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Julgamento revela fim do código de silêncio da máfia

US Attorney"s Office - Eastern District of New York via The New York Times
Imagem: US Attorney's Office - Eastern District of New York via The New York Times

Stephanie Clifford

Em Nova York

10/11/2015 06h00

Após ter ajudado a realizar um dos maiores assaltos na história americana –o assalto à Lufthansa em 1978– e escondido milhões de dólares, juntamente com sacos de estopa de correntes de ouro, caixas de relógios, diamantes e esmeraldas, no porão de seu primo, Vincent Asaro pensou primeiro no código: proteger a família.

“Ele diz: ‘Temos que ser bastante cuidadosos agora’”, testemunhou seu primo. “Não gaste nada. Não compre nada chamativo.”

Ele permaneceu calado, mas outra parte de Asaro, um jovem membro da Máfia que buscava subir na hierarquia da família criminosa Bonanno de Nova York, não resistiu. Ele comprou um Lincoln modelo Bill Blass e uma lancha Formula –símbolos de um homem que queria se integrar.

Mas Asaro não percebeu que seu mundo estava desaparecendo.

Nascido em 1935, ele entrou no mesmo negócio de seu pai e seu avô, também membros da Máfia: um homem dedicado à empresa, apesar do negócio desta ser assassinato e extorsão. Ao envelhecer, Asaro continuou morando no mesmo bairro, o Queens, fazendo compras no supermercado Waldbaum’s e mantendo a rotina.

Àquela altura, entretanto, outros grupos do crime organizado estavam tirando a Máfia de Nova York dos negócios por meio de novas atividades sofisticadas. Mais devastador para ele, amigos, superiores e até mesmo um parente de Asaro começaram a informar o governo sobre ele –fornecendo provas materiais que permitiriam aos promotores indiciá-lo após todos esses anos e destruindo o código da Máfia que definiu sua vida.

Único réu

Agora com 80 anos, Asaro passou as últimas três semanas no Tribunal Federal Distrital no Brooklyn, o único réu no que pode ser um dos últimos grandes julgamentos da Máfia, acusado de crimes que incluem um assassinato em 1969, o assalto à Lufthansa no Aeroporto Internacional Kennedy –um elemento da trama do filme “Os Bons Companheiros” de Martin Scorsese– outros assaltos e extorsões. Sua tatuagem no braço é coberta pela manga dos suéteres. Ela diz: “Morte Antes da Desonra”.

Nos argumentos de encerramento, Elizabeth Macedonio, uma advogada de defesa, retratou as testemunhas da Máfia que cooperam como mentirosas e Asaro como alguém que, apesar de anos sob vigilância de agentes federais, nunca foi pego fazendo nada errado.

O caso descreve uma vida na Máfia de uma época em que a organização ainda dominava Nova York, a partir de testemunhos, conversas gravadas, telefonemas grampeados, autos judiciais e registros de vigilância do FBI que remontam há 40 anos. Asaro foi derrubado na velhice pela quebra dos códigos que abraçava. A história dele é a história do desaparecimento da Máfia de Nova York e do desaparecimento de um modo de vida.

Cada uma das cinco famílias de Nova York tinha um chefão, um subchefe e um “consiglieri” (conselheiro) que as comandava. Em seguida vinham os capitães, depois os soldados. Sob eles estão os associados, que não considerados membros.

Salvatore Vitale, um ex-subchefe da família Bonanno, explicou as regras: você não coopera com as autoridades. Você não dorme com a esposa ou filha de outro membro. Você só pode vender maconha, não outras drogas.

“As regras são quebradas?” lhe perguntou a promotora assistente federal Nicole M. Argentieri.

“O tempo todo”, respondeu Vitale.

Esse era o negócio de família ao qual Asaro parecia destinado. Anthony Ruggiano Jr., cujo pai, conhecido como Andy Gordo, foi um soldado da família Gambino, começou a notar Asaro quando o viu no hipódromo Aqueduct e pelo bairro. Andy Gordo disse que Asaro seria um mafioso de terceira geração e “achou aquilo ótimo”, testemunhou Ruggiano.

Nos anos 60, Asaro era conhecido como um “assalariado” na Bonanno, disse uma promotora, Lindsay Gerdes. Seu primo, Gaspare Valenti, um associado da Bonanno antes de começar a cooperar com o governo, testemunhou sobre os primeiros crimes que cometeram juntos, como o roubo de cargas de camisas Oleg Cassini. Os “acertos de contas” com frequência eram ordenados por James Burke, um poderoso associado da Máfia que era irlandês. (Em “Os Bons Companheiros”, Robert De Niro interpreta um personagem baseado em Burke.)

