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Diagnósticos de deficit de atenção crescem no mundo, mas falta apoio

Debates sobre a validade do TDAH e das drogas usadas para tratá-lo estão se disseminando pelo mundo - Christopher Silas Neal/The New York Times
Debates sobre a validade do TDAH e das drogas usadas para tratá-lo estão se disseminando pelo mundo Imagem: Christopher Silas Neal/The New York Times

Katherine Ellison

Science Times

16/11/2015 06h00

No ano passado, Sinan Sonmezler, de Istambul, recusou-se a continuar indo à escola. Seus colegas do oitavo ano o chamavam de "estranho" e "burro", e os professores o repreendiam por sua tendência de ficar olhando pela janela durante a aula. O diretor da escola disse aos pais que ele era "preguiçoso".

Sinan tem Transtorno de Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), uma condição ainda pouco compreendida em muitas partes do mundo.

"Ele não acredita mais que é capaz de fazer qualquer coisa, e parou de tentar", disse o pai de Sinan, Umit Sonmezler, engenheiro mecânico.

Embora os diagnósticos mundiais de TDAH tenham aumentado, o entendimento do transtorno por parte do público não acompanhou o ritmo. Debates sobre a validade do diagnóstico e os medicamentos usados para tratá-lo --os mesmos que há muito dividem os norte-americanos-- estão acontecendo agora desde o norte e leste da Europa até o Oriente Médio e a América do Sul.

Dados de vários países contam uma história de mudanças rápidas. Na Alemanha, as taxas de diagnóstico de TDAH cresceram 381% entre 1989 e 2001. No Reino Unido, as prescrições de medicamentos para TDAH subiram mais de 50% em cinco anos, de 420 mil em 2007 para 657 mil em 2012. O consumo de medicamentos para TDAH dobrou em Israel de 2005 a 2012.

O aumento do consumo de medicamentos gerou críticas de que as indústrias farmacêuticas, em busca de lucro no mercado internacional de US$ 11 bilhões (R$ 41,5 bilhões) dos medicamentos para TDAH, estão impulsionando o aumento mundial dos diagnósticos. Em 2007, países que não os Estados Unidos responderam por apenas 17% do consumo mundial de Ritalina. Em 2012, esse número havia crescido para 34%.

"Devemos nos preocupar com as pressões da indústria, e devemos nos preocupar com o diagnóstico excessivo, não há dúvida", disse o Luis Rohde, professor de psiquiatria infantil na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil, e presidente da Federação Mundial de TDAH.

"Mas também precisamos enxergar o sofrimento dessas famílias, e das crianças que não estão conseguindo crescer de forma saudável sem o diagnóstico.”

Para os pais de crianças que têm problemas de atenção, a questão mais urgente é que os filhos não estão recebendo apoio médico, social ou educacional de que precisam.

"Como eles podem ser tão cruéis?", perguntou Olga Elizabet Abregú na página do TDAH Argentina no Facebook, um grupo de apoio aos pacientes de TDAH.

Abregú vive em San Miguel de Tucumán, na Argentina e estava lamentando o fato de que nenhum dos amigos de seu filho Santino tinha aparecido na festa de aniversário do menino.

Santino, 8, foi diagnosticado com TDAH. A mãe disse que um dos professores depois contou a ela que os pais de alguns alunos haviam proibido os filhos de brincar com ele.

Abregú mudou seu filho da escola pública lotada para uma escola particular cara --um sacrifício financeiro agravado pelo fato de que ela também deixou seu emprego como zeladora, pago pelo Estado, porque defender Santino diante dos professores e ajudá-lo com a lição de casa e com os problemas sociais estava tomando muito tempo.

"Aqui onde vivemos ninguém sabe sobre o TDAH", ela escreveu num e-mail, "e as poucas pessoas que já ouviram falar sobre isso não acreditam, acham que são apenas crianças mal-educadas e sem limites".

