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Katrina criou um projeto para salvar parte da costa dos EUA que está afundando

William Widmer/The New York Times
Imagem: William Widmer/The New York Times

John Schwartz

Em Nova Orleans (EUA)

25/08/2015 06h00

Há dez anos, o bairro próximo do canal da Rua 17 de Nova Orleans foi assolado pelas águas. As ondas do furacão Katrina tomaram o canal, romperam os diques de contenção e arrancaram as casas de suas fundações. Grande parte da cidade permaneceu mergulhada em água suja salobra por semanas, até a cidade poder ser drenada.

Posteriormente, o Congresso aprovou US$ 14 bilhões para um anel de proteção de mais de 560 quilômetros em torno da cidade, com barragens mais fortes e maiores, comportas gigantes que podem ser fechadas contra tempestades, e uma espetacular "Grande Muralha do Lago Borgne" com 3 quilômetros, capaz de selar o canal que devastou o Baixo 9º Distrito, quando seu muro de contenção de enchente não funcionou. Mais obras estão em andamento, incluindo estações de bombeamento que impedirão os três principais canais de escoamento de serem novamente sobrecarregados durante tempestades.

O sistema elaborado de muros de contenção, bombas e comportas ainda não são tudo o que Nova Orleans precisa; um pouco de enchentes nas ruas durante fortes tempestades sempre será inevitável. Mas contribuem muito para o cumprimento da promessa das autoridades federais e estaduais de que uma destruição como a causada pelo furacão Katrina, um dos piores desastres na história dos Estados Unidos, não voltará a acontecer.

E isso é apenas o começo. Enquanto o governo federal constrói o anel de proteção em torno de Nova Orleans, as autoridades estaduais elaboraram um plano para cuidar de outras áreas vulneráveis no Estado como parte de um plano diretor de 50 anos, no valor de US$ 50 bilhões. Ele combina estruturas como diques com "infraestrutura verde", como a restauração dos alagadiços e a formação de ilhas-barreira para amenizar o impacto das tempestades, além de servirem como santuários para a vida selvagem.

As lições do furacão Katrina, colocadas em concreto, aço, terra e pântano, e o plano diretor ambicioso, estão sendo observadas com interesse entre Nova York e a Flórida e até a costa do Texas. As pessoas com qualquer costa à vista desejam sua própria barreira de contenção.

No nordeste do país, Nova York e Nova Jersey estão estudando propostas multibilionárias para limitar os estragos que poderiam ser causados pelo próximo furacão Sandy. No oeste, Galveston, Texas, deseja um "Ike Dike", um grande muro de contenção para conter tempestades como o furacão Ike, de 2008.

Autoridades de todo o mundo também vieram para ver o que está sendo feito aqui.

Ricky Boyett, um porta-voz do Corpo dos Engenheiros do Exército para o distrito de Nova Orleans, disse que em 2010, durante o boom de construção do sistema, ele e seus colegas conduziram mais de 400 visitas de delegações legislativas e autoridades de duas dúzias de países, incluindo Bangladesh, República Tcheca e Holanda, sem contar participantes de convenções em visita. Depois disso, ele disse, "nós paramos de contar".

Esses visitantes veem na Louisiana um vislumbre de seu próprio futuro, à medida que a mudança climática provoca elevação dos mares e clima mais tempestuoso nas comunidades costeiras. E como a Louisiana está lidando com o desafio adicional de afundamento de terras, a "bota" do Estado que está desaparecendo se transformou em um laboratório com tensões em torno de custo e ritmo das obras, e perguntas desconfortáveis sobre se o esforço é um exercício de futilidade –por lidar com os efeitos de um mundo em aquecimento.

"Nós estamos na vanguarda do enfrentamento das questões causadas pela mudança climática", disse Chip Kline, a principal autoridade costeira do Estado.

Restaurando os pântanos

Nos últimos 80 anos, o Estado perdeu 4.920 quilômetros quadrados de suas áreas alagadiças costeiras, uma área que equivale mais ao menos ao Estado de Delaware. Isso aconteceu em grande parte devido às barragens ao longo do Mississippi, que isolaram o Delta de sua reposição de sedimentos, e devido às operações de gás e petróleo que abrem gasodutos, oleodutos e canais de navegação, que permitem a penetração da água salgada que mata as áreas pantanosas delicadas.

