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Opinião: Donald Trump, conheça uma refugiada síria chamada Heba

Nicholas Kristof

Em Lesbos (Grécia)

27/11/2015 06h00

Ben Carson comparou os refugiados sírios a cães raivosos. Donald Trump diz que ele os mandaria de volta. Quem são esses monstros refugiados sírios que aterrorizam os políticos americanos? Conheça Heba, uma jovem de 20 anos assustada e desesperada, que sonha ser artista e acaba de fazer uma fuga arriscada do território controlado pelo Estado Islâmico no norte da Síria.

Ela foi detida há dois meses com sua irmã por vigilantes do Estado Islâmico porque a filha de sua irmã, ainda bebê, estava com a saia muito curta --apesar de a menina ter apenas três meses de vida. "Foi uma loucura!", disse Heba, balançando a cabeça. "Era uma bebê!"

Heba diz que ela e sua irmã discutiram, dizendo que os bebês devem ter certa liberdade para mostrar a pele, e afinal a família foi dispensada com uma advertência.

Mas Heba, autoconfiante e corajosa, talvez tenha falado com demasiada franqueza ou sarcasmo, então a polícia deu um olhar crítico para suas roupas. Ela tinha até as mãos e o rosto cobertos, mas as autoridades reclamaram que sua abaya (túnica longa) não era larga o suficiente para transformá-la em um vulto disforme. A polícia a deteve durante horas, até que a família a libertou pagando uma multa de dez dólares (cerca de R$ 40,00).

Heba teve sorte, pois outras mulheres foram chicoteadas por violar as regras de vestimenta. Sua irmã viu uma mulher acusada de adultério ser apedrejada até a morte. "Se eu estivesse usando isto", disse-me Heba, apontando para os jeans justos que vestia naquele momento, "minha cabeça seria cortada." E deu uma gargalhada.

Conversei com Heba depois que a jovem deixou sua mãe e os irmãos na Síria (seu pai morreu há anos, de causas naturais) e fugiu com alguns parentes em uma viagem perigosa pela Turquia, depois em um barco superlotado até a ilha grega de Lesbos. Convidei Heba e sua família para comer uma pizza --a comida ocidental é proibida pelo Estado Islâmico--, e enquanto caminhávamos até a pizzaria ela fez uma brincadeira de apontar os transeuntes que seriam decapitados pelo EI por vestimenta imprópria, contato com o sexo oposto ou outras ofensas variadas.

"É uma diferença de um milhão por cento", afirmou, referindo-se à vida no Ocidente. "Quando você sai daquela área, sente-se muito bem. Todo o seu corpo relaxa."

Os americanos estão compreensivelmente temerosos do terrorismo depois dos ataques em Paris, e esse medo é canalizado para os refugiados sírios. Por isso, os políticos manipuladores retratam os refugiados como ameaças que o processo de triagem não consegue identificar, e quase a metade dos americanos é contra o plano do presidente Barack Obama de admitir dez mil sírios ao longo de um ano.

Na verdade, apesar das impressões deixadas pelos políticos americanos e pelo EI, os sírios em geral são mais educados e de classe média que muitas outras populações da região, e as mulheres são mais independentes. As aspirações artísticas de Heba não são raras.

As preocupações dos americanos com a segurança são legítimas, mas a triagem de refugiados é um processo rigoroso que dura dois anos. Seria muito mais simples para o EI se infiltrar nos EUA enviando pessoas com passaporte europeu (como as que efetuaram os ataques em Paris) com vistos de turistas, ou apenas usar apoiadores que já são cidadãos americanos.

A legislação antirrefugiados que foi aprovada de forma avassaladora na Câmara dos Deputados, de fato acabaria com a entrada até de cristãos e yazidis que foram especialmente visados pelos extremistas.

Em pessoa, os refugiados sírios são menos assustadores do que estão assustados. Heba não permitiu que eu citasse seu sobrenome ou publicasse sua foto, por medo de que sua família sofra represálias, e não pode contatar sua mãe pelo mesmo motivo. (Não menciono a cidade onde vivia porque ela tem pavor de que o EI tente identificar e punir sua família por sua fuga e por falar a um jornalista ocidental.)

Realmente, Ben Carson, você quer comparar essa mulher que ama a liberdade com um cão raivoso?

Donald Trump, quando você disse sobre os refugiados sírios: "Se eu vencer, eles voltarão", você realmente pretendia deportar Heba de volta ao EI para ser chicoteada ou decapitada?

Heba está farta de violência e extremismo --mas agora, no Ocidente, encontra um novo tipo de extremismo político que visa refugiados como ela. Estes refugiados sírios são acusados de potencialmente ser os terroristas dos quais fugiram.

"Não temos ligação com o terrorismo", disse-me Heba, sem entender que alguém possa temê-la. "Estamos fugindo de tudo isso."

Heba me mostrou sua abaya, que ela guarda na mochila. Diz que nunca mais quer usá-la, então lhe perguntei por que não a joga fora. "Tenho medo", admitiu a jovem. "Se eles nos mandarem de volta, vou precisar dela."

Ben Carson e Donald Trump, Heba não é um cão raivoso nem uma terrorista insana, mas uma jovem desesperada cuja vida está na corda bamba. Vamos abandonar esse medo absurdo e deixar que Heba jogue fora sua abaya para sempre.