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Planos para demolir hotel de Tóquio irritam preservacionistas

A ala principal do Hotel Okura, construído em 1962, em Tóquio, no Japão - Jeremie Souteyrat/The New York Times
A ala principal do Hotel Okura, construído em 1962, em Tóquio, no Japão Imagem: Jeremie Souteyrat/The New York Times

Roland Kelts

Em Tóquio (Japão)

10/01/2016 06h01

A indignação contra a demolição do Hotel Okura, de 53 anos, em Tóquio no ano passado surpreendeu principalmente os historiadores japoneses e especialistas em arquitetura.

A revista de estilo de vida "Monocle" fez circular um abaixo-assinado, savetheokura.com, para registrar a “indignação dos admiradores da arquitetura única” do hotel. Tomas Maier, diretor de criação da Bottega Veneta, uma marca de luxo italiana, fez um memorial em vídeo e começou uma campanha nas mídias sociais, #MyMomentAtOkura [#MeuMomentoNoOkura].

O saguão modernista pós-guerra do hotel equilibrava com elegância elementos do Japão tradicional, como mesas e cadeiras laqueadas dispostas em forma de flores de ameixeira, com visões do que na época era futurista, como um mapa iluminado com os fusos horários mundiais.

O local foi frequentado por presidentes dos Estados Unidos, inclusive pelo presidente Barack Obama e outros chefes de Estado, celebridades, artistas e arquitetos. Ele desempenhou um papel central no livro de James Bond “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes”, da década de 60.

O Hotel Okura Co. Ltd., cujos principais investidores incluem a construtora Taisei Corp. e a Mitsubishi Estate, segunda maior incorporadora imobiliária do Japão, planeja construir um arranha-céu de 38 andares com 510 quartos, 102 a mais do que o Okura tinha, e adicionar 18 andares para escritórios.

A reforma deve custar US$ 1 bilhão (R$ 4,05 bilhões). A empresa prometeu “reproduzir fielmente” vários artefatos do saguão, entre eles tapeçarias de parede, lanternas de papel e portas de correr, os móveis laqueados e o mapa de fusos horários.

Hotel - Jeremie Souteyrat/The New York Times - Jeremie Souteyrat/The New York Times
O lobby principal do Hotel Okura, construído em 1962
Imagem: Jeremie Souteyrat/The New York Times

O edifício principal do hotel e seu saguão singular foram demolidos em setembro. A Ala Sul, construída em 1973, continuará operacional, e os proprietários planejam replicar o mezanino do saguão, inspirado em uma pintura japonesa conhecida como “Ponte do Sonho”, e seus lustres hexagonais.

Um bar recém-projetado vai tentar recapturar o estilo retrô-chique do antigo e aconchegante Orchid Bar, o paraíso dos coquetéis pouco iluminado do Okura, amado por diplomatas, expatriados e jornalistas. O novo complexo também vai incorporar atualizações para cumprir as normas mais recentes em tecnologias de construção resistentes a terremotos.

Mas esses planos não têm amenizado as preocupações dos preservacionistas, muitos dos quais afirmam que Tóquio está destruindo seus maiores patrimônios arquitetônicos do pós-guerra para acomodar os Jogos Olímpicos de 2020 e um aumento recente no turismo. Em uma reviravolta digna de James Bond, os críticos mais ferrenhos não são do Japão.

“Quando a reconstrução foi anunciada, muitos estrangeiros, especialmente arquitetos bem conhecidos, expressaram seu pesar”, disse Yoshio Uchida, professor de arquitetura da Universidade de Toyo. “A amplitude do protesto deles foi além do que podíamos imaginar.”

O Okura original foi inaugurado em 1962, dois anos antes dos primeiros Jogos Olímpicos de Tóquio, um evento que sinalizou para o mundo que o Japão havia se recuperado da devastação da 2ª Guerra Mundial. Foi erguido em frente à Embaixada dos Estados Unidos e se tornou tão popular entre os diplomatas que era chamado de “o anexo”.

