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Estressada, cansada, apressada: um retrato da família moderna

Jakub Zielkiewicz (à dir.) e Aimee Barnes com o filho Roman, de 15 meses, na Califórnia - Jim Wilson/The New York Times
Jakub Zielkiewicz (à dir.) e Aimee Barnes com o filho Roman, de 15 meses, na Califórnia Imagem: Jim Wilson/The New York Times

Claire Cain Miller

05/11/2015 06h00

As crianças apresentam hoje uma probabilidade muito maior de crescer em um lar no qual ambos os pais trabalham, e em quase metade de todas as famílias atuais que contam com os dois pais, ambos trabalham em tempo integral, um aumento acentuado em comparação a décadas anteriores.

O que não mudou: a dificuldade em equilibrar tudo. Os pais que trabalham dizem que se sentem estressados, cansados, apressados e sem tempo para dedicar aos filhos, amigos, parceiros ou hobbies, segundo uma nova pesquisa do Centro Pew.

A pesquisa encontrou algo como uma desigualdade de estresse com base em raça e educação. Os pais com formação superior e brancos apresentam uma probabilidade significativamente maior do que outros pais em dizer que equilibrar família e trabalho é difícil.

Os dados são os mais recentes a mostrar que a estrutura da família branca parece ter mudado permanentemente, com as políticas públicas, estrutura do local de trabalho e os costumes aparentemente não se ajustando a uma norma na qual ambos os pais trabalham.

“Não se trata de um problema individual, mas sim de um problema social”, disse Mary Blair-Loy, uma socióloga e diretora fundadora do Centro para Pesquisa de Gênero nas Profissões da Universidade da Califórnia, em San Diego. “Isso provoca estresse para os pais que trabalham e afeta a vida em casa e para os filhos, e precisamos de uma resposta que abranja toda a sociedade.”

Ela disse que políticas como licença familiar remunerada e creches após o horário escolar aliviariam significativamente o estresse dos pais. Mas hoje, a maioria das famílias busca por conta própria encontrar um modo de equilibrar as coisas.

Na maioria dos casos, isso significa que as mulheres ainda são responsáveis por grande parte dos cuidados com as crianças e do trabalho doméstico –particularmente administrando as listas mentais de horários e necessidades dos filhos– mesmo quando ambos os pais trabalham em tempo integral, segundo a pesquisa Pew e outras. Mas não diga isso aos pais. Eles apresentam probabilidade muito maior do que as mães de dizerem que dividem as responsabilidades igualmente.

Aimee Barnes, 33, e Jakub Zielkiewicz, 31, trabalham ambos em horário integral na Agência de Proteção Ambiental da Califórnia e são pais de Roman, 15 meses. Eles disseram que sabem que têm sorte por contarem com ajuda, como horários flexíveis e família estendida próxima. Mesmo assim, descobrir como administrar o trabalho e a criação do filho tem sido difícil.

“Você basicamente sempre sente que está realizando um trabalho horrível em tudo”, disse Barnes. “Você não passa tanto tempo com seu bebê quanto acha que deveria, não faz seu trabalho como acha que deveria no emprego e quase não vê mais seus amigos.”

Essa tensão está afetando a vida familiar americana, apontou a pesquisa Pew. O ato de equilibrismo é difícil segundo 56% de todos os pais que trabalham, e aqueles que o fazem provavelmente dirão que criar os filhos é cansativo e estressante, com uma probabilidade menor de considerarem prazeroso e recompensador. Por exemplo, metade dos que disseram que o equilíbrio entre trabalho e família não foi difícil disse que criar os filhos é prazeroso o tempo todo, em comparação a 36% entre aqueles que disseram que o equilíbrio é difícil.

Em um livro de 1989 chamado “The Second Shift” (“A jornada dupla”, em tradução livre, não lançado no Brasil), a socióloga Arlie Russell Hochschild descreveu a dupla carga horária enfrentada pelas mães que trabalham fora, por também serem responsáveis pelo trabalho doméstico e pelos cuidados com os filhos. No ano passado, ela disse que apesar de algumas mudanças na sociedade, o local de trabalho não mudou o suficiente para aliviar os problemas. Em um livro do ano passado, “Muita Alegria, Pouca Diversão”, a jornalista Jennifer Senior descreveu quão pouco melhorou: os pais que trabalham enfrentam estresses semelhantes, mas agora eles são exacerbados pelas expectativas da criação moderna e também compartilhados pelos maridos.

