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Austrália coloca cães pastores para proteger pinguins dos ataques de raposas

David Maurice Smith/The New York Times
Imagem: David Maurice Smith/The New York Times

Austin Ramzy

06/11/2015 06h00

"Massacrados". Esta era a manchete de um jornal local –apenas uma única palavra, como se descrevesse um ato de guerra. Abaixo estava uma foto de pinguins e outras aves mortas, as mais recentes vítimas da longa história da Austrália de espécies importadas dizimando sua vida selvagem nativa.

Raposas mataram 180 pinguins nesse episódio em particular, em outubro de 2004. Mas o número de animais mortos em Middle Island, além da costa do Estado de Victoria, no sul da Austrália, continuou aumentando. Em 2005, a população de pinguins da pequena ilha, que antes chegava a 800, estava abaixo de 10.

Hoje, o número deles votou a três dígitos e grande parte do crédito é de um criador de frangos local, conhecido como Swampy (“Pantanoso”) Marsh, e seus obstinados cães pastores.

“As autoridades não me ouviram até restarem apenas seis pinguins”, disse Marsh, cujo nome verdadeiro há muito não usado é Allan. “Elas estavam desesperadas.”

A solução simples do criador de frangos –usar uma raça particularmente territorial de cães pastores para afugentar as raposas– se transformou em lenda local e, em setembro, tema de um filme australiano, “Oddball”, que romanceia a história e transforma em heroína adorável um dos cães. A estratégia agora está sendo tentada em outras partes em Victoria, na esperança de proteger outras espécies nativas dos predadores não-nativos.

Dezenas de espécies mamíferas australianas foram extintas desde que colonos europeus começaram a chegar no final do século 18, trazendo gatos, raposas e outros novos predadores ao ecossistema. Um plano anunciado recentemente de abate de gatos selvagens, que o governo diz que atacam mais de 100 de suas espécies ameaçadas, atraiu nova atenção ao problema, apesar de enfurecer alguns defensores célebres de direitos dos animais.

O pinguim-azul, a menor espécie de pinguim, antes era comum ao longo da costa sul da Austrália. Mas quando raposas-vermelhas foram importadas para a caça esportiva no século 19, elas encontraram nas aves pequenas que não voam uma presa fácil. (Assim como cães e gatos.) As colônias de pinguins no território continental começaram a desaparecer, o motivo para agora serem encontradas principalmente nas ilhas.

Middle Island, perto da cidade de Warrnambool, em Victoria, era lar de uma população ensurdecedora de aves até o final dos anos 90 e início dos anos 2000, quando os padrões das marés e a crescente sedimentação começaram a tornar a pequena ilha desabitada acessível a partir da costa. As raposas chegaram até lá e as aves ofereceram pouca resistência.

Marsh, que vive em Warrnambool, disse que sabia como reverter a tendência assim que soube do problema. Um criador de frangos caipiras, ele já tinha passado muitas noites com um rifle tentando manter as raposas longe de suas aves. Foi no meio de uma dessas noites que uma solução melhor lhe ocorreu.

“Eram 3 horas da manhã e os vizinhos tinham um maldito cão, que não parava de latir”, ele disse. “Demorou um pouco para cair a ficha. Foi preciso algumas noites para que eu percebesse que ele estava latindo para aquilo em que eu tentava atirar.”

Logo, ele adquiriu seu próprio filhote de pastor-maremano-abruzês. Levando o nome da região noroeste de Roma onde se originou, o pastor-maremano-abruzês foi criado para proteger e viver entre animais de criação. Eles desenvolvem um senso apurado de território e são vigilantes contra intrusos, apesar de amistosos com pessoas e animais familiares.

O primeiro pastor-maremano-abruzês da fazenda, Ben, assumiu rapidamente sua nova função, afugentando um dos invasores para longe da fazenda e para a estrada. “Ela foi atropelada”, disse Marsh. “Virou pizza de raposa.”

Quando o apuro dos pinguins de Middle Island se tornou notícia, Marsh sugeriu que o pastor-maremano-abruzês poderia proteger as aves –que, como ele raciocinou, são simplesmente “frangos de smoking”.