Arquiteto - Timothy Greenfield-Sanders/The New York Times - Timothy Greenfield-Sanders/The New York Times
Yoshio Taniguchi, o arquiteto que está recriando o Hotel Okura, em Tóquio (Japão)
Imagem: Timothy Greenfield-Sanders/The New York Times

O arquiteto Yoshiro Taniguchi liderou uma equipe nomeada por Kishichiro Okura, o fundador.

Ao contrário de muitos edifícios do pós-guerra de Tóquio, cujos principais modelos de modernismo eram estritamente ocidentais, o Okura foi construído para evocar o espírito japonês, ou pelo menos a forma como era percebido pelos estrangeiros. Entre outros ornamentos, isso significava lâmpadas hexagonais em forma de jóias antigas e painéis cobertos com tecido de quimono.

Yoshio Tanigushi, filho mundialmente famoso do arquiteto original, é responsável por recriar o Okura. Formado em Harvard, ele redesenhou o Museu de Arte Moderna de Nova York há 11 anos.

Taniguchi é mais conhecido por suas linhas finas e seu minimalismo conservador --segundo alguns, algo bem distante do estilo evocativo do pai, concentrado no gênio e na habilidade artística para atingir um equilíbrio harmônico entre o Oriente e o Ocidente.

Taniguchi está consciente da afeição das pessoas pelo Okura de seu pai. Ele diz que pode incorporar o espírito e a sensação do original no novo prédio, quaisquer que sejam suas especificações.

“Houve muitos exemplos de arquitetura moderna excelente projetada no Japão pós-guerra”, disse ele. “Mas também há muitos que se degradaram ao longo dos anos. Quanto às estruturas que eram especialmente bonitas e originais, estamos tentando restaurá-las com sensibilidade para com suas formas originais. Fazemos esse esforço constantemente.”

Uchida afirmou que o destino do Hotel Okura é emblemático e revela uma tendência que atinge a capital do Japão.

“É um símbolo de nossa luta para equilibrar a necessidade de renovação com os tesouros da nossa cidade”, disse ele. “Isso significa que o que está acontecendo é muito importante.”

Hiroshi Matsukuma, professor do Instituto de Tecnologia de Kyoto e defensor do modernismo do pós-guerra, vê as virtudes da arquitetura Tóquio em suas camadas de história.

Os principais edifícios de Tóquio do século 20, como o Okura, de 11 andares, eram modestos em comparação com os de outras cidades do mundo. Mas eles encarnam o crescimento rápido e orgânico da reconstrução da cidade, como anéis no tronco de uma árvore.

Os projetos realizados desde 2000, como a reconstrução dos edifícios Marunouchi, tendem a ser arranha-céus enormes com múltiplas funções.

“A multidimensionalidade de Tóquio é algo que podemos estar perdendo agora nos nossos maiores centros urbanos”, escreveu Matsukuma. “Agora só se pode encontrá-la nas ruas secundárias, nos bairros antigos, e eles também estão desaparecendo.”

Outro desafio para Tóquio é mais prosaico: a cidade tem uma escassez de quartos de hotel. A Organização Nacional de Turismo do Japão anunciou no ano passado que o número de visitantes estrangeiros ao país deve chegar perto de 20 milhões até o final de 2015, um aumento de mais de 40%.

As taxas de ocupação dos hotéis de Tóquio costumam ser de 90% ou mais, e as empresas do país começaram a se queixar de que seus funcionários não conseguem mais encontrar quartos acessíveis em viagens de negócios.

O número de turistas da Ásia para o Japão explodiu no ano passado. Só a China foi responsável por 4,7 milhões de visitantes, um aumento 109% em um ano.

O pequeno número de quartos adicionais previstos para o novo Okura fará pouca diferença para atenuar a tendência que está obrigando Tóquio a abraçar um outra inovação do século 21. O Airbnb anunciou em novembro que o Japão era, de longe, seu mercado que cresce mais rápido.