Topo

Com "super memória", policial britânico identifica rostos mais rápido do que computadores

Tom Jamieson/The New York Times
Imagem: Tom Jamieson/The New York Times

Katrin Bennhold

Em Londres (Inglaterra)

10/10/2015 06h00

Em uma tarde quente e úmida de agosto em 2011, enquanto desordeiros saqueavam e incendiavam as ruas do lado de fora, um pequeno número de policiais se reunia em uma sala no norte de Londres. Projetada em uma parede estava a silhueta borrada de um homem com gorro de lã cobrindo toda sua testa e uma bandana vermelha cobrindo tudo, exceto seus olhos. Câmeras de segurança por toda a cidade rastrearam o homem incendiando carros, roubando de lojas, batendo em transeuntes, até mesmo atirando bombas incendiárias.

Mas ele sempre estava mascarado. "Precisamos identificar esse sujeito", disse o sargento. "Ele é um dos piores." Naquele momento, entrou Gary Collins, um policial da unidade local de gangues. Ele deu uma olhada e disse: "Esse é o Stephen Prince".

Os amigos chamam Collins de "Rain Man" ou "Yoda", ou simplesmente "O Oráculo". Mas na Scotland Yard, a força policial metropolitana de Londres, ele é conhecido como o "super reconhecedor". Ele tem um dom especial de reconhecimento facial que lhe permite associar imagens parciais ou de baixa qualidade com um rosto que já viu antes, na rua, em um banco de dados ou mesmo anos antes. A última vez que esteve face a face com Prince foi durante um encontro fugaz em 2005.

De fala suave e modos gentis, Collins carrega um cassetete e spray de pimenta, mas não arma de fogo. Sua arma é sua memória: software de reconhecimento facial conseguiu identificar um suspeito dentre os 4 mil registrados pelas câmeras de segurança durante os distúrbios em Londres. Collins identificou 180.

"Computadores não são páreo para os super reconhecedores", disse o inspetor chefe Mick Neville, chefe da Equipe Central de Imagens Forenses da Scotland Yard e criador do esquadrão.

Com estimadas 1 milhão de câmeras de segurança, Londres é pioneira em todo uma nova área de detecção, uma que poderia ser mais barata do que análise de DNA e digitais e que conta acima de tudo com superpoderes humanos. A equipe cada vez maior da Scotland Yard de 152 super reconhecedores é composta de homens e mulheres de toda a força, que obtiveram altas notas em um teste de reconhecimento facial originalmente concebido por Harvard em 2009. Collins, o astro da unidade, está na faixa rarefeita de 1%.

Policiais de trânsito e agentes penitenciários, aqueles que patrulham bairros e policiais especializados em crimes violentos, os super reconhecedores mais que triplicaram o número de identificações desde abril de 2013. Eles são empregados para apontar ladrões e criminosos sexuais conhecidos em multidões de dezenas de milhares em concertos de rock ou para deter batedores de carteiras em pontos turísticos, como o Palácio de Buckingham e Oxford Circus. Neste ano, eles resolveram um notório caso de assassinato de uma adolescente, que mobilizou 600 policiais de todas as oito forças, a maior operação de busca desde os atentados de Londres de 2005.

O termo foi cunhado em 2009 por Richard Russell, um pesquisador de pós-doutorado de Harvard. Ele estava estudando pessoas com prosopagnosia, ou aqueles com incapacidade de reconhecer rostos, e descobriu que cerca de 2% das pessoas tinham uma capacidade muito ruim de reconhecimento. Então ele ficou curioso: será que há pessoas no outro extremo, com capacidade extraordinária de reconhecimento?

Russell, atualmente um professor associado de psicologia da Faculdade Gettysburg, testou quatro indivíduos que acreditava possuírem capacidade superior de reconhecimento facial. Os testes incluíram o Teste de Memória Facial de Cambridge, usando imagens sem cabelo ou outras pistas de identidade, e um Teste Antes de Serem Famosos, no qual os participantes têm que identificar celebridades a partir de fotos tiradas, em grande parte, quando ainda eram crianças. Todos os quatro participantes obtiveram notas muito acima dos valores de controle. De lá para cá, testes em grande escala preveem que 1% ou 2% das pessoas são super reconhecedores.

Psicólogos evolucionistas estão intrigados com os super reconhecedores. A capacidade deles de reconhecimento facial raramente é acompanhada por memória fotográfica em outras partes de suas vidas. Collins, 48 anos, que estudou design antes de se tornar policial, já identificou mais de 800 suspeitos, mas não consegue se lembrar da lista de compras. "Eu tenho que escrevê-la", ele disse.

Um homem modesto com cabelo grisalho com uma leve cadência londrina, Collins patrulha as mesmas ruas no norte de Londres onde cresceu. Ele se tornou famoso tanto entre colegas quanto criminosos. O policial sentado à frente dele na sala mal iluminada no térreo compara a mente dele a um rolodex (organizador giratório de cartões): "Você mostra uma foto para ele e, 30 segundos depois, um nome aparece. E ele está sempre certo".

Na infância, Collins ignorava seu talento. "Eu sempre reconheci pessoas, mas na infância você não sabe que tem um dom, você acha que todo mundo é como você."

Filho de um engenheiro de telefonia e uma recepcionista de clínica veterinária, ele derrotava sua família e amigos na solução do Cubo Mágico. Suas notas eram ruins na escola, mas ele era bom em artes, com uma aptidão particular para desenhar retratos. Antes das provas, ele enchia um livrinho com diagramas coloridos e auxílios à memória.

"Eles me chamavam de 'O Livro'", ele disse.

Mas foi apenas quando se juntou à polícia em 1995 é que ficou ciente de seu dom. Como novato em Greenwich, no sudeste de Londres, ele passava horas olhando para as fotos surradas de Polaroid dos bandidos do bairro na parede. "Eu me sentia atraído por aquelas fotos", ele disse. "Eu costumava olhar para elas o tempo todo."

Então, ao sair em patrulha pela primeira vez com um veterano, ele listava os nomes das pessoas com as quais cruzavam. "Como raios você sabe disso, novato?" seu parceiro lhe perguntava.

Na folga, o super reconhecimento pode ser uma maldição. Recentemente, Collins quase levou um soco. "Acho que às vezes fico encarando demais, mas não consigo evitar", ele disse. "O sujeito para o qual eu estava olhando reagiu: 'O que você está olhando? O que você está olhando?'"

Ele mora deliberadamente fora de Londres para evitar se deparar com os rostos procurados. (Recentemente, ele teve que interromper uma saída ao shopping com seus filhos quando reconheceu um grupo de membros de gangue enquanto comprava tênis.)

Ele calcula que seu filho mais velho, com 11 anos e fanático por futebol, possa ser um super reconhecedor. "Ele conhece jogadores de futebol de países e equipes dos quais nunca ouvi falar", disse Collins. "Quem sabe? Ele pode ter o dom."