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Pobreza e mortalidade infantil têm queda profunda, mas nem todos sabem disso

Vencedora do Prêmio Nobel da Paz, a adolescente paquistanesa Malala Yousafzai é um completo contraste da mãe, analfabeta e criada para ser invisível - Darren Ornitz/Reuters
Vencedora do Prêmio Nobel da Paz, a adolescente paquistanesa Malala Yousafzai é um completo contraste da mãe, analfabeta e criada para ser invisível Imagem: Darren Ornitz/Reuters

Nicholas Kristof

02/10/2015 06h00

Nós, jornalistas somos um pouco abutres, nos alimentando de guerras, escândalos e desastres. Ligue o noticiário e você verá refugiados sírios, corrupção na Volkswagen, os problemas no governo. 

No entanto, isso reflete um viés na forma como divulgamos as notícias: cobrimos os aviões que se acidentam, não os aviões que decolam. Na verdade, a coisa possivelmente mais importante acontecendo no mundo hoje é algo que quase não cobrimos: um declínio impressionante na pobreza, no analfabetismo e na incidência de doenças. 

O quê? Você está surpreso, se perguntando o que eu tenho fumado! Todo mundo sabe sobre a disseminação da guerra, a propagação da AIDS e de outras doenças e como a questão da pobreza é intratável. 

Uma pesquisa revelou que dois terços dos americanos acreditavam que a proporção da população mundial que vive em condições de extrema pobreza quase duplicou nos últimos 20 anos. Outros 29% acreditavam que essa proporção havia permanecido praticamente inalterada. 

Ou seja, 95% dos norte-americanos estão totalmente errados. De fato, a proporção da população do mundo vivendo em extrema pobreza não dobrou nem permaneceu a mesma. Ela caiu em mais da metade, de 35% em 1993 para 14% em 2011 (o ano mais recente para o qual existem dados do Banco Mundial). 

Quando 95% dos americanos estão completamente inconscientes de uma transformação dessa magnitude, isso reflete uma falha no modo como nós, jornalistas, cobrimos o mundo -e eu me incluo entre os culpados. Considere o seguinte: 

- O número de pessoas extremamente pobres (que ganham menos de US$ 1 ou US$ 1,25 por dia [em torno de R$ 4 e R$ 5], dependendo da organização) aumentou inexoravelmente até meados do século 20. Depois, mais ou menos estabilizou-se por algumas décadas. Desde os anos 90, o número de pobres mergulhou. 

- Em 1990, mais de 12 milhões de crianças morriam antes dos 5 anos; desde então, esse total caiu em mais da metade. 

- Em toda a história, neste momento temos o maior número de crianças estudando, especialmente entre as meninas. Na década de 80, apenas metade das meninas nos países em desenvolvimento terminaram o ensino fundamental; hoje, 80% o fazem. 

Certo, cerca de 16 mil crianças ainda morrem desnecessariamente a cada dia. Em minhas viagens, é enlouquecedor ver crianças morrerem simplesmente porque nasceram no lugar errado na hora errada. 

Uma das razões para nossa complacência atual é esse sentimento injustificado de que a pobreza é inevitável. 

O segredo mais bem guardado do mundo é que vivemos em um ponto de inflexão histórico, em que a pobreza extrema está recuando. Os membros da ONU acabam de aprovar 17 novas metas globais, cuja peça central é a eliminação da pobreza extrema até 2030. Seus objetivos são históricos. Ainda haverá pessoas pobres, é claro, mas muito poucas que não tenham condições de comer ou de enviar as crianças para a escola. Os jovens jornalistas ou trabalhadores humanitários que estão começando suas carreiras agora verão muito pouca lepra, analfabetismo, elefantíase e cegueira que eu vi rotineiramente. 

“Vivemos na época de maior progresso e desenvolvimento entre os pobres na história do mundo”, observa Steven Radelet, economista de desenvolvimento e professor da Universidade de Georgetown, em um livro fantástico que será lançado em novembro “The Great Surge: The Ascent of the Developing World”, (em tradução livre: “A grande onda: a ascensão do mundo em desenvolvimento”). 

“As próximas duas décadas podem ser ainda melhores e podem se tornar a maior era de progresso para dos pobres na história da humanidade”, escreve Radelet. 

Eu escrevo frequentemente sobre a desigualdade, um desafio enorme nos EUA. Globalmente, porém, a desigualdade está diminuindo, por causa da ascensão dos países pobres. 

O que tudo isso significa em termos humanos? Eu estava pensando nisso na semana passada durante uma entrevista de Malala Yousafzai, a adolescente vencedora do Prêmio Nobel da Paz. A mãe de Malala, como as mulheres antes dela, não foi alfabetizada e foi criada para ser invisível aos olhos dos forasteiros. Malala é um contraste completo: educada, viva, franca e talvez a adolescente mais visível do mundo. 

Mesmo em países como o Paquistão, a época de mulheres analfabetas e invisíveis como a mãe de Malala está acabando; e o tempo de Malala está amanhecendo. O desafio agora é garantir que os países doadores ricos sejam generosos no apoio às metas globais –e também que os países em desenvolvimento façam a sua parte, em vez de sucumbirem à corrupção e à ineficiência. (Eu estou falando com você, Angola!) 

Há um último argumento falso a desmentir. Os cínicos argumentam que salvar vidas é inútil, porque o resultado é uma superpopulação que leva mais pessoas a morrerem de fome. Não é verdade. Parte dessa onda de progresso é uma queda impressionante nas taxas de natalidade. 

Hoje, as mulheres haitianas têm em média 3,1 filhos; em 1985, elas tinham seis. Em Bangladesh, as mulheres hoje têm em média 2,2 filhos. Indonésias, 2.3. Quando os pobres sabem que seus filhos vão sobreviver, quando educam suas filhas, quando têm acesso ao planejamento familiar, eles têm menos filhos. 

Então, vamos arregaçar as mangas e, em nossa era, derrotar a pobreza extrema em todo o mundo. Sabemos que os desafios são superáveis ​, porque já viramos a maré da história.