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Estado de emergência intensifica policiamento e agressividade na França

Com estado de emergência, polícia francesa arromba portas, realiza buscas sem mandado e interroga com agressividade - Francois Mori/AP
Com estado de emergência, polícia francesa arromba portas, realiza buscas sem mandado e interroga com agressividade Imagem: Francois Mori/AP

Adam Nossiter

Em Paris

25/11/2015 06h00

Por toda a França, de Toulouse no sul até Paris e além, a polícia tem arrombado portas, realizado buscas sem mandado, interrogado agressivamente moradores, levado suspeitos às delegacias de polícia e colocando outros sob prisão domiciliar.

As medidas extraordinárias são perfeitamente legais segundo o estado de emergência decretado pelo governo após os ataques de 13 de novembro em Paris, que deixaram 130 mortos –um tipo raro de mobilização que continuará. O Parlamento francês votou na semana passada pela prorrogação do estado de emergência por mais três meses, o que significa mais buscas sem mandado, mais interrogatórios, mais pessoas colocadas sob prisão domiciliar.

Já ocorreram 1.072 buscas pela polícia e 139 interrogatórios, e 117 pessoas foram colocadas sob custódia, disse o Ministério do Interior na segunda-feira. Elas incluem uma batida no fim de semana a um restaurante que vende hambúrgueres "hala" (de acordo com a lei islâmica) e comida mexicana nos subúrbios de Paris, onde os policiais não encontraram nada suspeito, após arrombarem as portas.

Muitos dos detidos estão entre os centenas de franceses que já estavam apontados como ameaças potenciais à segurança nos notórios arquivos S dos serviços de segurança. A polícia agora está livre para deter e interrogar suspeitos virtualmente à vontade.

Uma indicação do choque persistente dos ataques –e o temor que corre pela sociedade francesa– é que poucos, ao menos publicamente, estão protestando contra essas medidas excepcionais. Mas os críticas da ampla rede lançada pelos serviços de segurança dizem que os resultados são mínimos diante da enorme ameaça às liberdades civis.

Segurança vs liberdades individuais

A preocupação está aumentando, particularmente nas comunidades muçulmanas visadas, de que a França agora corre o risco de pender fortemente a favor da segurança em detrimento das liberdades individuais e de instigar tensão em uma população muçulmana –a maior na Europa Ocidental– que há muito se sente lesada e de segunda classe.

"Essas medidas espalharão uma teia de aranha por toda a França", disse Danièle Lochak, uma professora emérita de Direito da Universidade de Paris. "Mas de uma forma discriminatória, porque visará os muçulmanos. Está fora de controle. O que farão com todas essas pessoas que agora estão sob prisão domiciliar?" A resposta, até o momento, não está clara.

"Há a sensação de que a polícia pode fazer o que bem entender agora", ela disse em uma entrevista por telefone na segunda-feira. "Nós vamos abrir mão de todas as regras de proteção."

"Isso é o que me incomoda, essa corrida precipitada por parte do governo", ela acrescentou. "Você tem a impressão de que nada mais importa, tudo é apenas dano colateral."

Mas até mesmo os críticos do policiamento agressivo reconhecem que o governo precisa ser visto fazendo algo para proteger o público abalado.

Ao mesmo tempo, entretanto, os críticos temem que a inclinação para um Estado onde a polícia leva vantagem apresente ecos embaraçosos na história moderna francesa –a colaboração do regime de Vichy com os nazistas, na Segunda Guerra Mundial, por exemplo– e dizem que as autoridades precisam ser cuidadosas para não ceder ao pânico.

"Buscas policiais e prisões domiciliares agora podem ser ordenadas pelo Ministério do Interior e pelos prefeitos, sem mandado judicial", notou Bénédicte Jeannerod, do Human Rights Watch.

"Essas buscas extrajudiciais aumentaram desde os ataques, estão sendo realizadas às pressas, sob pressão da opinião pública e da classe política", ela disse. Esse contexto, acrescentou Jeannerod, só encoraja erros e abusos de direitos humanos.

População segue preocupada

Rostos fechados na capital, mais soldados patrulhando marcos como o Louvre e ruas vazias demonstram a preocupação com a segurança. Políticos de todo o país dizem que seus eleitores só falam no massacre, que ocorreu há menos de duas semanas, segundo a imprensa francesa.

Em meio ao nervosismo, a polícia francesa disse que encontrou na tarde de segunda-feira um cinto suicida em uma lata de lixo em Montrouge, um subúrbio ao sul de Paris, segundo uma ex-autoridade da inteligência francesa próxima das investigações.

A polícia diz que ele pode ter pertencido a Salah Abdeslam, que teve um papel nos ataques em Paris, porque um telefone dele foi associado ao local onde o cinto suicida foi encontrado. A ex-autoridade de inteligência também disse que o Estado Islâmico alegou que o 18º Arrondissement (bairro), no norte de Paris, era um alvo, mas o ataque nunca se materializou.

"Estamos em um período de tensão total", disse Xavier Nogueras, um advogado de Paris que representa um punhado das cerca de 180 pessoas colocadas sob prisão domiciliar.

Os clientes de Nogueras são todos muçulmanos e estão nos arquivos S, que registram aqueles que são considerados possíveis ameaças ao Estado. Os participantes em todos os grandes ataques terroristas na França neste ano também estavam nos arquivos S, incluindo os participantes dos ataques de 13 de novembro.

Mas Nogueras diz que seus clientes, sob prisão domiciliar, estão suportando um fardo intolerável que não merecem. O simples fato de ir a uma mesquita sob vigilância pode colocar alguém nos arquivos S, ele notou. O resultado tem sido uma catástrofe para seus clientes, ele disse.

De acordo com as regras de prisão domiciliar, eles devem se apresentar à delegacia de polícia até quatro vezes por dia. "Isso é um exagero", disse Nogueras. "Essas medidas ameaçam as liberdades individuais. Para a maioria deles, que levam uma vida normal de trabalho, isso nem mesmo permite que continuem trabalhando."

"Eles estão encarando isso extremamente mal", ele prosseguiu, "porque em grande parte eles não têm nada do que ser acusados. Eles estão vivendo um estilo de vida ocidental".

O Ministério do Interior defendeu as medidas em uma nota de imprensa na sexta-feira. "Essas operações prosseguirão", disse a declaração, notando "a determinação total do governo em combater o terrorismo sem piedade, assim como toda ameaça à ordem pública".