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Com mira nas Olimpíadas, mercado imobiliário do Rio já aparenta ressaca

Torres da Aldeia Olímpica, que será convertida em apartamentos de luxo após as Olimpíadas, no Rio de Janeiro - Lalo de Almeida/The New York Times
Torres da Aldeia Olímpica, que será convertida em apartamentos de luxo após as Olimpíadas, no Rio de Janeiro Imagem: Lalo de Almeida/The New York Times

Simon Romero

No Rio de Janeiro

14/11/2015 06h01

Os compradores de imóveis no Rio de Janeiro costumavam travar intensas guerras de apostas quando tentavam conseguir um apartamento, mesmo modesto, em um dos exclusivos bairros litorâneos da cidade. Não mais.

As construtoras na segunda cidade do Brasil estão lutando para encontrar meios de desovar apartamentos, oferecendo vantagens como pagar as taxas de condomínio durante anos, cortar as prestações em 50% e dar viagens para Nova York. Outras oferecem carros compactos e eletrodomésticos aos potenciais compradores.

Despencando de sua posição como um dos mercados imobiliários mais caros do mundo, o Rio hoje luta com seu maior excedente em décadas, levantando temores de uma quebra, enquanto dezenas de novos edifícios elegantes construídos para os Jogos Olímpicos de 2016 não atraem compradores. Para realçar o triste clima da economia local, os esqueletos de projetos de hotéis abandonados enfeiam a silhueta urbana.

Não deveria ser assim. As autoridades anunciaram a realização das Olimpíadas no Rio como uma maneira de levantar os ânimos e as fortunas da cidade.

"Este deveria ser o momento de esplendor do Rio no cenário global", disse Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, uma das maiores agências imobiliárias da cidade. "Em vez disso, as propriedades estão saindo a preço de banana."

Estudiosos da história dos esportes muitas vezes esperam que essas crises econômicas se materializem depois de Olimpíadas, quando os gastos em construção secam e a enxurrada de turistas diminui. As ruínas dos locais construídos para os Jogos de Atenas em 2004 são um testamento das ressacas produzidas pelo excesso de gastos em estruturas com poucos usos práticos.

Mas o Rio está acrescentando uma nova vertente a esse modelo, pois a economia aqui se deteriora acentuadamente nos meses que antecedem a Olimpíada, com a oferta excessiva de propriedades construídas para o evento exacerbando os choques da recessão nacional e os baixos preços do petróleo.

Além disso, ativistas alegam que a ênfase em edifícios de alta gama para os jogos agrava a crise habitacional, ao encher o mercado de apartamentos caros enquanto persiste a escassez de habitação acessível nas áreas pobres. 

Alguns dos empreendimentos mais reluzentes se classificam entre os mais decepcionantes --incluindo a Aldeia Olímpica, concebida para alojar 18 mil atletas, que será transformada em apartamentos de luxo depois dos jogos. Os desenvolvedores do projeto, que inclui 31 torres, jardins tropicais e piscinas, começaram a vender unidades depois que o Rio abrigou a final da Copa do Mundo de futebol no ano passado.

Batizando seu empreendimento de Ilha Pura, eles contrataram Fernanda Montenegro, uma das mais conhecidas atrizes brasileiras, como principal vendedora. Mas, um ano depois, somente 230 dos 3.604 apartamentos do complexo foram vendidos, segundo os empreendedores, a empresa imobiliária Carvalho Hosken e a Odebrecht, uma construtora atingida por escândalos.

"É quase nada, nem 10% do que temos", disse à revista "Veja" Carlos Fernando de Carvalho, 91, o magnata que lidera o empreendimento. "Estávamos prontos para lançar o projeto inteiro, mas não temos como fazer isso. Há pouca oferta de compradores."

Além do fiasco de vendas da Aldeia Olímpica, os preços dos imóveis residenciais no Rio caíram até 12% no último ano. Com a inflação anual chegando a quase 10%, isso significa que os preços das propriedades em algumas áreas aqui diminuíram mais de 20% em termos reais no último ano. E depois de computada a queda da moeda brasileira em 2015, muitos apartamentos custam cerca da metade do preço do ano passado em dólares.

O Rio lidera o declínio entre todas as cidades brasileiras em preços de imóveis residenciais em outubro, com os preços médios caindo 0,44% em relação ao mês anterior, segundo o índice imobiliário FipeZap.

Os aluguéis de escritórios na cidade também estão em queda. Enquanto o Rio já havia superado Nova York como mercado imobiliário mais caro das Américas, os aluguéis mensais de escritórios hoje saem por cerca de R$ 140 o metro quadrado, contra R$ 297 em 2013, segundo a consultoria global CBRE.

Depois, há a dura imagem do emprego: o Ministério do Trabalho estima que o Rio perdeu 48.500 empregos até agora este ano, o segundo maior número de todas as cidades brasileiras, enquanto escândalos de corrupção abalam gigantes da construção e a Petrobras, a companhia nacional de petróleo.

Para piorar as coisas, economistas dizem que a queda dos preços dos imóveis no Rio pode ser o anúncio de uma crise econômica muito mais severa na cidade, com o desemprego prestes a subir ainda mais quando a construção de locais olímpicos, hotéis e estradas começar a diminuir nos próximos meses.

O clima sombrio no setor imobiliário contrasta com a exuberância que marcou empreendimentos anteriores em torno de grandes eventos esportivos no Rio de Janeiro. Antes dos Jogos Pan-Americanos de 2007, por exemplo, agentes imobiliários venderam em poucas horas os 1.480 apartamentos da Vila do Pan, um complexo construído para abrigar atletas.

Mas, por enquanto, alguns projetos concebidos para as Olimpíadas com o fim de ancorar um renascimento urbano estão sob estresse, incluindo um ambicioso plano de reurbanização da área do porto, próxima do centro antigo da cidade, que havia depositado esperanças no crescimento da indústria de petróleo. 

Os proprietários de novos edifícios na área --como EcoSapucaí, uma ampla estrutura projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer que possui um heliporto em forma de cálice, e a Port Corporate Tower, um prédio de 22 andares de escritórios construído pela Tishman Speyer, uma companhia imobiliária de Nova York --estão lutando para encontrar inquilinos, segundo reportagens na imprensa.

Cerca de 22% do espaço de escritórios na área do porto está vazio, um número que deverá aumentar quando mais projetos em construção forem concluídos este ano, segundo a firma de pesquisas imobiliárias Buildings.

"Nós imaginávamos que esta crise ocorreria só depois das Olimpíadas em 2016", disse Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi, uma associação de agências imobiliárias. "Mas está acontecendo agora, pondo em questão as apostas agressivas feitas em projetos que visavam os Jogos Olímpicos."