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Cidade do Colorado com prisioneiros 'famosos' rejeita detentos de Guantánamo

Penitenciária em Florence, que tem a unidade Supermax, para prisioneiros de alto risco - Rick Wilking/Reuters - 21.fev.2007
Penitenciária em Florence, que tem a unidade Supermax, para prisioneiros de alto risco Imagem: Rick Wilking/Reuters - 21.fev.2007

Em Florence (Colorado)

23/11/2015 06h00

O Unabomber mora aqui. Bem como os homens mais conhecidos como o terrorista do sapato-bomba e o terrorista da Maratona de Boston, além de um dos conspiradores do 11 de Setembro e 10 mil outros prisioneiros, de famosos a totalmente desconhecidos, trancados atrás de paredes grossas e cercas de arame farpado, num trecho de deserto do sul do Colorado.

Enquanto o presidente Barack Obama se prepara para apresentar os planos, há muito esperados, para o fechamento da prisão na baía de Guantánamo, em Cuba, este canto do Colorado, que abriga sete prisões estaduais e quatro federais, está alvoroçado com a possibilidade de os detentos virem a morar na cidade.

"Simplesmente não faz sentido trazer essas pessoas perigosas para nosso território", disse o xerife James Beicker do condado de Fremont, um dos 40 xerifes do Colorado que assinaram uma carta para Obama na semana passada contra qualquer transferência de Guantánamo para o Estado. "Por que aumentar o nível de ameaça no nosso Estado ou no meu condado?"

O xerife disse que conversou com um punhado de moradores que estavam com tanta raiva que prometeram receber os presos no portão com armas.

A apreensão nesta cidade-presídio reflete uma oposição mais ampla que tem impedido que Obama cumpra sua promessa de fechar Guantánamo. Enquanto algumas pessoas aqui dizem que os prisioneiros seriam trancados com segurança, como milhares de outros que estão aqui, outros moradores temem que a comunidade possa se tornar um alvo. E alguns têm objeções legais contra o fato de prender dezenas de pessoas que não foram condenadas criminalmente.

Muitos moradores dizem se sentir perfeitamente seguros, embora vários terroristas condenados estejam presos no complexo penitenciário federal. Mas eles não querem ganhar mais fama por abrigar 61 detentos de Guantánamo. O condado, que depende do turismo, fracassou recentemente na tentativa de atrair um call center para lá, e um escândalo recente envolvendo mensagens de celular com conteúdo sexual na escola de segundo grau da cidade vizinha de Canon City espantou uma empresa que queria se mudar para lá.

"Nós já temos um problema de imagem pública", disse Debbie Bell, comissária do condado, em uma entrevista. Várias autoridades locais que estavam reunidas concordaram.

"Não tem jeito", disse o prefeito de Florence, Keith Ore. "Uma coisa dessa magnitude pode simplesmente chegar e destruir essa cidade."

O encarceramento é uma característica que define a região desde que a Instituição de Correção do Território do Colorado, que ainda está em operação, foi construída em 1871. Os turistas vêm para pescar, navegar no rio Arkansas ou visitar os prédios de tijolos à vista do centro da cidade. As autoridades locais dizem que acolhem as prisões, bem como os visitantes. Em 1990, por exemplo, Florence ajudou a convencer a prisão federal de segurança máxima a se mudar para cá, doando terra para o complexo.

Muitos moradores trabalham em alguma das prisões, ou têm parentes empregados nelas. As pessoas dizem que costumavam deixar a chave dentro do carro para que os fugitivos simplesmente pegassem o veículo e fossem embora, em vez de correr o risco de um confronto. Algumas vezes por ano, equipes da prisão fecham túneis de fuga nos bairros próximos.

Nos últimos anos, tem-se falado que as prisões nos arredores de Florence poderiam ter um papel fundamental na promessa de Obama de fechar Guantánamo, embora o Congresso tenha aprovado medidas para impedir qualquer transferência de prisioneiros para solo norte-americano. Este mês, o Senado aprovou um projeto de lei militar com restrições semelhantes. Um porta-voz da Casa Branca disse que Obama assinará a medida, mas também disse que ela não afetará a posição do governo sobre o fechamento de Guantánamo. O Departamento de Defesa disse que tinha transferido cinco prisioneiros iemenitas de baixa segurança de Guantánamo para os Emirados Árabes Unidos.

No mês passado, funcionários do Pentágono visitaram a prisão federal de segurança máxima em Florence e uma prisão estadual vazia a alguns quilômetros dali, como parte de uma série de inspeções que eles vêm realizando. Um mês antes, militares fizeram visitas de reconhecimento a uma prisão temporária da Marinha e a uma prisão em um quartel do Exército no Kansas.

As visitas não têm sido secretas --o Pentágono informou ao Congresso e divulgou um comunicado à imprensa-- mas as autoridades locais daqui ficaram irritadas porque não receberam notificação da visita e não ouviram nada do governo. O chefe de polícia de Florence, Mike DeLaurentis, disse que foi o único funcionário local que teve algum contato com a equipe de pesquisa. Ele por acaso os parou numa batida de trânsito.

"Ninguém deu nenhuma resposta", disse Bell, comissária do condado.

Cory Gardner, senador republicano do Colorado que é contra as transferências de Guantánamo para o Estado, disse que recentemente ouviu uma enxurrada de opiniões contrárias por parte dos eleitores durante eventos na prefeitura, ao visitar cidades em todo o Estado, e ao passar pelo aeroporto de Denver.

Enquanto funcionários de correção estaduais e federais lidam com a segurança dentro dos muros da prisão, a polícia e o xerife lidam com os problemas do lado de fora dos portões. Eles se armaram quando manifestantes se reuniram para condenar uma pena de prisão de 60 anos por um líder rebelde colombiano. E conduziram uma investigação no ano passado, quando duas meninas do ensino fundamental receberam mensagens de um estranho no Facebook, pedindo fotos da escola.

"No dia a dia, tratamos de veículos suspeitos, pessoas suspeitas, atividades ligadas às drogas", disse DeLaurentis. "Temos policiais atentos o tempo todo."

DeLaurentis disse que recebeu um telefonema de funcionários federais quando familiares de Umar Farouk Abdulmutallab foram visitá-lo. Ele cumpre prisão perpétua por ter se declarado culpado de tentar explodir um avião comercial em 2009 com uma bomba na cueca. Após sua prisão, sua família na Nigéria disse que o pai dele tinha tentado alertar as autoridades sobre o filho.

Os visitantes chegaram e foram embora sem problemas, disse DeLaurentis, mas ele disse que fica preocupado com quem tentará visitar os ex-detentos de Guantánamo se eles estivessem presos aqui.

"Este é um dos nossos medos", disse DeLaurentis. "Quando você coloca mais de cem presos num só lugar, tem os extremistas que dirão: "Uau! Todos os nossos homens estão num lugar só, vamos fazer uma festa de aniversário. Vamos buscá-los!"

Numa loja de armas perto do centro de Florence, um grupo de homens que examinavam a mira de um rifle disse que estava acostumado a ter os piores entre os piores" presos ali perto, mas nunca se preocuparam com sua segurança. Ainda assim, poucos se mostraram a favor de abrigar os presos de Guantánamo aqui, além dos vários condenados perigosos da vizinhança.

"Já temos presos de sobra", disse Jared Miller, funcionário aposentado da prisão. "Não precisamos de mais."