Essa história de perdas se repete com tanta frequência que quase todos aqui sabem recitar as estatísticas. "As pessoas sabem o número de campos de futebol que perdemos a cada hora", disse Kline (a resposta: um).

Mas as perdas ofuscam as medidas sendo adotadas para restaurar as terras. Mais de 150 projetos do plano diretor do Estado estão em execução ou concluídos. Mais de US$ 11 bilhões em dinheiro estadual e federal vêm sendo gastos na redução de risco de furacões, com mais de US$ 2 bilhões destinados a restauração do ecossistema.

O Estado está construindo ilhas-barreira, restaurando suas praias, dunas e pântanos. Está devolvendo terras às áreas alagadiças que foram degradadas pelo avanço do mar.

Cada projeto é seu próprio quebra-cabeça: o promontório Caminada está recebendo areia trazida por barcaças e dutos de um rico banco de areia a cerca de 50 quilômetros Golfo do México adentro. O promontório protege o movimentado setor de transporte no próximo Porto Fourchon e na Rodovia 1, um elo vital e rota de retirada durante furacões para comunidades como Grand Isle.

Em Bayou Dupont, centenas de hectares, já com relva brotando, surgiram nos últimos meses onde antes era mar aberto, devido ao duto de 20 quilômetros que transporta a areia dragada do fundo do Rio Mississippi.

Esforços de restauração como esses fornecem proteção contra a força dos furacões, disse Reggie Dupre, um ex-legislador estadual que é diretor executivo do Distrito de Conservação e Barragem de Terrebonne. "Qualquer coisa que você colocar entre o Golfo do México e o local onde você vive reduz parte da força da tempestade", ele disse.

A dragagem pode formar terras rapidamente, mas é cara. E como as forças que estão devorando a Louisiana não desaparecerão, o trabalho terá que ser repetido. As autoridades estaduais dizem que gostariam de ver um sistema que se reabastecesse sozinho, e isso envolveria reverter, mesmo que um pouco, um dos maiores feitos de engenharia na história americana.

Depois que o Congresso ordenou ao Corpo de Engenheiros que murasse o Mississippi, depois das enchentes desastrosas de 1927, a região se tornou mais segura para se viver. Mas essas barragens cortaram o fornecimento de areia e lodo que formava a terra e a mantinha acima do nível do mar. Agora a Louisiana deseja sua areia e lodo de volta, fluindo por cortes nas margens do rio conhecidos como desvios.

"Quando as pessoas falam nos desvios, elas pensam que estamos abrindo um buraco na barragem", disse David Muth, o chefe do Programa de Restauração do Golfo para a Federação Nacional da Vida Selvagem.

Davis Pond, um desvio de água doce 24 quilômetros rio acima de Nova Orleans, construído pelo Corpo de Engenheiros e pelo Departamento de Recursos Naturais da Louisiana, mostra o que esse projeto pode fazer. A estrutura de aço e concreto permite que água, nutrientes e sedimentos suspensos fluam para os pântanos e estuários próximos. Futuros desvios –quatro planejados e dois em estágio de avaliação– canalizarão areia para formação de terras mais rapidamente.

Os desvios são controversos entre alguns pescadores e ostreiros, que dizem que o envio de água doce para áreas como a Baía de Barataria perturbarão seu meio de vida. Mas os grupos ambientais são a favor do desvio e as autoridades insistem que são a solução para o Estado que está afundando.

"O Rio Mississippi é a solução para a crise que enfrentamos na área costeira da Louisiana", disse Kline."Não podemos apenas despejar dinheiro no problema, dragando, dragando e dragando." Em vez disso, ele acrescentou, "vamos deixar que o rio faça seu trabalho".

O atraso fora de Nova Orleans

Mesmo com tudo o que foi feito desde o furacão Katrina para construção de um sistema de proteção em torno de Nova Orleans, muitos moradores e autoridades de outras partes do Estado se preocupam com o andamento dos projetos que envolvem o Corpo dos Engenheiros.

Kline elogiou o Corpo pela velocidade "fenomenal" e robustez do trabalho em torno de Nova Orleans. Mas, ele disse, "o mesmo senso de urgência precisa ser adotado nas demais áreas ao longo da costa da Louisiana".

