O que o reality "O Aprendiz" ensinou a Trump sobre campanha política
Donald Trump, como qualquer bom protagonista de "reality show", não inspira opiniões neutras. Ele é um salvador ou um desastre; um intolerante ou um patriota; aquele que diz a verdade ou um bufão; um líder nas pesquisas que se impõe ou uma bolha prestes a estourar. Em um ponto, ao menos, há uma espécie de consenso entre os comentaristas políticos: que a candidatura abrasiva, movida pela celebridade, ao estilo do comediante Don Rickles, de Trump não tem precedente.
E é sem precedentes se seus hábitos de televisão se limitarem aos canais “C-Span” (canal que faz cobertura das atividades do governo federal e Congresso) e “CNN”. Mas se você assistiu “reality shows” na última década ou duas, você já se cansou de ver isso. Você já viu isso com Richard Hatch e Russell Hantz, os manipuladores que você adora odiar de “Survivor” (“No Limite” no Brasil); nas maledicências de sala de reuniões em “O Aprendiz” de Trump; em Courtney Robertson, a vencedora resoluta de “The Bachelor”, que registrou sua experiência no livro “I Didn’t Come Here to Make Friends” (“Eu Não Vim Aqui Para Fazer Amigos”, em tradução livre, não lançado no Brasil), que daria um ótimo título para um futuro livro de memórias de campanha de Trump.
Seria simplismo –e desdenhoso para com as forças conservadoras e populistas por trás da ascensão de Trump– dizer que sua campanha significa simplesmente que a política se transformou em um “reality show”. Mas o estilo de Trump sugere que ele aprendeu tanto a respeito de campanha na sala de reuniões de “O Aprendiz” quanto em uma sala de reuniões de verdade.
A política presidencial tradicional é como a televisão na época do apresentador Ed Sullivan, quando as três grandes emissoras desenvolveram a ideia de “programação menos ofensiva” –programas inofensivos, algo para todos, visando impedir que as pessoas mudassem de canal.
Os “reality shows”, como a campanha de Trump, são um produto de uma época mais divisora de nichos de audiência. Quando há centenas de veículos de entretenimento, “menos ofensivo” significa morte: você precisa se destacar.
E ele se destaca. Como os próprios “reality shows”, Trump é uma proposta do tipo "ame ou odeie". Em uma eleição geral, é verdade, você precisa de muito mais que 23% dos votos (o atual número de Trump em uma pesquisa recente “USA Today/Universidade Suffolk” a respeito da disputa republicana). Mas na televisão atual, uma audiência de 23% é imensa –e nas primárias lotadas de candidatos de um partido ideologicamente fragmentado, é grande o suficiente para o primeiro lugar.
Entender essa dinâmica permitiu a Trump anular a polaridade das campanhas das primárias. Enquanto os candidatos tradicionais cometem gafes, ele tem oportunidades de publicidade. Até mesmo seus piores comentários –como dizer após um duro debate na “Fox News” que a moderadora, Megyn Kelly, tinha “sangue saindo de qualquer lugar”– parecem, entre seus seguidores, lustrar a reputação dele como alguém franco. É uma abordagem “The Real World” para a política: permita-me mostrar a você, América, o que acontece quando os candidatos deixam de ser educados e começam a dizer o que pensam!
É paradoxal que Trump seja aquele a conduzir a política das primárias para a era dos nichos na mídia. Afinal, ele já era um nome conhecido quando Ronald Reagan foi presidente, e houve um tempo, nos anos 90 e início dos anos 2000, quando ele parecia um vestígio dos anos 80 de Gordon Gekko (o personagem de Michael Douglas no filme “Wall Street –Poder e Cobiça) –um elemento nostálgico, um cubo mágico, uma ombreira.
“O Aprendiz” o ressuscitou como celebridade, o que, sucesso nos negócios à parte, é todo o sentido de Donald Trump. A chave para o apelo de Trump como apresentador do programa era a chave para seu apelo antes e de lá para cá: sua atenção às aparências superficiais.
Outros questionam se Trump é de fato tão rico ou bem-sucedido como diz. (Como o debate sobre se os “reality shows” são “reais”, isso só importa aos detratores, já que é ignorado pelos fãs.) Mas para fins de televisão, ele é perfeito para o papel, e o interpretou alegremente, criando o cartum mais vívido na cultura pop da riqueza fora de uma caixa de Banco Imobiliário.
De seu auge “A Arte da Negociação” da era dos tabloides até hoje, Trump é um sujeito rico que vive como um ganhador da loteria. Seus negócios envolvem cassinos, hotéis, campos de golfe, coisas concretas que você pode ver e entender, diferente das abstrações frias de “private equity” de Mitt Romney. A modéstia dos moletons do Vale do Silício não serve para Trump: ele veste ternos, se casa com modelos e construiu uma torre de 64 andares em Las Vegas, com pintura externa em ouro 24 quilates.
Ele apresentou uma ideia de riqueza que é descarada e grosseira, e portanto, para seus admiradores, escancarada e honesta, independente do ilusionismo envolvido nos negócios de fato. Isso tornou Trump ideal para um “reality show”, que trata a moeda da fama da mesma forma que trata a moeda da, bem, moeda. Isto é, você a aumenta a ostentando. (A estética dourada de suas propriedades é mais ou menos a da típica mansão dos programas de namoro.)
Igualmente na campanha, ele nunca se queixa de falta de dinheiro ou alega ser como você: ele foi de helicóptero até a Feira Estadual de Iowa, como o fictício presidente Charles Lindbergh voando em seu jato sobre o Potomac no livro “Complô Contra a América”, de Philip Roth.
Os ataques de Trump podem ser mesquinhos e indiscriminados. Ele iniciou o segundo debate republicano dizendo de improviso que Rand Paul, que mal chega a ser uma ameaça a ele, “nem mesmo deveria estar neste palco”. Mas isso é combate de “reality show”: você luta para provar que é lutador. Trump sabe que é melhor ser o instigador do que instigado: ele se permite determinar o ritmo, mudar o assunto, entrar na cabeça das pessoas, estabelecer a narrativa.
Ele vive e faz campanha segundo o credo dos “reality shows”: não existe algo como má atenção; pedidos de desculpa são uma fraqueza; reclamar é para odiosos e perdedores. E “vencendo” (o gerúndio favorito de Trump, como o de Charlie Sheen) justifica-se por si só. Como os vencedores em “No Limite” que acabam sendo elogiados por chegar à vitória apunhalando os outros pelas costas –eles estão apenas disputando um jogo!– Trump até agora aponta seus números nas pesquisas como justificativa para suas táticas.
É claro, se os números começarem a cair dramaticamente, a mesma dinâmica poderia alimentar um loop de feedback negativo, uma narrativa que justifica sua queda, o que chamam no ramo de “reality TV” de “vinheta de perdedor”.
Mas se você assistir “O Aprendiz” à procura de sinais do futuro do complexo celebridade-político, vale a pena notar que o programa permanece no ar. Ele já dura 14 temporadas, tendo passado ao formato de audiência modesta “Aprendiz Celebridades”. E apesar da “NBC” ter afastado Trump após suas controvérsias de campanha, o programa voltará no ano que vem com outro astro do entretenimento que virou político (e voltou ao entretenimento), Arnold Schwarzenegger.
O astro pode vir e partir. Mas o programa continua.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.