Dentre os pais que trabalham em tempo integral, 39% das mães e 50% dos pais dizem que sentem que passam tempo insuficiente com seus filhos; 59% das mães que trabalham em tempo integral dizem que não possuem tempo suficiente de lazer e mais da metade dos pais que trabalham dizem o mesmo.

Dentre os pais com diploma universitário, 65% disseram considerar difícil equilibrar emprego e família, enquanto 49% dos que não possuem ensino superior disseram o mesmo. A pesquisa Pew não investigou o motivo, mas pode ser que os profissionais mais qualificados apresentem maior probabilidade do que aqueles que ganham por hora de continuarem trabalhando mesmo após o término do expediente. Entretanto, eles também tendem a ter mais flexibilidade durante o dia.

A pesquisa também apontou que os pais brancos apresentam uma probabilidade 10 pontos percentuais superior de expressar estresse do que os pais não brancos.

Historicamente, mães brancas e negras apresentam maior probabilidade de trabalharem fora do que as mães asiáticas e latinas, e mães nascidas no exterior em particular costumam permanecer em casa, apontou a pesquisa Pew.

Em 46% de todos os lares com dois pais, ambos trabalham em tempo integral, segundo a pesquisa Pew, um aumento em comparação a 31% em 1970. O percentual de lares em que a mãe permanece em casa caiu de 46% para 26%. O Centro Pew entrevistou uma amostra nacionalmente representativa de 1.807 pais em cada Estado tanto por telefones fixos quanto celulares.

Outros dados também mostram que pais que trabalham são a nova norma, com 60% das crianças agora vivendo em lares onde ambos os pais em casa trabalham no mínimo meio expediente, em comparação a 40% em 1965, segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho e o Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca.

A mudança tem implicações econômicas. A renda média dos lares nos quais ambos os pais trabalham é de US$ 102.400 (cerca de R$ 388.780), segundo a pesquisa Pew, em comparação a US$ 84 mil (cerca de R$ 318.900) quando as mães trabalham meio período e US$ 55 mil (R$ 208.800) quando permanecem em casa.

Há uma divisão de gênero nas percepções dos pais sobre quanta responsabilidade assumem, apontou a pesquisa Pew, com 56% dos pais dizendo que a dividem igualmente, enquanto apenas 46% das mães concordam.

“À medida que são mais pressionados no trabalho, as pressões da divisão igualitária de criação dos filhos aumenta em casa”, disse Blair-Loy, “Eles estão fazendo mais do que seus pais jamais fizeram e acreditam no igualitarismo, logo, é claro, eles querem interpretar como igual.”

Ao ser perguntado sobre a divisão das tarefas domésticas, Sean O’Malley, 37, um consultor de biotecnologia e pai de Fiona, 11 meses, disse: “Eu acho que dividimos igualmente. E se não for igual, então certamente queremos que seja.”

“Eu diria que faço mais”, disse sua mulher, Anne Mercogliano, 33, uma executiva de marketing do Twitter.

Eles tentam dividir igualmente os cuidados com a criança. Ele acorda com Fiona e realiza a rotina matinal, e assume quando sua mulher enfrenta uma crise no trabalho. Mercogliano é o que ela chama de “equipe preparatória” –encomendando os produtos para o bebê, preparando aos domingos as refeições para a semana e marcando as consultas com a pediatra e as aulas de natação.

“A conta Amazon Prime é minha”, ela disse. “Ele diz, tipo, ‘Quando vão terminar estas fraldas noturnas?’ e eu respondo, tipo, ‘Nós já fizemos outros seis pedidos delas’.”

Para os pais de Roman, não está claro que a abordagem atual deles é sustentável. “Especialmente agora que ele ainda está abaixo da idade escolar, eu me sinto mal por ter um emprego em tempo integral e basicamente estar ausente todo esse tempo”, disse Barnes. “Ou será como me sentirei todo dia pelos próximos anos ou preciso encontrar uma forma de trabalhar um pouco menos.”

Ambas as famílias disseram que uma política que seria de grande ajuda a famílias como as suas seria uma licença família remunerada –particularmente uma licença paternidade.

O’Malley conseguiu tirar um mês de folga e Mercogliano disse: “Eu honestamente acho que foi o melhor presente que recebi, apenas tê-lo em casa. É ótimo que as pessoas estejam focadas em maior licença família, mas com certeza acredito que deveria ser neutra em relação a gênero”.