O Corpo de Engenheiros é um parceiro essencial em projetos de grande escala, mas ele avança em um ritmo frustrantemente lento, disse, acrescentando: "A cada etapa do jogo, é estudo ou espera. Nós não temos mais tempo para estudar".

Em uma entrevista neste ano, o general de Exército Thomas P. Bostick, comandante-geral do Corpo de Engenheiros, notou que a agência costuma ser retardada pelo processo legislativo de autorização e apropriação, que pode levar a sinais conflitantes de um mandato para agir, mas sem dinheiro para fazê-lo.

Apesar do dinheiro já ter sido dado antecipadamente por Washington a Nova Orleans, o Congresso o desembolsa de forma intermitente, ele disse; os atrasos elevam os custos e a frustração.

Sem uma tragédia como o furacão Katrina para pressionar a nação a agir de modo decisivo, projetos podem se arrastar. "Infelizmente, é por isso que nos saímos tão bem em desastres", ele disse. "Porque se torna prioridade."

Esses argumentos não satisfazem a população local. Durante um sobrevoo com helicóptero na eclusa de Bubba Dove, de US$ 49 milhões, perto da cidade de Dulac, Dupre, a autoridade da paróquia de Terrebonne, apontou para os trabalhos no sistema de diques "Morganza-to-the-Gulf".

Ele foi inicialmente planejado como um projeto de quase 160 quilômetros de extensão, pago com fundos federais, mas os moradores se cansaram de esperar enquanto as estimativas de custo para o projeto escalavam para bilhões de dólares.

Agora, muros de terra estão sendo formados por equipamento de escavação por toda a paisagem alagadiça. O muro não é tão forte quanto o sistema federal seria, mas as autoridades estaduais e locais gastaram US$ 366 milhões para iniciar a construção, com dinheiro levantado em parte por impostos que os moradores locais votaram por pagar.

Windell Curole, o administrador geral do Distrito da Barragem de South Lafourche, notou que a maioria dos eleitores na área são conservadores e republicanos, e que em geral não gostam da ideia de novos impostos. "Por aqui, não se trata de uma questão partidária", ele disse. "É uma questão de sobrevivência."

Um custo alto e necessário

O preço de US$ 50 bilhões do plano diretor exigirá muitas fontes de fundos. Apropriações federais e estaduais, assim como fundos privados, farão parte do mix, é claro, mas o Estado também receberá pelo menos US$ 6,8 bilhões do recém-anunciado acordo civil de US$ 18,7 bilhões em torno do vazamento de petróleo da plataforma Deepwater Horizon entre a BP, o governo federal, cinco Estados do Golfo e centenas de municipalidades.

O Estado também deverá receber bilhões em receita do petróleo extraído em alto-mar por meio da Lei de Segurança de Energia do Golfo do México federal. Os US$ 145 milhões para reconstrução do promontório de Caminada está saindo dos US$ 2,5 bilhões em multas pagas pela BP e pela Transocean como parte do acordo na Justiça pelo desastre da Deepwater Horizon. Um conselho local das barragens buscou recursos adicionais ao processar as companhias de gás e petróleo pelos estragos costeiros causados por suas operações.

Mas tudo o que está sendo planejado pode não ser suficiente, disse Oliver Houck, um especialista em lei ambiental da Escola de Direito da Universidade de Tulane. "Ninguém está dizendo que os US$ 50 bilhões vão nos garantir algo exceto refrear o status quo", ele disse, acrescentado que a remoção dos moradores das áreas de risco é essencial.

Sobre solo novo em Bayou Dupont, Chuck Perrodin, um porta-voz da autoridade costeira, respondeu a pergunta sobre o que acontecerá quando o próximo furacão atingir o local. Sua previsão sincera: "Vai destruir tudo isto".

Mesmo assim, os projetos ambiciosos, com preços ambiciosos, valem a pena por mudar o cálculo, mesmo que apenas um pouco, do que pode parecer uma tarefa infrutífera.

"Enquanto conseguirmos dar dois ou três passos à frente para cada passo para trás, nós teremos um ganho líquido", ele disse. "Antes costumávamos dar um passo à frente e dois para trás. Nós estamos mudando isso."

Tradutor: George El Khouri Andolfato