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Após ataques em Paris, muçulmanos relatam medo por viverem em Nova York

Ferida Osman, estudante do Hunter College de Long Island, disse ter sido vítima de islamofobia enquanto esperava o trem na Estação Pennsylvania, em Nova York (EUA) - Josué brilhante / The New York Times
Ferida Osman, estudante do Hunter College de Long Island, disse ter sido vítima de islamofobia enquanto esperava o trem na Estação Pennsylvania, em Nova York (EUA) Imagem: Josué brilhante / The New York Times

Kirk Semple

Em Nova York (EUA)

27/11/2015 06h00

As dicas de segurança, concisas e assustadoras, foram passadas de um amigo muçulmano a outro pelas redes sociais, por imãs às suas congregações, por grupos islâmicos aos seus membros, por pais aos seus filhos a caminho da escola.

Quando no metrô, permaneça longe da beira da plataforma, de preferência com as costas contra uma parede. Caminhe em grupos após escurecer. Permaneça alerta o tempo todo.

Nos dias que se seguiram aos ataques terroristas em Paris, os muçulmanos em Nova York e em outros lugares se prepararam para uma reação violenta, mudando suas rotinas e tentando administrar seu medo. Mesmo assim, a violência ocorre.

Na última semana e meia, vários muçulmanos em Nova York, principalmente mulheres usando lenços de cabeça, relataram ser vítimas de ataques físicos e verbais. Até mesmo não-muçulmanos --incluindo pelo menos um latino confundido com muçulmano-- foram alvos de insultos islamofóbicos ou pior, disseram líderes comunitários.

Em um episódio no Conselho de Relações Americano-Islâmicas nesta semana, duas mulheres muçulmanas do setor Bedford-Stuyvesant do Brooklyn disseram que um homem que alegava ser carteiro as atacou, dando uma cotovelada em uma e cuspindo no rosto dela, e lhes dizendo que ia incendiar o "templo" delas. A polícia prendeu um homem na terça-feira (24) ligado ao episódio e o indiciando por agressão e ameaça de crime de ódio.

"Não víamos uma reação negativa tão grande contra a comunidade muçulmana" desde os ataques do 11 de Setembro, disse Sadyia Khalique, diretora de operações do escritório em Nova York do Conselho de Relações Americano-Islâmicas. "Estou com medo."

As autoridades municipais dizem que o episódio em Bedford-Stuyvesant foi o único caso de crime de ódio antimuçulmanos que registraram desde os ataques terroristas em Paris, em 13 de novembro, que mataram 130 pessoas e feriram outras centenas. Outras vítimas disseram que optaram por permanecer em silêncio porque querem deixar os episódios para trás, ou acreditam que o envolvimento da polícia seria fútil.

Apesar dos muçulmanos nos Estados Unidos dizerem que esperam por uma reação anti-islâmica após qualquer grande ataque terrorista em solo ocidental realizado em nome do Islã, a resposta acrimoniosa aos ataques em Paris encontrou um acelerante no Congresso e na campanha presidencial americana.

A islamofobia causada pelos ataques em Paris tem sido reforçada pelas declarações provocadoras dos candidatos republicanos a respeito dos refugiados muçulmanos da Síria, e pela votação na Câmara de medida para impedir o reassentamento desses refugiados nos Estados Unidos, afirmam os líderes muçulmanos.

Os recentes comentários de Donald Trump, que lidera a disputa republicana, foram particularmente incendiários, incluindo sua sugestão de que implantaria um banco de dados para rastrear os muçulmanos.

Esses desdobramentos, disseram líderes muçulmanos, na prática autorizam e encorajam o sentimento anti-islâmico na população em geral. Em uma declaração na terça-feira (24), o Conselho de Relações Americano-Islâmicas chamou o fenômeno de "popularização da islamofobia".

"Chegou a um ponto agora em que o tom está pior do que no pós-11 de Setembro", disse Khalid Latif, um imã que é diretor executivo do Centro Islâmico da Universidade de Nova York. Ele disse que o ambiente político que permite a Trump assumir uma posição hostil em relação aos muçulmanos, usando como argumento a segurança nacional, é "além de alarmante".

"Nós costumamos pensar no extremismo apenas em termos de estar a 8.000 quilômetros de distância", ele acrescentou. "Mas há uma verdadeira voz extremista vindo do Partido Republicano que prossegue sem ser combatida." A cada dia que passa, dizem os muçulmanos, eles estão mais temerosos por suas vidas.

Grupos muçulmanos relataram um forte aumento de incidentes por todo o país, incluindo muçulmanos molestados e atacados na rua, no trabalho, por telefone e por mensagens online. Várias mesquitas e centros islâmicos relataram vandalismo e ameaças. E a comunidade está se preparando para mais --inclusive em Nova York, uma das cidades mais pluralistas e inclusivas do país.

"Até mesmo em Nova York", disse Ferida Osman, 21, uma veterana da Faculdade Hunter e muçulmana, que recebeu uma cusparada de um estranho enquanto esperava pelo trem na Estação Pensilvânia, na semana passada. "Com certeza em Nova York. Especialmente em Nova York."

A pressão e escrutínio sobre os muçulmanos em Nova York desde os ataques em Paris "faz parecer que o 11 de Setembro está acontecendo de novo", disse Osman. "A sensação é de que todos estão olhando para você no palco e você teme cometer qualquer erro", ela prosseguiu.

Osman, que nasceu e foi criada nos Estados Unidos e usa hijab (o lenço de cabeça islâmico), disse que foi atacada na última terça-feira (24) enquanto voltava da Hunter para sua casa em Huntington, Long Island. Ela estava falando ao telefone quando sentiu a cusparada. Ela disse que ouviu alguém gritar, "Volta para casa, sua terrorista", acompanhado com várias palavras de baixo calão.

O agressor rapidamente se misturou à multidão, enquanto ela permanecia atônita. Já vinha sendo um dia difícil: ela já tinha sido escolhida três vezes pela polícia para revista de sua bolsa enquanto viajava pelo metrô. "Eu não me sentia mais uma pessoa", ela disse. "É a pior sensação no mundo. Você sente como se não tivesse aliados, se sente sozinha. É uma sensação horrível de isolamento." A jovem não denunciou o episódio porque, segundo ela, não queria reviver o trauma e correr o risco de ser ignorada.

Em seus sermões na tarde de sexta-feira na semana passada, os primeiros desde os ataques em Paris, alguns imãs de Nova York falaram dos ataques e seus efeitos. "Isso deve ser condenado não apenas com sua língua, mas também com seu coração", ordenou um imã, Siraj Wahhaj, chefe da Masjid al-Taqwa em Bedford-Stuyvesant, à  sua congregação. "Você tem que dizer: 'Isso não tem nada a ver com o Islã! Não há justificativa -ponto final!'"

E então ele alertou para a reação negativa. "Os muçulmanos de todo o mundo pagarão um preço pelo que aconteceu na França." Ele acrescentou: "Nós não tivemos nada a ver com aquilo. Nós odiamos aquilo. Mas mesmo assim pagaremos o preço".