Abregú começou a levar o filho a psicólogos aos 4 anos por causa de seu comportamento desregrado, que na época incluía bater em outras crianças e não dividir nada. Em abril, Santino foi diagnosticado por um neurologista que receitou um medicamento estimulante.

Abregú e o marido têm hesitado em comprar o remédio, por temer os efeitos colaterais. No entanto, eles também se preocupam com as consequências de não seguir a sugestão do médico. "Não temos certeza se é certo ou não negar a medicação", disse ela.

Em Tbilisi, na Geórgia, Nino Jakhua procurou orientação sobre medicação para seu filho de seis anos, Nikoloz, que recentemente foi diagnosticado com TDAH. Mas a Geórgia proíbe os estimulantes, que são os principais medicamentos utilizados para tratar o transtorno em outras partes do mundo.

Então, em vez disso, um neuropatologista de Tbilisi prescreveu terapia e suplementos, incluindo o ácido butírico, glicina, glutamina, magnésio, vitamina B6 e cápsulas de ômega-3, nenhum dos quais faz parte do tratamento convencional para o transtorno.

O tratamento parece ter ajudado, disse a mãe, mas ela se pergunta se a medicação pode ajudá-lo ainda mais. "Ele se mexe muito, corre para cima e para baixo e abraça as pessoas bruscamente para pedir que brinquem com ele", disse ela. "Ele tem dificuldade de ficar sentado por mais de dez minutos para desenhar."

Nino Margvelashvili, neuropsicólogo do Instituto de Neurologia e Neuropsicologia em Tbilisi, que também trabalha como psicólogo numa escola particular, disse que alguns pais simplesmente contrabandeiam medicamentos, na maioria das vezes com a ajuda de amigos ou parentes na Ucrânia.

Em muitos outros casos, neurologistas prescrevem outros medicamentos, entre eles sedativos e medicamentos normalmente utilizados para demência ou psicose. "Eles deixam as crianças apáticas, sinto pena delas de verdade", disse.

Em muitas partes do mundo, os pais de crianças com TDAH dizem que se sentem estigmatizados, não importa como tentam lidar com o transtorno.

"Se você medica, você é uma mãe ruim", disse Patricia Oedell, que vive num vilarejo perto de Villingen-Schwenningen, na Alemanha, e tem três filhos com diagnóstico de TDAH. "E se você não faz isso, você também é uma mãe ruim."

Para Oedell, o início das aulas este ano trouxe memórias dolorosas de ter de convencer sua filha, uma adolescente isolada, a continuar indo para a escola.

Seu filho de 12 anos, que também foi diagnosticado com TDAH, vem passando de crise em crise, como quando enfiou um prego no dedo, e quando sofreu queimaduras por segurar uma bombinha acesa dentro da jaqueta.

Esses problemas podem ser comuns para os pais que têm lidado com o transtorno nos EUA, mas em lugares como Villingen-Schwenningen, um diagnóstico de TDAH pode deixar os pais se sentindo como párias, disse Oedell.

"Na Alemanha, na verdade não se aceita o diferente", disse Oedell. "Ou as pessoas dizem que o TDAH não existe, ou elas fazem isso parecer um problema moral terrível."

Para os pais de Sinan, o menino turco do oitavo ano, o desafio de lidar com o TDAH em Istambul foi, em última análise, grande demais. Eles começaram a procurar uma escola fora do país para mandar o filho, e escolheram um programa em Utah, nos EUA, que oferece apoio a estudantes com TDAH.

A escola vai custar US$ 10 mil (R$ 37,8 mil) por mês à família, obrigando-a a usar suas economias e a pedir ajuda de parentes, mas eles não veem outra alternativa.

"Estamos muito tristes porque não vamos vê-lo nem viver com ele até ele se tornar adulto, e por ele estar tão longe", escreveu o pai num e-mail. "Então nos lembramos que este pode ser um passo para salvar a vida dele e para tentar nos acalmar. É difícil.”