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EUA: assassinatos em massa chamam atenção, mas violência por armas mata 90 por dia

Andrew Burton/Getty Images/AFP
Imagem: Andrew Burton/Getty Images/AFP

Erik Eckholm

09/10/2015 06h00

Columbine, Virginia Tech, Sandy Hook e agora, uma faculdade comunitária em Roseburg, Oregon. Um após o outro, assassinatos em massa horrorizam a nação, provocando o debate sobre a disponibilidade de armas legais e a angústia em torno da incapacidade da sociedade de manter as armas fora das mãos de assassinos potenciais.

Mas esses assassinatos em massa não são a face típica da violência das armas nos Estados Unidos. Todo dia, cerca de 30 pessoas são vítimas de homicídios por armas de fogo, mortas por membros de gangues rivais ou traficantes de drogas, assaltantes, bêbados após brigas de bar, familiares enlouquecidos ou parceiros abusivos. Cerca de 60 pessoas adicionais por dia se matam com armas de fogo.

Apenas em Chicago em setembro –o mês mais mortífero da cidade nos últimos anos– ocorreram 57 homicídios, a maioria por armas de fogo, e 351 pessoas foram baleadas e feridas. No total, contando suicídios, 33.636 pessoas nos Estados Unidos foram mortas por armas de fogo em 2013, segundo os dados federais mais recentes.

"Os assassinatos em massa focam a atenção do público", disse Garen J. Wintemute, diretor do Programa de Pesquisa de Prevenção da Violência da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em Davis. "Mas perdemos em torno de 90 pessoas por dia por armas de fogo. Precisamos manter nossos olhos focados no quadro maior."

Mas há uma discordância amarga sobre como responder neste país saturado de armas e, especialmente na atual campanha política, sobre se checagens expandidas e mais rígidas de antecedentes fariam alguma diferença.

Para complicar qualquer solução há a realidade sobre a origem de muitas das armas usadas em crimes. A maioria das cerca de 300 milhões de armas nos Estados Unidos, atualmente mantidas em pelo menos um terço dos lares americanos, foi comprada legalmente, mas poucos criminosos obtêm armas dessa forma, e sim recorrendo ao submundo.

Na maior pesquisa federal com presidiários sobre o assunto, realizada em 2004, apenas cerca de 10% dos condenados que portavam armas disseram tê-las comprado de vendedores autorizados.

A maioria disse que as comprou ou trocou com parentes, amigos ou conhecidos de rua, como receptadores, traficantes de drogas e membros de gangue.

Roubo de armas é a principal fonte dessas armas. Evidências sugerem que pelo menos 250 mil armas são roubadas de lares e lojas por ano. Alguns criminologistas dizem que o número pode ser significativamente maior.

Assim que as armas começam a circular no submundo, elas tendem a mudar de mãos frequentemente, disse Philip J. Cook, um professor de políticas públicas da Universidade Duke.

Há dois anos, Cook perguntou a 100 detentos no presídio do condado de Cook, Illinois, sobre como obtiveram suas armas. Alguns dos presos da área de Chicago disseram que as compraram de traficantes de outro Estado, ou mandaram membros da gangue para Indiana ou outros Estados onde as leis para armas são mais frouxas. Muitos dos entrevistados destacaram a preeminência da família, amigos e outros membros da gangue como fontes de armas. Eles disseram que relutam em negociar com estranhos, por temerem armadilhas policiais ou a compra de uma arma "suja", que possa ligá-los a um crime.

Uma importante preocupação daqueles que pedem por uma maior checagem de antecedentes é a ausência na maioria dos Estados de qualquer procedimento de triagem quando uma arma é comprada de uma parte privada –um amigo, um vendedor anunciando online, um vendedor em pequena escala em uma feira de armas. Segundo a lei federal, a checagem de antecedentes é exigida apenas de quem compra junto a vendedores autorizados; pessoas com antecedentes criminais ou histórico de doença mental são proibidas de comprar.

Uma minoria significativa das armas é adquirida legalmente, mas sem checagem de antecedentes, o que muitas autoridades consideram uma brecha preocupante. Em uma pesquisa nacional envolvendo mais de 2.000 proprietários de armas, realizada neste ano pela Escola de Saúde Pública de Harvard e ainda não publicada, 40% dos proprietários disseram que adquiriram sua arma de fogo mais recente sem checagem de antecedentes. Apesar de em alguns casos essas armas serem herdadas ou dadas por parentes, a maioria delas foi comprada, disse Deborah Azrael, uma das autoras do estudo.

Dezessete Estados estabeleceram seu próprio sistema de checagem e também o aplicam a transações privadas de armas.

Daniel Webster, um especialista em violência de armas do Centro para Pesquisa e Políticas para Armas da Universidade Johns Hopkins, cita dois exemplos recentes como evidência de como checagens expandidas de antecedentes podem afetar os mercados de armas e a violência.

Em 2007, o Missouri encerrou um sistema de décadas de checagem de antecedentes e licença para compra de armas de fogo, incluindo vendas privadas. Segundo pesquisa feita por Webster e colegas, a mudança levou rapidamente a desvio de armas para criminosos e um aumento de 25% nos homicídios com armas de fogo nos três anos que se seguiram, enquanto os homicídios cometidos de outras formas não aumentaram.

Em comparação, Connecticut estendeu a checagem de antecedentes em 1995 às vendas particulares e criou um sistema de licenças para armas de fogo. Em 10 anos, o índice de assassinatos envolvendo armas de fogo caiu 40%.

"Há uma conexão entre regular o mercado formal e o número de armas que entram no mercado do submundo", disse Webster. Uma grande parte dos criminosos violentos são muito pobres, ele acrescentou, de modo que, para eles, o preço importa.

Mesmo assim, controles gerais às vendas de armas podem contribuir pouco, por si só, para impedir um assassino em massa determinado.

No massacre da semana passada no Oregon, no qual Christopher Harper-Mercer matou nove pessoas, todas as 14 armas que possuía –seja as usadas no ataque ou as deixadas em casa– foram compradas legalmente por ele ou por um parente junto a um vendedor autorizado.

"Esse é o tipo de crime que leis de controle de armas dificilmente prevenirão, em parte porque os assassinos são muito motivados", disse Gary Kleck, um criminologista da Universidade Estadual da Flórida.

EUA têm, em média, uma arma de fogo por habitante

AFP