Em 1969, disseram os promotores, Asaro foi promovido a matador.

Em um domingo de 1969, Asaro e Burke se encontraram com Valenti na casa que o pai deste estava construindo no Queens, trazendo uma marreta e uma pá. “Vinny subiu os degraus e disse”, segundo testemunhou Valenti, “‘Temos que enterrar uma pessoa’”. Valenti achou que ele estava brincando; ele não estava. O corpo era de Paul Katz, um homem que Asaro suspeitava ser um informante do governo. Asaro e Burke estrangularam o homem com uma corrente de cachorro, segundo Valenti. Este disse que os ajudou a enterrar o corpo sob o concreto do porão.

No final dos anos 70, Asaro ingressou formalmente na família Bonanno: Vinny Asaro estava feito na vida. Peter Zuccaro, um associado da Máfia que testemunhou no julgamento de Asaro, lembrou de estar em um clube chamado Little Cricket naquela noite. Quando Asaro entrou, alguém tocou uma canção chamada “Wise Guy” (mafioso) e então “todo o bairro ficou sabendo”, disse Zuccaro. Logo, Asaro demonstraria que era merecedor da honra.

Lufthansa

Rolf Rebmann estava trabalhando em seu turno habitual da meia-noite às 7h da manhã no terminal 26 do Aeroporto Kennedy, em 11 de dezembro de 1978, quando ouviu um grito do lado de fora do terminal. Seus colegas estavam no refeitório no andar de cima para o intervalo das 3h da manhã, de modo que Rebmann, um segurança da Lufthansa, saiu e encontrou um homem próximo de uma van Ford preta.


“Eu perguntei se precisava de ajuda e ele disse, ‘Não’, e apontou uma arma para o meu rosto e me disse para entrar na van, deitado de bruços”, testemunhou Rebmann.

Os assaltantes queriam as chaves de Rebmann para abrir a porta basculante e então o conduziram ao refeitório. “Alguém ficava repetindo: ‘Apenas faça como for ordenado, faça como for ordenado. Não queremos ferir ninguém’.”

Liderados por Burke, eles foram informados sobre cargas valiosas por um funcionário do aeroporto.

Eles realizaram aquele que na época foi considerado como o maior roubo de dinheiro na história americana, levando US$ 5 milhões em espécie e US$ 1 milhão em joias.

Nos anos 80, a Máfia, após anos de prosperidade e influência, começou a sofrer um declínio acentuado. Agentes do FBI e policiais se infiltraram na organização. Promotores federais conseguiram indiciar os chefões das cinco famílias por meio de uma poderosa lei antiextorsão, e quatro dos cinco foram para a prisão (o quinto foi morto antes do julgamento).

A enferma Máfia de Nova York adentrou o novo milênio cambaleando. Em 2003, Vitale começou a cooperar com o governo e ajudou a condenar mais de 50 mafiosos. Isso foi seguido por uma traição antes impensável. Em 2005, um líder mafioso mudou de lado pela primeira vez. Era Joe Massino, um ex-chefe de Asaro.

Asaro não pareceu questionar quando Valenti, que estava em Las Vegas e não falava com Asaro, voltou a Nova York e fez amizade com ele em 2010. Valenti estava trabalhando secretamente com o FBI.

Em 2014, o FBI finalmente fechou o certo, prendendo Asaro. Os promotores o acusaram de conspiração para extorsão, incluindo o assalto à Lufthansa e o assassinato de Katz. Quatro outros mafiosos, incluindo seu filho, foram presos no mesmo dia. Todos eles fizeram acordos de delação premiada. Asaro não.

Durante o julgamento, que teve início em outubro, foram vistos traços da energia da Asaro. Ele insistiu em ter uma visão clara dos traidores, proferindo obscenidades enquanto testemunhavam. Algumas coisas o faziam parecer engraçado –quando ele ouviu uma gravação dele dizendo a Valenti que ele tinha um “rosto feito de (palavrão) de plutônio”, ele colocou a cabeça entre as mãos e riu.

Pessoas acima dela violaram o código, pessoas abaixo dele violaram o código, e o último que restou foi Asaro, mantendo-se fiel ao seu credo. Ele parecia furioso e traído.

Durante o julgamento, irritado por seus advogados não estarem interrogando as testemunhas mais agressivamente, ele pediu para falar com a juíza Allyne R. Ross, do Tribunal Federal Distrital. “Eu quero apenas poder falar mais no caso, meritíssima”, ele disse. “Trata-se da minha vida. Trata-se da minha vida. Eu tenho 80 anos.”