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Com ajuda venezuelana ameaçada, Cuba negocia com EUA indenizações por embargo

Andrew Harnik/AP
Imagem: Andrew Harnik/AP

Frances Robles

Em Miami (EUA)

20/12/2015 06h00

Algumas das conversas mais espinhosas no longo caminho para estabelecer relações plenas entre Cuba e os Estados Unidos acabaram de começar nos últimos dias. Os dois lados estão se reunindo pela primeira vez para discutir as propriedades norte-americanas que Cuba confiscou décadas atrás.

A simples ideia de receber uma indenização para as propriedades e empresas apreendidas logo após a revolução cubana provocou uma onda de entusiasmo nas milhares de pessoas que perderam tudo, desde usinas de açúcar até casas de família e refinarias de petróleo.

As pessoas começaram a tirar a poeira de documentos amarelados e a chamar advogados.

Mas e se Cuba entrar nessa negociação histórica com uma reivindicação bem diferente em mente?

Em 1999, um tribunal cubano considerou o governo norte-americano responsável pelas mortes e danos causados pelas “políticas agressivas” dos Estados Unidos contra a ilha --ou seja, a invasão da Baía dos Porcos e o embargo comercial proibindo cidadãos e empresas dos EUA de fazer negócios em Cuba.

Argumentando que os Estados Unidos haviam estrangulado a economia cubana e causado danos irreparáveis, o tribunal ordenou os Estados Unidos a pagarem US$ 181 bilhões (R$ 702 bilhões) de indenização.

Então, enquanto representantes legais do Departamento de Estado viajaram para Havana na semana passada para defender as reivindicações dos EUA contra Cuba, os cubanos fizeram sua própria defesa.

“Nós sabemos que eles acreditam que têm bilhões de dólares de indenização por danos humanos e prejuízos econômicos decorrentes do embargo”, disse uma funcionária do Departamento de Estado, que falou brevemente com a reportagem sob a condição de não ser identificada. “E eu acho que provavelmente vamos ouvir mais sobre isso à medida que avançarmos nessas negociações.”

A funcionária não quis dizer se os cubanos exigiram uma cifra exata como indenização. Não está claro como o governo cubano chegou a qualquer uma das muitas estimativas de danos citadas aqui e ali.

Na ONU este ano, Cuba disse que os EUA deviam US$ 121 bilhões (R$ 469 bilhões). A mídia cubana, controlada pelo governo, diz que o montante da dívida é de US$ 833,75 bilhões (R$ 3,2 trilhões).

“Este é um assunto extremamente complicado”, disse Josefina Vidal, chefe de assuntos norte-americanos no Ministério das Relações Exteriores de Cuba, à Associated Press depois da primeira reunião da comissão bilateral. “Eu imagino que, quando os dois países começam a se encontrar, uma das primeiras coisas que teremos de fazer é esclarecer todas as contas.” (Ela observou que o veredicto do tribunal cubano foi dado há 15 anos, sugerindo que há números novos a acrescentar.)

A funcionária do Departamento de Estado disse que a reunião na semana passada foi preliminar e profissional, mas enfatizou que a questão da indenização pelas propriedades confiscadas é fundamental. Mais reuniões estão previstas para os próximos meses.

“Esta reunião é o primeiro passo de um processo complexo que pode levar algum tempo, mas os Estados Unidos veem a as indenizações pelas propriedades como uma prioridade para a normalização”, disse a funcionária norte-americana.

Em Havana, a delegação dos EUA detalhou como a Comissão para a Liquidação de Negócios Estrangeiros chegou a US$ 1,9 bilhão (R$ 7,3 bilhões) em 5.913 reivindicações certificadas nos EUA, que deve chegar a US$ 8 bilhões (R$ 31 bilhões), calculando os juros. A maior parte do dinheiro é devido a empresas dos EUA, dizem especialistas. As reivindicações não incluem nenhum dos muitos milhares de cubanos que perderam propriedades antes de deixar a ilha e se tornarem cidadãos norte-americanos.

O Departamento de Estado também apresentou as dez decisões judiciais de tribunais estaduais e federais dos EUA que cobram indenizações do governo cubano, totalizando mais US$ 2 bilhões, bem como “algumas reivindicações do governo dos EUA contra Cuba”, disse a oficial.

Especialistas disseram que os requerentes dos EUA não devem se preocupar muito com as demandas de Cuba.

“Essas são as posições iniciais”, disse Richard E. Feinberg, conselheiro para América Latina durante o governo Clinton, que publicou um estudo sobre a questão das reivindicações este mês para a Brookings Institution. “Isso é uma negociação.”

Feinberg observou que os funcionários cubanos devem estar motivados para fazer um acordo porque sem dúvida acompanharam as eleições legislativas da Venezuela na semana passada, nas quais o governo esquerdista que sustenta Cuba financeiramente levou uma surra nas urnas pela primeira vez em 17 anos.

Cuba precisa dos Estados Unidos para retirar o embargo comercial, e a melhor forma de conseguir isso é pagar as indenizações por propriedades, disse ele. O embargo entrou em vigor em 1962 depois de uma disputa que começou exatamente porque Fidel Castro expropriou empresas petrolíferas norte-americanas que se recusaram a processar petróleo bruto russo.

Com a possibilidade do fim da ajuda financeira da Venezuela, Cuba precisa de um novo fluxo de receita. E logo.

“O pavio foi aceso”, disse Feinberg. “O tempo está se esgotando.”

Gutiérrez acredita que as reivindicações deveriam ter sido resolvidas antes da abertura das embaixadas. Ele agora teme que as duas listas de exigências sejam tão desiguais que os requerentes dos EUA não fiquem com nada.

O Departamento de Estado negocia em nome dos requerentes dos Estados Unidos e não precisa da aprovação deles para chegar a um acordo.

“Você pode imaginar os negociadores de Obama dizendo: 'olha, conseguimos que eles reduzissem a fantasia para US$ 120 bilhões!”, disse Gutiérrez. “Nós baixamos US$ 8 bilhões, e ninguém recebe nada.”