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Enquanto a Síria está em guerra, Israel constrói nas Colinas de Golã

Uriel Sinai/The New York Times
Imagem: Uriel Sinai/The New York Times

Jodi Rudoren

Em Merom Golã (Colinas de Golã)

03/10/2015 06h00

Há um boom de construção ocorrendo discretamente no pequeno kibutz de Merom Golã, o primeiro estabelecido depois que Israel tomou as Colinas de Golã da Síria na guerra de 1967.

Caixas de força de pedra marcam os locais onde a construção de algumas poucas dezenas de casas terão início em breve. Um campo inculto deverá se tornar, no ano que vem, em um novo bairro chamado Banim Bonim, "crianças constroem" em hebraico. Perto da estrada, Doron Bogdanovsky, o secretário-geral do kibutz, tem planos aprovados para o assentamento de mais 100 famílias ao longo da próxima década.

"Se um organismo vivo não contar com sangue novo o tempo todo, ele morrerá", disse Bogdanovsky, 65 anos, enquanto mostrava o kibutz, que possui uma lista de espera por não poder ser construído rápido o suficiente.

O plano para o kibutz não é nada diante das metas agressivas de desenvolvimento de Naftali Bennett, um alto ministro israelense e líder do partido Lar Judeu, um dos muitos políticos israelenses aproveitando a situação caótica na Síria para assegurar a soberania de Israel sobre as disputadas Colinas de Golã. Eles pedem por 100 mil novos moradores em Golã nos próximos cinco anos. Esse número, quase cinco vezes a atual população judaica, pode não ser realista.

Com a "desintegração" da Síria após anos de guerra civil, eles argumentam, é difícil imaginar um Estado estável para o qual o território possa ser devolvido. Além disso, eles dizem que o reconhecimento internacional –ou, no mínimo, americano– da anexação por Israel das Colinas de Golã em 1981 seria um lenitivo apropriado às preocupações de segurança israelenses, após o acordo nuclear com o Irã. Alguns defensores desse esforço, que diferentemente de Bennett buscam o estabelecimento de um Estado palestino, também veem esse reconhecimento internacional como uma forma importante de distinguir o status de Golã do da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

"Estamos em uma situação estratégica totalmente nova, e uma nova situação estratégica exige novas respostas estratégicas", disse Bennett, que prometeu apresentar em breve um plano envolvendo "várias centenas de milhões de shekels" para criação de empregos, moradias, escolas e transporte nas amplas e verdes Colinas de Golã.

"Acho que temos uma oportunidade aqui, uma rara oportunidade, e acho que é vital", ele acrescentou. "Diante da tempestade na qual estamos, que pode durar pelos próximos cinco ou 50 anos, ninguém sabe, nós precisamos de algumas constantes, e uma grande constante é que as grandes Colinas de Golã sejam israelenses."

Os mais de 1.000 km² das Colinas de Golã controladas pelos israelenses na fronteira nordeste com a Síria são tanto um platô estratégico quanto um viçoso terreno agrícola, produzindo maçãs, cerejas e carne bovina. Também é um vasto playground que atraiu 3 milhões de visitantes no ano passado.

O Conselho de Segurança da ONU condenou a anexação por Israel e grande parte do mundo considera oficialmente as Colinas de Golã como ocupadas ilegalmente, assim como a Cisjordânia. Mas elas raramente são foco de ativismo internacional ou diplomacia. A construção de Merom Golã não atraiu críticas públicas, diferente do que acontece toda vez que um novo bloco habitacional é anunciado em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia.

Até mesmo os 22 mil moradores drusos que por décadas sonharam com a devolução das terras à Síria começaram a reconhecer a nova realidade.

"Essas esperanças estão diminuindo cada vez mais e talvez já estejam próximas de zero", suspirou Qasem Sabbagh, um dono de restaurante na capital drusa, Majdal Shams, e um antigo ativista que disse estar "menos ativo nos últimos anos, porque não há política aqui, apenas guerra".

Salman Fakhreddin, um porta-voz do Al-Marsad, um grupo de direitos humanos nas Colinas de Golã, se queixou de que os israelenses confiscam terras dos drusos e não compartilham a água e outros recursos igualmente. Mas ele disse que os drusos se beneficiam economicamente com o turismo e a agricultura israelenses, e entendem que Israel é a única autoridade que pode realisticamente defender a área de extremistas, como o Estado Islâmico, do outro lado da linha de armistício.

"É um fato tragicômico: nossa segurança e nosso florescimento vieram com a ocupação", disse Fakhreddin. "Talvez você descubra que seu inimigo se tornará amigo no futuro."

O esforço pela normalização do controle de Israel vai além de nacionalistas conservadores como Bennett. Amos Yadlin, o candidato da esquerda para ministro da Defesa nas eleições do ano que vem, incluiu o reconhecimento da autoridade israelense sobre as Colinas de Golã em um recente documento sobre medidas potenciais americanas para tranquilizar Israel após o acordo com o Irã. Michael B. Oren, o ex-embaixador de Israel em Washington e um membro de centro-direita no Parlamento, é um dos principais proponentes.

"As Colinas de Golã já fazem parte de Israel há duas vezes mais tempo do que da Síria", notou Oren em uma recente entrevista. "Nós precisamos de locais para construção e o mundo não quer que construamos na Cisjordânia. Não acho que haja alguém no mundo que venha até nós e nos diga que estamos construindo em terras que farão parte de um acordo de paz se construirmos nas Colinas de Golã."

Mesmo assim, o governo Obama pode detestar cutucar esse vespeiro com uma declaração oficial sobre o que é amplamente reconhecido como a realidade em solo. Até o momento, autoridades americanas e israelenses disseram que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, não apresentou o caso.

Os assessores de Netanyahu não responderam às sondagens sobre o assunto. Dore Gold, diretor do Ministério das Relações Exteriores de Israel, se recusou a "entrar em onde iremos a partir daqui em termos diplomáticos". Mas Gold repetiu muitos dos argumentos apresentados pelos defensores das Colinas de Golã –liderados pelo ex-secretário de Gabinete de Netanyahu, Zvika Hauser.

"Se Israel tivesse aceitado o conselho de todos aqueles que nos anos 90 recomendaram a retirada das Colinas de Golã", disse Gold, "nós estaríamos diante da perspectiva da presença do Estado Islâmico ou dos iranianos às margens do Mar da Galileia".

Em Merom Golã, a cerca de 1,5 km da cerca de alta tecnologia que separa o território controlado por Israel da guerra que transcorre na Síria, Bogdanovsky e seus vizinhos já se acostumaram aos sons das bombas e bombardeios. Ele e outros líderes de Golã riem diante do plano de Bennett de 100 mil pessoas, mas dizem que de fato trarão 10 mil novos moradores para o norte em cinco anos.

Antes um movimento marginal, o assentamento nas Colinas de Golã se popularizou. Famílias vão para lá em busca de calma pastoral e preços acessíveis, preocupadas em quanto tempo pode levar para se chegar a um hospital, mas não com quaisquer implicações políticas com a Síria.

"Estes 20 anos provaram que não há ninguém com quem negociar ali", disse Bogdanovsky. "Estou convencido de que não temos que pedir desculpas o tempo todo pelo fato de estarmos presentes nas Colinas de Golã. Após 50 anos, esta não é uma área ocupada, esta é uma área israelense."