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Intoxicações mortais na Polônia ilustram problema global das drogas sintéticas

Reprodução/DPA/Coolidge Youth Coalition
Imagem: Reprodução/DPA/Coolidge Youth Coalition

Joanna Berendt

Sosnowiec (Polônia)

19/10/2015 06h00

Quatro paramédicos lutam com um adolescente, tentando prendê-lo a uma cama de hospital. Ele está contraído, rígido e suado, com os punhos cerrados e olhos arregalados e vermelhos. “Me soltem!”, ele grita.

A cena dramática, parte de um anúncio de utilidade pública do governo polonês, retrata de forma precisa episódios que aconteceram nos hospitais na região sul da Silésia centenas de vezes neste verão, disse o médico Tomasz Klopotowski, chefe do Centro Regional de intoxicação aguda em Sosnowiec – exceto por um detalhe importante.

"Os pacientes não gritam pedindo para soltá-los, mas gritam os piores palavrões que se possa imaginar”, disse Klopotowski. "Alguns conseguiram destruir as faixas de contenção. Foi um pesadelo.”

Quase 1.000 pessoas sofreram intoxicação aqui em julho e agosto – e pelo menos duas morreram – pelas chamadas “designer drugs”, drogas sintéticas inventadas por químicos para imitar os efeitos psicoativos da maconha, cocaína, LSD e outras substâncias ilícitas.

Estas novas drogas começaram a se espalhar pelos mercados globais por volta de 2008, a princípio de forma legal e sem controle. A Polônia se viu na linha da frente da luta contra a epidemia mundial, que agora afeta pelo menos 70 países, depois de ter imposto uma proibição à venda de novas substâncias psicoativas em 2010.

Mas o surto mais recente de intoxicações voltou a atenção do país para os compostos sintéticos e minou a confiança das autoridades de que o problema havia sido abordado de forma adequada.

Reguladores de quase todos os países europeus – destacando-se o Reino Unido, Irlanda e Espanha –, bem como da Austrália, Japão e Estados Unidos, também estão se debatendo com o problema. A maconha sintética, também conhecida como spice ou K2, causou surtos de intoxicação recentemente em Nova York, Texas e Nova Orleans.

Os primeiros casos de intoxicação em Silésia aconteceram na segunda semana de julho. Mais de 200 pessoas, a maioria delas adolescentes apresentando efeitos colaterais como comportamento psicótico e força anormal, foram hospitalizadas. Muitas tinham usado um canabinoide sintético que em alguns casos se mostrou centenas de vezes mais potente do que a maconha.

Marian Zembala, ministro da Saúde da Polônia, disse que os envenenamentos de Silésia foram uma consequência inadvertida da alteração da lei de drogas do país, que entrou em vigor em 1º de julho e acrescentou 114 drogas à lista de substâncias proibidas.

Como resultado, os traficantes de drogas começaram a distribuir grandes quantidades de novas substâncias ilegais a preços abaixo do mercado e a lançar novos produtos químicos que não estavam na lista proibida. "Nós imaginamos isso, mas a proporção nos chocou”, disse Zembala.

Uma análise recente da Rede Europeia de Emergências Relacionadas às Drogas revelou que 9% de todas as emergências ligadas às drogas em dez países europeus em 2014 envolveram novas substâncias psicoativas, um número que as autoridades acreditam terá um aumento acentuado em 2015.

Desde 2008, o número de canabinoides, catinonas ("sais de banho") e opioides sintéticos relatados pelo Escritório das ONU para Drogas e Crime aumentou mais de oito vezes, para 541, ultrapassando em muito as 244 drogas tradicionais controladas por convenções mundiais.

No mundo cada vez mais sem fronteiras do comércio online, e como resultado do progresso científico, as drogas sintéticas estão ganhando terreno rapidamente no mercado ilícito de drogas, diz o médico Li Guohua, diretor fundador do Centro para Epidemiologia e Prevenção na Universidade de Columbia.

"Se não fizermos nada, em cinco anos mais ou menos elas vão superar as drogas à base de plantas e drogas tradicionais", disse Li.

A Polônia foi um dos primeiros países da Europa a começar a abordar o problema de forma sistemática. Em 2010, após um surto bem menor de intoxicações, o governo polonês proibiu todas as novas substâncias psicoativas da noite para o dia e fechou cerca de 1.400 revendedores.

Isso fez com que os fabricantes locais passassem a se esconder por cerca de dois anos. Mas as drogas começaram a aparecer no mercado novamente em 2013, e se tornaram mais populares.

Em 2010, houve pouco mais de 500 casos de intoxicação relacionados a drogas sintéticas. Esse número duplicou em 2013; e nos primeiros oito meses deste ano houve mais de 5.350 intoxicações. Pelo menos 20 pessoas morreram.

Mariusz Wisniewski, professor e assistente social de Rybnik, uma cidade mineradora onde as drogas sintéticas são populares, disse que no ano passado foi ao enterro de oito alunos que morreram por intoxicação ou, ele acredita, foram levados ao suicídio pelas drogas.

"Os adolescentes costumavam fumar maconha ou tomar anfetaminas antes de perceber que podiam se estragar com algo mais barato e mais acessível", disse Wisniewski.

As drogas sintéticas normalmente são mais viciantes e causam mais transtornos psiquiátricos do que as drogas tradicionais, mais até que a heroína, dizem os especialistas.

"Esse negócio mexe com a cabeça", disse Sylwia Wielgus, 26, que costumava fumar canabinoides sintéticos extremamente potentes. "Eu queria esquecer um monte de coisa, como as brigas com meus pais, as fugas de casa.”

Mas anos de abuso de drogas sintéticas a deixaram com danos cerebrais. "Eu não consigo me lembrar de nada dos 9 aos 12 anos”, disse ela. “Essas drogas roubaram metade da minha vida.”

A Polônia acrescentou novos químicos à lista de substâncias proibidas, um a um. Mas tudo o que os fabricantes de drogas sintéticas precisam fazer para evitar a regulamentação é mudar a estrutura molecular da droga ilegal existente para criar um que não seja proibida. Essa busca de novos químicos leva à criação de alguns que são prejudiciais – como aparentemente aconteceu em Silésia.

Uma vez que se sabe pouco sobre os efeitos das novas drogas, elas podem ser mais perigosas do que as substâncias ilegais tradicionais, cujos níveis de dosagem são bem conhecidos.

"Os efeitos de usar heroína foram analisados e descritos por várias ciências", disse Michal Kidawa, analista do Departamento Nacional de Prevenção às Drogas da Polônia. "As pessoas sabem como usá-la para obter um efeito desejado. Usar as drogas sintéticas é como brincar de roleta russa.”