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Etiópia constrói represa e ameaça o volume do Rio Nilo para o Egito

Omer Redi/Efe
Imagem: Omer Redi/Efe

John H. Lienhard V e Kenneth M. Strzepek*

Cambridge (EUA)

04/10/2015 06h00

No rio Nilo Azul, na Etiópia, as obras de um projeto de proporções gigantescas e a intrincada fragilidade política estão em andamento. A Grande Represa do Renascimento Etíope, agora na metade, é um teste: à medida que a água se tornar tão preciosa a ponto de gerar guerras, será que os países conseguirão encontrar maneiras de compartilhá-la?

Por enquanto, está tudo bem. O projeto está caminhando para a conclusão, e uma recente declaração conjunta de princípios por parte dos líderes do Egito, Etiópia e Sudão prometeu cooperação e nenhum dano "significativo" rio abaixo. Isso é fundamental, uma vez que a barragem vai controlar cerca de dois terços da água da qual o Egito depende. Mas, para a cooperação ser significativa, estes três países precisarão de uma análise técnica séria. A avaliação mal feita de questões como a variabilidade da precipitação anual ou da vazão mínima necessária para manter a qualidade da água a jusante poderia minar um acordo, levando a conflitos de intensidade imprevisível.

Isso porque o fluxo do Nilo é uma roleta climática. Ele experimenta períodos de abundância de água e períodos de seca prolongada, e sempre foi assim: basta lembrar da história (presente na Bíblia e no Alcorão) dos sete anos de fartura seguidos de sete anos de vacas magras. Mas agora os riscos são muito maiores: a população do Egito é de 90 milhões de habitantes, e está crescendo. A represa egípcia de Assuã, a jusante da represa da Etiópia, ajuda a moderar essas flutuações, mas uma segunda grande barragem e um reservatório maior rio acima vão complicar as coisas.

O Egito agora recebe praticamente toda sua água do Nilo –cerca de 60 bilhões de metros cúbicos por ano, pouco acima da quantidade prevista no seu tratado com o Sudão. Isso equivale à retirada de 700 metros cúbicos per capita por ano. Compare isso com a Califórnia, que retira anualmente cerca de 1.400 metros cúbicos per capita de várias fontes, incluindo 30% do fluxo anual do rio Colorado, e você entenderá como a água do Nilo é escassa e preciosa para o bem-estar do Egito.

A Califórnia depende bastante dos lagos Powell e Mead, os reservatórios por trás das barragens no rio Colorado, que, juntos, armazenam um pouco mais de três anos do fluxo total do rio. A nova barragem na Etiópia terá uma capacidade de armazenamento ainda maior do que a dos lagos Powell e Mead juntos, mas ainda assim isso representa apenas um ano e meio do fluxo do Nilo Azul. Acrescentando o grande reservatório atrás da barragem Assuã do Egito, isso equivale a um armazenamento de cerca de 1,75 ano do fluxo total do Nilo. Não é uma margem de segurança muito ampla para um período de seca prolongada – como os californianos podem atestar.

As chuvas de monções na Etiópia, que alimentarão a nova represa, acontecem principalmente durante apenas três meses, assim, ao armazenar a água, a nova barragem vai moderar e atenuar o fluxo do Nilo Azul, um dos afluentes do Nilo com quase 1,5 quilômetro de extensão. Ela também vai gerar uma quantidade enorme de energia elétrica, cuja venda poderia financiar o desenvolvimento tão necessário à Etiópia –exceto pelo fato de que não estão sendo construídas linhas de transmissão para exportar a energia.

Assim como Califórnia usou a água armazenada para se tornar uma potência agrícola, o Sudão vai se beneficiar usando o fluxo mais estável de água vindo da nova barragem para aumentar sua produtividade agrícola. Isso permitirá que o país, que fica entre a Etiópia e o Egito, finalmente utilize toda a quantidade de água do rio prevista pelo tratado, o que por sua vez reduzirá a água disponível para o Egito.

Está claro que é necessário um acordo de cooperação entre a Etiópia, o Sudão e o Egito para evitar conflitos e prejuízos rio abaixo. Isso inclui um acordo sobre o que significam prejuízos "significativos", uma vez que, no passado, o Egito já esteve disposto a entrar em guerra para proteger suas águas.

Todos os três países devem se beneficiar se trabalharem juntos. A enorme capacidade de armazenamento da represa poderia ajudar tanto o Sudão quanto o Egito nos anos de seca. E se o Egito concordasse em comprar a energia que a nova barragem vai gerar (e construísse as linhas de transmissão, talvez com a ajuda internacional), então a Etiópia poderia se beneficiar economicamente da água armazenada, que eventualmente deve fluir rio abaixo.

É aqui que as questões técnicas serão fundamentais. Em novembro passado, o Laboratório de Segurança Alimentar e Hídrica Abdul Latif Jameel, do MIT, reuniu especialistas sobre recursos hídricos da bacia do Nilo. Eles apontaram que a gestão de um sistema fluvial com múltiplas represas exige uma administração conjunta sofisticada, com uma base de conhecimento compartilhada e uma estrutura de modelagem científica. As duras negociações à frente para chegar a acordos detalhados sobre coisas como a política de operação do reservatório, a comercialização de energia, a segurança das barragens e as práticas de irrigação irão exigir que especialistas em água e política externa de cada um dos três países tenham um entendimento comum das questões técnicas e a disposição de ceder.

Em maio de 2015, os três países contrataram consultores técnicos para ajudar com estes problemas, mas o acordo ruiu por causa de discordâncias quanto ao gerenciamento do projeto. Cabe à comunidade internacional ajudar, apoiando esforços regionais, como a Iniciativa da Bacia do Nilo, auxiliando a construção de uma coordenação técnica e científica entre os três países, fornecendo conhecimento imparcial, criando um sistema de gestão e, talvez, oferecendo um processo para resolver disputas.

O mundo precisa melhorar, e imediatamente, na partilha da água. A alternativa a isso são conflitos regionais frequentes e de proporções desconhecidas.

*John H. Lienhard V é professor do MIT e diretor do Laboratório de Segurança Alimentar e Hídrica Abdul Latif. Jameel. Kenneth M. Strzepek é cientista pesquisador do Programa Conjunto do MIT sobre Ciência e Política das Mudanças Globais