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Nos EUA, estudante transgênero é proibida de usar vestiário sem restrições

Mitch Smith e Monica Davey

Em Chicago (EUA)

04/11/2015 06h00

As autoridades federais de educação dos EUA, adotando sua posição mais firme até o momento a respeito de uma questão cada vez mais contenciosa, declaram nesta semana que um distrito escolar de Illinois violou as leis antidiscriminação quando não permitiu que uma estudante transgênero, que se identifica como menina e participa de uma equipe esportiva feminina, se trocasse e tomasse banho no vestiário feminino sem restrições.

As autoridades de educação disseram que a decisão foi a primeira do tipo a respeito dos direitos de alunos transgênero, que estão despontando como o novo campo de batalha cultural nas escolas públicas por todo o país. Em casos anteriores, as autoridades federais puderam chegar a acordos dando acesso aos alunos transgênero em situações semelhantes. Mas neste caso, o distrito escolar em Palatine, Illinois, ainda não tinha chegado a um acordo, levando o governo federal a ameaçar sanções. O distrito, a noroeste de Chicago, indicou sua disposição de lutar na Justiça em defesa de sua posição.

O Departamento de Educação deu 30 dias às autoridades do distrito escolar 211 para chegarem a uma solução ou enfrentar sanções, que poderiam incluir procedimentos administrativos ou uma ação por parte do Departamento de Justiça. O distrito poderia perder parte ou todos seus fundos.

Em uma carta enviada na segunda-feira, o Escritório de Direitos Civis do Departamento de Educação disse ao distrito de Palatine que exigir que uma aluna transgênero use instalações privadas para se trocar e tomar banho era uma violação dos direitos da estudante segundo a lei federal que proíbe discriminação sexual. A estudante, que nasceu do sexo masculino, mas se identifica como menina, deve ter acesso irrestrito às instalações femininas, disse a carta.

“Todos os alunos merecem a oportunidade de participar igualmente dos programas e atividades escolares –isso é um direito civil básico”, disse Catherine Lhamon, a secretária-assistente para direitos civis do Departamento de Educação, em uma declaração. “Infelizmente, o distrito escolar 211 não está cumprindo a lei, porque o distrito continua negando a uma estudante o direito de usar o vestiário feminino.”

Daniel Cates, o superintendente do distrito, disse em uma declaração na segunda-feira que discorda da decisão, que ele descreveu como um “equívoco sério, com implicações que podem estabelecer precedentes”. Em uma entrevista, Cates disse que as autoridades distritais “se esforçaram arduamente” para desenvolver um plano que o distrito acredita equilibrar os direitos de todos os envolvidos. Esse plano envolvia que a aluna se trocasse atrás de cortinas privadas no vestiário feminino.

Os direitos dos estudantes transgênero se tornaram foco de disputas nos distritos escolares em muitos Estados, levando a abordagens divergentes em relação às equipes esportivas nas quais podem jogar, os banheiros que podem usar e os pronomes pelos quais serão tratados. Em casos separados, dois distritos escolares na Califórnia concordaram em suspender as restrições ao vestiário e banheiro transgênero depois que autoridades federais intervieram. Os alunos de um colégio no Missouri protestaram contra a decisão do distrito de permitir que uma garota transgênero usasse o vestiário e banheiro femininos.

As autoridades no distrito de Palatine, que atende a mais de 12 mil alunos, consideram sua posição como de meio-termo. A aluna transgênero em questão joga em uma equipe esportiva feminina, é tratado como “ela” pelos funcionários e chamada por seu nome feminino. Mas o distrito, citando preocupações de privacidade, exigiu que a aluna se trocasse e tomasse banho separadamente.

O distrito disse que ela foi autorizada a se trocar dentro do vestiário feminino, mas apenas atrás de uma cortina para proporcionar privacidade. A aluna, cujo nome não foi divulgado, disse que provavelmente usaria a cortina para se trocar. Mas ela e o governo federal insistem que deveria ter sido autorizada a tomar essa decisão voluntariamente, não por exigência do distrito.

“O que nossa cliente deseja não é difícil de entender. Ela deseja ser aceita pelo que é e ser tratada com dignidade e respeito –como qualquer outro aluno”, disse John Knight, diretor do Projeto LGBT e HIV da União Americana pelas Liberdades Civis de Illinois, que está representando a estudante. “A insistência do distrito em separar minha cliente das demais estudantes é uma discriminação flagrante. Em vez de tratar dessa questão com sensibilidade e dignidade, o distrito tentou justificar sua conduta contestando a identidade de minha cliente como menina.”

Em uma carta de 14 páginas expondo suas conclusões, as autoridades de educação disseram que permanecem abertas a negociar um acordo com o distrito escolar, mas podem agir se um acordo não se materializar.

Cates, o superintendente, disse que os pais deixaram bem claro que defendem a “manutenção de algum grau de privacidade” nos vestiários. Ele disse que o distrito prosseguirá nas negociações de acordo com as autoridades do Departamento de Educação, mas acrescentou: “Nós mantemos a posição de que não violamos qualquer lei”.

A estudante, que se identifica como menina desde pequena, mudou seu nome, recebeu um passaporte como sendo do sexo feminino e está passando por terapia hormonal, disse o Departamento de Educação.

Apesar de jogar em uma equipe feminina, ela troca de roupa em um banheiro separado do de suas companheiras de equipe, disse a carta do departamento. Quando ela entrou no vestiário feminino em algumas poucas ocasiões, apontou a carta, algumas poucas alunas e uma mãe se queixaram de sua presença.

Os advogados da Sociedade Thomas More, uma organização sem fins lucrativos em prol da liberdade religiosa, elogiaram o distrito por sua posição e descreveram um vestiário como sendo significativamente diferente, por exemplo, de um banheiro com cabines. O Departamento de Educação, eles disseram, aparentemente adotou uma linha dura.

“Você tem um maior grau de privacidade visual quando fala sobre cabines”, disse Jocelyn Floyd, uma advogada da Sociedade Thomas More. “Neste caso, a escola demonstrou ser sensível às necessidades da estudante transgênero, mas também às necessidades de todos os demais alunos. Quando você pensa a respeito, há muitos alunos no colégio que ficam desconfortáveis em se despir diante das pessoas.”

Demoya Gordon, uma advogada da Lambda Legal, que defende direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgênero, disse que o caso de Palatine é incomum pela posição firme do distrito escolar.

A posição do Departamento de Educação, diferente dos acordos que obteve em circunstâncias anteriores, envia uma mensagem a outros distritos que lidam com questões semelhantes, ela disse. “Isso lhes diz que precisam respeitar as identidades de gênero de todos os alunos”, disse Gordon.

Nos últimos anos, o governo Obama tem buscado expandir os direitos dos transgênero em presídios e locais de trabalho, buscando assegurar o acesso dos presos transgênero a atendimento médico, inclusive terapia hormonal, e fornecer recurso legal para pessoas alegando discriminação pelos empregadores devido à sua identidade de gênero.