Para uma tarefa de aula, David Williams, um estudante universitário que trabalhou na fazenda de Marsh, redigiu uma proposta para uso do pastor-maremano-abruzês na ilha e posteriormente apresentou uma versão mais formal à agência ambiental do Estado. Mas mesmo enquanto a população de pinguins da ilha continuava diminuindo, o processo de aprovação se arrastava, com o plano sendo analisado por entidades governamentais que se sobrepunham. “Houve conversa demais”, disse Williams.

Finalmente, em 2006, o primeiro pastor-maremano-abruzês foi colocado para trabalhar: Oddball, filha de Ben (e o nome do novo filme). De lá para cá, a população de pinguins de Middle Island se recuperou para 150 e mais nenhum foi perdido para uma raposa, disse Williams, que agora trabalha para a Zoos Victoria, a operadora de três jardins zoológicos no Estado.

O pastor-maremano-abruzês é um animal independente. Eles podem ser deixados para defender um trecho de terra por longos períodos de tempo, com suprimentos de alimento e água que sabem que não devem devorar imediatamente. No verão, quando as raposas representam o maior risco aos pinguins de Middle Island devido aos padrões das marés que formam os bancos de areia, os cães podem permanecer na ilha por vários dias consecutivos, vigiando as aves de uma passarela elevada.

Treiná-los para o trabalho envolve apresentá-los ao odor distinto dos pinguins. “Os pinguins não cheiram particularmente bem”, disse Peter Abbott, gerente de serviços de turismo da Câmara Municipal de Warrnambool. “Eles parecem bonitinhos e fofinhos, mas fedem a peixe morto.” Gradualmente, os cães são ensinados a tratar os pinguins como qualquer outro tipo de animal de criação, a serem defendidos e não feridos.

Apesar de seu declínio na Austrália continental, o pinguim-azul não é considerado ameaçado de extinção. Mas o sucesso do programa em Middle Island é significativo não apenas para sua pequena população de pinguins-azuis, mas também por seu potencial de servir como modelo para espécies em maior risco.

A Zoos Victoria agora está tentando usar o pastor-maremano-abruzês para reintrodução na natureza do bandicoot-listrado-oriental, um pequeno marsupial não visto fora de cativeiro desde 2002. Várias tentativas anteriores fracassaram, mas a Zoos Victoria, que se comprometeu a prevenir a extinção de qualquer vertebrado terrestre em Victoria, espera que os cães façam a diferença.

Uma experiência de cinco anos está em andamento, com Williams treinando dois filhotes em um zoológico de campo aberto em Werribee, um subúrbio de Melbourne. Os filhotes aprenderão a criar laços com as ovelhas, que também estarão presentes em três locais de teste, e com os bandicoots, que são criaturas noturnas tímidas, disse Kimberley Polkinghorne, a gerente de comunicações do jardim zoológico de Werribee.

“Este experimento explora o sucesso do projeto em Middle Island”, disse Polkinghorne. “Nós estamos muito empolgados com seu potencial de não apenas ajudar os bandicoots, mas também outras espécies ameaçadas.”

Em Middle Island, os sucessores de Oddball, Eudy e Tula (seus nomes vêm da palavra Eudyptula, o gênero do pinguim-azul), continuam mantendo as raposas distantes mas, com 8 anos, estão próximos da aposentadoria. Os grupos locais que cuidam do projeto levantaram recentemente mais de US$ 18 mil online para compra e treinamento de dois novos filhotes de pastor-maremano-abruzês. O esforço para arrecadação de fundos recebeu um impulso do filme, um sucesso de bilheteria na Austrália. “Oddball” retrata sua heroína como uma fera levada, que sempre está um passo à frente da carrocinha local antes de encontrar a redenção salvando os pinguins.

A própria Oddball, atualmente com 14 anos, está aposentada e vivendo na casa de Marsh. “Ela sai quando ela quer”, ele disse. “Ela não faz aparições pessoais.”