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Opinião: Lições dos assassinatos dos jornalistas da TV nos EUA

Nicholas Kristof

28/08/2015 06h01

O assassinato de dois jornalistas na quarta-feira enquanto transmitiam ao vivo uma entrevista na televisão na Virgínia (leste dos EUA) ainda está marcado em nossas telas e nossas mentes, mas é um momento não apenas de luto, como também de aprender lições.

O horror não é apenas o duplo assassinato macabro, mas o preço constante cobrado pela violência armada: uma vida a cada 16 minutos em média nos EUA. Três dados rápidos:

- Mais americanos morrem em homicídios e suicídios com armas a cada seis meses do que morreram nos últimos 25 anos em todos os atentados terroristas e as guerras no Afeganistão e no Iraque somados.

- Mais americanos morreram a tiros nos EUA desde 1968 do que nos campos de batalha em todas as guerras da história dos EUA.

- As crianças americanas têm 14 vezes maior probabilidade de morrer por tiros que as crianças em outros países desenvolvidos, segundo David Hemenway, um professor de Harvard e autor de um excelente livro sobre segurança de armas de fogo.

Bryce Williams, como o assassino da Virgínia era conhecido pelos telespectadores quando trabalhava como repórter, aparentemente obteve a arma usada para matar seus ex-colegas de trabalho Alison Parker e Adam Ward em reação ao massacre de junho em uma igreja na Carolina do Sul - um exemplo de como a violência das armas gera mais violência.

Williams talvez fosse mentalmente perturbado, já que ele gravou em vídeo os assassinatos de quarta-feira e os postou no Facebook.

"Há algum tempo sou um barril de pólvora esperando para explodir", teria escrito Williams em um longo fax enviado à ABC News depois das mortes.

Williams podia ser insano ou não, mas nossas políticas sobre armas são dementes - no mínimo porque não temos sequer verificações de ficha policial para manter as armas fora das mãos de pessoas que estão prestes a explodir.

A lição dessa chacina não é que precisamos de uma proibição moderna (isso levantaria questões constitucionais e seria impossível politicamente), mas que devemos abordar as mortes por armas como uma crise de saúde pública.

Para proteger o público, regulamentamos brinquedos e fundos de investimento, escadas e piscinas. Não deveríamos regulamentar as armas de maneira tão séria quanto regulamentamos os brinquedos?

A Administração de Saúde e Segurança Ocupacional tem um regulamento de sete páginas sobre escadas, que fazem parte de 300 mortes por ano nos EUA.

Mas o governo federal não faz o que eu chamaria de um esforço sério para regulamentar as armas, que estão envolvidas nas mortes de mais de 33 mil pessoas nos EUA todos os anos, segundo os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (isso inclui suicídios, assassinatos e acidentes).

Os defensores das armas muitas vezes dizem coisas como: e os carros? Eles também matam, mas não tentamos proibi-los!

Os carros realmente são o melhor exemplo da abordagem de saúde pública que deveríamos aplicar às armas.

Ao longo de décadas, sistematicamente tomamos medidas para tornar os carros mais seguros: adotamos cintos de segurança e airbags, limitamos as licenças para motoristas adolescentes, reprimimos a condução por pessoas embriagadas e estabelecemos rotatórias e melhores faixas de pedestres, inspeções de segurança nos automóveis e regras sobre o uso do celular enquanto se dirige.

Essa abordagem foi surpreendentemente bem-sucedida. Pelos meus cálculos, se tivéssemos o mesmo índice de fatalidade em carros que em 1921, teríamos 715 mil americanos morrendo todos os anos em acidentes com carros. Nós reduzimos o índice de fatalidades em mais de 95%.

Mas no caso das armas de fogo o lobby das armas (permitido pelos políticos covardes) tenta há anos bloquear até as pesquisas sobre como reduzir as mortes por armas de fogo.

A indústria de armas fez uma arma à prova de crianças no século 19, mas hoje resisti ferozmente às "armas inteligentes". Se alguém rouba um iPhone, precisa de um PIN; para as armas, não.

Não vamos eliminar as mortes por armas nos EUA. Mas um esforço sério poderia reduzir essas mortes, digamos, em um terço, e isso seriam 11 mil vidas salvas por ano.

Os EUA são uma exceção, tanto pela falta de políticas sérias sobre as armas como nos índices de mortalidade. Hemenway calcula que o índice de homicídios por armas de fogo no país é sete vezes maior que o do país seguinte na lista do mundo rico, o Canadá, e 600 vezes maior que o da Coreia do Sul.

Precisamos de verificações da ficha policial para todos, com uma análise mais séria, limitar a compra de armas a uma por mês, para reduzir o tráfico, exigências de armazenamento seguro, marcações de número de série mais difíceis de apagar, períodos de espera para comprar uma arma de fogo - e mais pesquisas sobre que medidas realmente salvariam vidas.

Se o governo federal não agir, os Estados deveriam assumir a liderança.

A Austrália é um modelo. Em 1996, depois de uma chacina que ocorreu lá, o país se uniu por restrições mais duras às armas de fogo. O "Journal of Public Health Policy" nota que o índice de suicídios por armas de fogo caiu pela metade na Austrália nos sete anos seguintes, e o índice de homicídios por arma de fogo diminuiu quase pela metade.

Aqui nos EUA, podemos igualmente passar do horror passivo a tomar medidas para reduzir as 92 vidas tiradas pela violência das armas diariamente. Certamente podemos regulamentar as armas de modo tão sério quanto fazemos com carros, escadas e piscinas.