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Um erro de Günter Schabowski acabou resultando na abertura do muro de Berlim

Bundesarchiv, Bild 183-1989-1104-041 / Link, Hubert / CC-BY-SA 3.0/ Wikicommons
Imagem: Bundesarchiv, Bild 183-1989-1104-041 / Link, Hubert / CC-BY-SA 3.0/ Wikicommons

Michael Meyer*

07/11/2015 06h00

Em 9 de novembro de 1989, Günter Schabowski disse que os alemães-orientais eram livres para partir, imediatamente. E não era bem isso.

Nós frequentemente pensamos na história como sendo de alguma forma inevitável a culminação de grandes forças geotectônicas triturantes. O que pensar então de Günter Schabowski, que morreu nesta semana aos 86 anos. Poucas pessoas marcarão o falecimento deste agente improvável do destino, que fez história na Guerra Fria com um dar de ombros.

Era o anoitecer de 9 de novembro de 1989. Poucas semanas antes, um grupo de reformistas do Partido Comunista derrubou o chefe linha-dura da República Democrática Alemã, como era conhecida a Alemanha Oriental por trás da Cortina de Ferro. Diante dos protestos em massa em Dresden, Leipzig e Berlim, eles buscavam projetar uma nova face de mudança. E naquela noite, Schabowski, um funcionário obscuro, se tornou essa face –e mudou o mundo de uma forma altamente improvável.

A queda dramática do infame Muro de Berlim, símbolo das cinco décadas de Guerra Fria, se desenrolou quase como uma farsa. Ela começou no início de noite em que Schabowski, recém-nomeado como porta-voz do Partido Comunista, cruzou com seu chefe a caminho de sua coletiva de imprensa diária, por si só uma inovação para os comunistas sigilosos e que tudo controlavam.

“Algo para anunciar?” ele perguntou casualmente. O chefe do partido, Egon Krenz, pensou por um instante, depois entregou a Schabowski um memorando de duas páginas. “Pegue isto”, ele disse com um sorriso. “Isto nos fará bem.”

Schabowski checou o documento em sua limusine. Parecia simples: um memorando de legislação que seu chefe forçou um Parlamento relutante a aceitar naquela tarde, que daria aos alemães-orientais o direito de viajar ao Ocidente –e ao fazê-lo, transformar o novo regime em heróis do povo. Na coletiva de imprensa, ele o leu como item quatro ou cinco de uma lista de anúncios diversos. Tinha a ver com passaportes. Agora todo alemão-oriental, pela primeira vez, teria direito a um. Eles poderiam ir para onde quisessem, incluindo o Ocidente.

Para uma população presa há tanto tempo atrás da Cortina de Ferro, foi uma notícia momentosa. Houve um súbito silêncio, então uma onda de murmúrios animados. Schabowski prosseguiu falando monotonamente. Do fundo da sala, enquanto as câmeras transmitiam ao vivo para o país, um repórter gritou a pergunta fatídica. “Quando entrará em vigor?”

Schabowski fez uma pausa, levantou os olhos, repentinamente confuso. “O quê?”

O coro de perguntas recomeçou. Schabowski coçou sua cabeça, cochichou com assessores de ambos os lados, ajeitou os óculos na ponta do nariz, folhou seus papéis e levantou de novo os olhos –e deu de ombros. “Ab sofort”, ou seja, imediatamente. Sem demora.
 

Com isso, a sala (e o mundo) entrou em erupção. Nós agora sabemos que Schabowski em grande não percebeu o terremoto que suas palavras causaram. Na verdade, ele tinha voltado de breves férias naquele dia. Ele não sabia que as novas regras deveriam entrar em vigor no dia seguinte, 10 de novembro –sujeitas a todo tipo de letras miúdas, incluindo a necessidade de obtenção de vistos. Os alemães-orientais também não sabiam. Todos só sabiam o que tinham ouvido no rádio e na TV. Graças a Schabowski, eles acharam que estavam livres para ir. Imediatamente.

Às dezenas de milhares, em uma maré humana não diferente daquela que varre a Europa hoje, as pessoas convergiram ao Checkpoint Charlie e outros pontos de travessia para Berlim Ocidental. Surpresos e sobrecarregados, não tendo recebido instruções e sem saber o que fazer, a polícia de fronteira alemã-oriental agiu por conta própria. Como Schabowski, ela deu de ombros –e abriu os portões para a liberdade. E assim o Muro de Berlim caiu.

O que pensar, então, da ação improvável de Schabowski? Um “erro crasso”, como seu chefe chamou zombeteiramente depois, que em poucos meses derrubaria não apenas a Alemanha Oriental comunista, mas todo o império soviético.

Há lições importantes aqui. Uma é nunca subestimar o poder do acidente. E se Schabowski nunca tivesse se atrapalhado e no dia seguinte seus cidadãos começassem a fazer filas de forma ordenada para visitar o Ocidente? As imagens dramáticas dos berlinenses-orientais triunfantemente sobre o Muro, vitoriosos sobre um regime odiado, não existiriam. Sem elas, a Revolução de Veludo teria ocorrido em Praga uma semana depois? Teriam os romenos se levantado contra o ditador maligno Nicolae Ceausescu?

Outra lição: em meio a um grande levante social, é possível a qualquer momento que os eventos sigam um curso diferente. Por que isto, não aquilo? A resposta parece ser essas inúmeras escolhas individuais em momentos chave –acidentes de trapalhadas humanas, como o de Schabowski, assim como as decisões corajosas ou inspiradas de muitos outros durante os eventos de 1989, dos dissidentes solitários às massas de pessoas comuns que se ergueram e se manifestaram.

O ex-secretário de Estado americano, James A. Baker 3º, sabia disso muito bem, o considerando um antídoto à arrogância nacional. “Pergunte a qualquer americano sobre quem derrubou o Muro de Berlim e nove entre 10 dirão que foi Ronald Reagan”, ele me disse há poucos anos. Mas a verdade, ele disse, é que “tivemos muito pouco a ver com isso”. Os grandes eventos de 1989 foram no final um triunfo das pessoas comuns, individual e coletivamente.

Essa é uma visão da história altamente encorajadora. Ela dá força às pessoas. Ressalta o quanto o indivíduo importa. Ela prova o poder de uma pessoa: Günter Schabowski e seus sete minutos que sacudiram o mundo.

Posteriormente em sua vida, quando estava vivendo em uma pequena cidade na Alemanha unificada, eu falei com Schabowski sobre aquela noite fatídica. Sim, foi um erro, ele reconheceu prontamente. “O que poderia ter feito?” ele perguntou. “Eu não poderia dizer, ‘Ah, não importa’.”

Ele se arrependeu? Nem um pouco. Libertado do poder e do cargo, e após um breve período na prisão, ele podia assumir pontos de vista alegremente francos. Ele e sua laia eram criaturas de um sistema opressivo e corrupto que nunca funcionaria, ele me disse. Eles mereciam o lixo da história. No final, ele ficou feliz por ter visto acontecer. Com seu erro, ele ajudou a dar uma face bastante humana para um dos maiores eventos do século 20.

*Michael Meyer, reitor da escola de doutorado em média e comunicações da Universidade Aga Khan, em Nairóbi, foi chefe da sucursal da revista “Newsweek” para Alemanha e Leste Europeu durante os últimos anos da Guerra Fria. Ele é autor de “1989 –O Ano que Mudou o Mundo”