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Chilenos da Antártida têm rotina segura e tranquila, mas encaram frio e privações

Cidade de Villa Las Estrellas, base da Força Aérea Chilena na Antártida - Daniel Berehulak/The New York Times
Cidade de Villa Las Estrellas, base da Força Aérea Chilena na Antártida Imagem: Daniel Berehulak/The New York Times

Simon Romero*

Villa las Estrellas (Antártida)

09/01/2016 06h00

As crianças da escola local estudam debaixo de um retrato de Bernardo O'Higgins, líder da independência do Chile. O gerente do banco recebe depósitos em pesos chilenos. O serviço de telefonia celular da companhia telefônica chilena Entel é tão bom que o download de aplicativos para iPhone funciona como que por encanto.

Os moradores locais dizem que o local se parece com qualquer vilarejo chileno. Só que Villa Las Estrellas fica na Antártida.

Menos de 200 pessoas vivem neste posto avançado fundado em 1984, durante a ditadura do general Augusto Pinochet, quando o Chile procurava fortalecer suas reivindicações territoriais na Antártida. Desde então, a pequena aldeia está no centro de uma das experiências mais notáveis da Antártida: expor famílias inteiras ao isolamento e a condições extremas na tentativa de criar algo que se pareça com uma vida normal nos confins do planeta.

“Fica um pouco intenso aqui no inverno”, diz José Luis Carillán, 40, que se mudou para Villa Las Estrellas há três anos com a esposa e os dois filhos para trabalhar como professor na escola pública. Ele descreveu desafios como caminhar em meio a tempestades de vento punitivas para chegar à escola, escondida entre montes de neve, e suportar longos períodos de tempo com poucas horas de sol por dia.

“Mas este lugar é único”, disse Carillán. “Pouquíssimas pessoas na terra colocam os pés na Antártida, e um número menor ainda vive aqui por longos períodos de tempo.”

Estados Unidos, China, Rússia e a maioria das outras nações que têm estações de pesquisa na Antártida não gostam da ideia de levar qualquer pessoa além de pesquisadores e equipes de apoio para o continente mais frio e fustigado pelos ventos do planeta. Mas o Chile e outro vizinho da América do Sul, a Argentina, escolheram o caminho raro de fincar estacas na Antártida, nutrindo pequenos assentamentos que incluem famílias com crianças.

A Argentina montou seu posto avançado na Antártida ainda mais cedo, em 1953. O assentamento, na Terra de Graham, no extremo norte da Península Antártica, chama-se Base Esperanza. Ele também tem uma escola, um cemitério e até um grupo de escoteiros que diz ser o mais austral do mundo. O lema da Base Esperanza resume como é a vida para alguns que se mudaram para a Antártida: “Permanência, um ato de sacrifício”.

A Villa Las Estrellas, em South Shetland Islands, na ponta da Península Antártica, passou a ser um ponto cobiçado para voar para o continente, à medida que várias nações fortalecem sua pesquisa científica.

A força aérea chilena transporta pesquisadores de vários países em aviões militares Hércules C-130, que fazem a viagem de três horas até Punta Arenas, uma cidade de quase 125 mil habitantes perto do extremo sul do Chile, várias vezes por mês. Uma placa na base aérea perto de Villa Las Estrellas observa que a cidade de Iquique, no norte do Chile, fica a apenas 4.675 km dali.

A maioria dos estudantes da pequena escola da aldeia, que em geral não chegam a 12, são filhos de funcionários da Força Aérea que operam a base; alguns dos pais dizem que a experiência de isolamento fortalece os laços familiares. O fato de Vila Las Estrellas ser tão remota --o nome do lugar se deve à falta de poluição da luz artificial, que melhora a vista do céu-- cai muito bem para os muitos que moram aqui.

“As pessoas no resto do Chile têm tanto medo de ladrão que constroem muros em volta das casas”, disse Paul Robledo, 40, eletricista de Iquique. “Não aqui na Antártida. Este é um dos lugares mais seguros do mundo”.

O que Villa Las Estrellas ganha por ser um santuário livre do crime, porém, perde em alguns outros confortos.

Animais como pinguins-de-adélia e elefantes marinhos podem ser vistos pelo vilarejo, mas os que estão acostumados à companhia dos cachorros não têm sorte. Todos os cães foram proibidos porque podem introduzir doenças caninas na vida selvagem da Antártida.

As famílias da força aérea vivem em pequenas casas, enquanto os pesquisadores ficam no alojamento espartano operado pelo Instituto Antártico Chileno, dormindo em beliches não muito diferentes daqueles encontrados nos porta-aviões. Uma mesa de pingue-pongue na sala de estar oferece alguma diversão. Eles fazem as refeições juntos numa cantina apertada.

Recentemente, o cardápio do almoço era um prato com purê de batatas, frango e carne moída, acompanhado de Fanta laranja. Para o jantar naquele dia: idem, mas a Fanta foi substituída por Coca-Cola.

Depois de um cientista chileno sugeriu que era necessário um nutricionista ali, Enrique Nicoman, 59, cozinheiro de Villa Las Estrellas, deixou claro que esse tipo de comentário não era bem-vindo.

“Não tem um mercado aqui perto com verduras e legumes frescos”, disse Nicoman, que trabalhou durante anos como cozinheiro para a Marinha chilena antes de se mudar para lá. “Quer dizer, estamos na Antártida, onde tudo precisa chegar de avião ou de navio.”

Apesar dos desafios, muitos chilenos ainda cobiçam uma chance de morar em Villa Las Estrellas. “Esta é uma das últimas fronteiras do mundo”, disse Macarena Marcotti Murúa, 25, veterinária que chegou em novembro para trabalhar no posto dos correios.

Alguns são atraídos para o lugar pela aventura, outros por salários mais altos do que no Chile para as mesmas funções. Os moradores da Villa Las Estrellas parecem ter suas próprias razões para se mudar para a Antártida.

“Eu vejo isso como tirar férias”, disse Robinson Montejo, 59, gerente e único funcionário da agência do Banco de Crédito e Inversiones chileno. Inevitavelmente, ele passa muito tempo sozinho, esperando um cliente ocasional chegar no frio. “Este é o lugar certo para ter um pouco de paz e tranquilidade.”

*Pascale Bonnefoy contribuiu com a reportagem em Santiago, Chile