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Opinião: EUA têm histeria sobre a vinda de refugiados, mas são cegos em relação às armas

4.dez.2015 - Refugiado carrega um menino com uma perna quebrada pela fronteira entre Grécia e Macedônia - Yannis Behrakis/Reuters
4.dez.2015 - Refugiado carrega um menino com uma perna quebrada pela fronteira entre Grécia e Macedônia Imagem: Yannis Behrakis/Reuters

Nicholas Kristof

Em Lesbos (Grécia)

08/12/2015 06h00

Por três semanas, os políticos americanos têm alardeado o perigo que os refugiados sírios representam, apesar de, nos últimos anos, nenhum refugiado nos Estados Unidos ter matado nem mesmo uma única pessoa em um ataque terrorista.

Nas mesmas três semanas dessa histeria a respeito dos refugiados, armas de fogo mataram 2 mil pessoas nos Estados Unidos. Os ataques terroristas em San Bernardino, Califórnia, e contra uma clínica da Planned Parenthood, em Colorado Springs, foram os mais dramáticos, mas há uma média implacável de 92 mortes por armas de fogo por dia nos Estados Unidos, incluindo suicídios, assassinatos e acidentes.

Logo, se os políticos desejam tratar de uma ameaça, que tal desenvolver uma política séria para redução das mortes por armas –sim, incluindo medidas de contraterrorismo, mas não simplesmente transformar em bodes expiatórios as pessoas mais vulneráveis do mundo.

As caricaturas de refugiados sírios como jihadistas que "querem nos matar", como um leitor chamado Josh me tuitou, são irreconhecíveis para qualquer um que passe algum tempo com esses refugiados. Acho que parte da aspereza desapareceria se os leitores pudessem estar comigo aqui em uma praia de Lesbos, na Grécia, para conhecer os refugiados, ao chegarem em botes infláveis superlotados após uma jornada perigosa. Os críticos veriam que os refugiados sírios são pessoas como nós, apenas molhadas, com frio, famintas e exaustas.

Se você me considera ingênuo, conheça um garoto sírio de 16 anos a quem chamarei de Ahmed. Ele vivia em uma parte da Síria controlada pelo Estado Islâmico (EI) e decidiu fugir para o Ocidente depois de ter sido, segundo ele, açoitado pelos valentões do EI.

Ahmed teve que deixar sua família para trás e não pode entrar em contato com ela diretamente, por temor de colocá-la em apuros. Não vou revelar seu verdadeiro nome ou cidade, para evitar causar mal à sua família, mas seus parentes que também fugiram confirmaram seu relato.

As escolas deixaram de funcionar desde que o EI se estabeleceu na área, de modo que Ahmed encontrou emprego em uma farmácia. Quando certo dia ele ficou sem medicamentos, ele foi pedir alguns emprestados em outra farmácia –mas que era dirigida por uma mulher, autorizada a apenas atender mulheres. Ahmed foi preso.

"Eles queriam cortar minha cabeça porque falei com uma mulher", explicou Ahmed.

No final, ele foi solto, mas Ahmed viu mais decapitações do que pode contar. As execuções ocorrem toda sexta-feira na praça da cidade e todas as pessoas são convocadas para assistir o executor realizar seu trabalho. Os corpos são deixados em exibição, às vezes em posição de crucificação.

"Se uma pessoa não jejua durante o Ramadã, ela é colocada em uma jaula em público para passar fome por até três dias", acrescentou Ahmed. O próprio Ahmed foi acusado de não fazer as orações e sentenciado a 20 chicotadas. Um saudita ministrou as chicotadas com um pingalim.

Depois disso, os familiares de Ahmed lhe deram suas bênçãos para que fugisse, porque temiam que ele poderia ser forçado a ingressar no Exército do EI.

E o que eu diria para esse jovem de 16 anos que arriscou sua vida para fugir do extremismo? Que muitos americanos agora têm medo dele? Que os assassinos de San Bernardino só podem aumentar a suspeita em relação aos refugiados sírios? Que em um ano eleitoral, os políticos alimentam e amplificam os medos dos eleitores?

Aqui em Lesbos, os temores parecem muito exagerados. Alguns dos primeiros socorristas que os refugiados sírios encontram quando desembarcam na praia são médicos israelenses, trabalhando para uma organização médica israelense chamada IsraAID. Os refugiados se dizem surpresos, mas também encantados.

"Estamos felizes por vê-los", disse Tamara, uma síria de 20 anos vestindo jeans, com maquiagem e cabeça descoberta. A presença de judeus, muçulmanos e cristãos lado a lado se encaixa na tolerância e moderação que ela anseia.

Iris Adler, uma médica israelense voluntária da IsraAID, disse que os refugiados com frequência ficam empolgados por receber assistência dos israelenses. "Nós ainda estamos em contato próximo com muitos deles", ela disse, incluindo uma mãe que deu à luz na praia, após desembarcar. Segundo ela, a hostilidade em relação aos trabalhadores de ajuda humanitária israelenses não vem dos refugiados, mas sim de alguns voluntários europeus.

Historicamente, os americanos percebem de forma errônea forasteiros como ameaças. Em 1938 e de novo em 1941, uma família judia desesperada na Europa tentou obter status de refugiado nos Estados Unidos, mas não conseguiu, juntamente com milhares de outras. Essa foi a família de Anne Frank.

Assim, apesar dos nazistas terem assassinado Anne, nós americanos fomos de certa forma cúmplices.

"Estamos enfrentando uma grande ameaça de extremistas islâmicos como o EI e precisamos ser inteligentes sobre como enfrentá-los", disse Peter Bouckaert, da Human Rights Watch (uma entidade internacional de direitos humanos), que se está com seu foco voltado aos refugiados. "Ao humilharmos e rejeitarmos aqueles que estão fugindo do EI, nós criamos um senso de raiva em grande parte do Oriente Médio. A rejeição dos refugiados sírios acaba sendo uma vitória de propaganda para o EI."

Se os políticos desejam tratar de uma ameaça à nossa segurança, eles devem voltar sua atenção não para longe, para refugiados desesperados, mas sim mais perto de casa –aos terroristas potenciais e também às armas de fogo. É um absurdo o Senado se recusar a impedir que pessoas em uma lista de vigilância de terror comprem armas; suspeitos de terrorismo não podem facilmente embarcar em aviões, mas podem comprar fuzis de assalto? Os candidatos presidenciais e governadores têm que parar de fomentar medo a respeito dos refugiados: afinal, 785 mil refugiados foram recebidos pelos Estados Unidos desde o 11 de Setembro e nenhum foi condenado de matar uma pessoa em um ato terrorista no país.

"Nós também somos humanos e temos o direito de viver", me disse uma mulher de 18 anos chamada Rahaf, que deseja ser advogada, em um dia garoento em um campo daqui. "Não somos terroristas. Estamos fugindo da guerra. Eu só quero ter filhos que possam crescer em paz."