em apenas quatro ou cinco pessoas, você perde tudo. É por isso que viajamos em grupos de 50.”

Ele descreveu o plano: eles sairiam em menos de uma hora e tentariam chegar em Szeged pouco depois da meia-noite. Um ponto de táxi é conhecido por ter carros esperando todas as madrugadas, entre 3h e 5h, para levar qualquer um numa viagem de duas horas até Budapeste por 100 euros, sem perguntar nada.

De lá, minivans continuariam a viagem para a Alemanha por mais 400 euros por pessoa.

"É possível, se você sabe para onde ir e você tem dinheiro suficiente", disse Annas.