Topo

Bombas menores dos EUA não reduzem risco de confronto nuclear

Governo de Barack Obama tem realizado testes com armas nucleares de menor porte e maior precisão - Dennis Brack/EFE/EPA
Governo de Barack Obama tem realizado testes com armas nucleares de menor porte e maior precisão Imagem: Dennis Brack/EFE/EPA

William J. Broad e David E. Sanger

13/01/2016 06h00

Enquanto a Coreia do Norte escavava túneis em seu local de testes nucleares no último outono, vigiada por satélites espiões norte-americanos, o governo Barack Obama preparava um teste próprio no deserto de Nevada (oeste dos Estados Unidos).

Um caça a jato decolou com uma versão falsa da primeira bomba atômica teleguiada de precisão do país. Adaptada de uma arma mais antiga, ela foi desenhada tendo em mente problemas, como a Coreia do Norte. Seu cérebro computadorizado e quatro aletas manobráveis permitem que ela seja dirigida para alvos enterrados profundamente, como túneis de testes e locais de armamentos. E sua potência, a força explosiva da bomba, pode ser aumentada ou reduzida dependendo do alvo, para minimizar os danos colaterais.

Pequeno e destruidor

Em suma, enquanto os norte-coreanos estão pensando grande --afirmaram ter construído uma bomba de hidrogênio, o que especialistas consideram altamente exagerado--, o Departamento de Energia dos Estados Unidos e o Pentágono preparam uma linha de armas que seguem na direção oposta.
A abordagem de construção menor provocou um choque filosófico entre os que pensam sobre o impensável em Washington.

O presidente Barack Obama há muito tempo defende um "mundo livre de armas nucleares". Seus assessores mais próximos afirmam que modernizar as armas existentes pode produzir um arsenal menor e mais confiável, enquanto torna seu uso menos provável por causa da ameaça que podem representar. As mudanças, dizem eles, são mais aperfeiçoamentos que reformas completas, cumprindo a promessa presidencial de não fabricar novas armas nucleares.

Mas os críticos, entre eles vários ex-integrantes do governo Obama, olham para o mesmo conjunto de fatos e veem um futuro muito diferente. As entranhas explosivas das armas revitalizadas podem não ser totalmente novas, afirmam eles, mas a potência menor e o melhor direcionamento podem aumentar a tentação de usar as armas, e até de usá-las primeiro, em vez de em retaliação.

O general James E. Cartwright, um vice-presidente aposentado do Estado Maior Conjunto que foi um dos estrategistas nucleares mais influentes de Obama, disse que aprova as atualizações porque o direcionamento preciso permite que os Estados Unidos possuam menos armas. Mas ele reconheceu: "O que a redução de tamanho faz é tornar a arma mais ‘pensável’".

Enquanto Obama inicia seu último ano no cargo, o debate tem profundas implicações para a estratégia militar, os gastos federais e seu legado pessoal.

A bomba B61 Modelo 12, testada em voo no ano passado em Nevada, é a primeira de cinco novos tipos de ogivas planejadas como parte de uma revitalização atômica que deverá custar até US$ 1 trilhão em três décadas. Essa família de armas e seus sistemas de entrega tendem para o pequeno, invisível e preciso.

Nova corrida armamentista?

Já há sugestões de uma nova corrida armamentista. A Rússia chamou os testes da B61 de "irresponsáveis" e "abertamente provocativos". A China estaria especialmente preocupada com os planos de um míssil de cruzeiro com ogiva nuclear. E a Coreia do Norte defendeu na semana passada sua busca por uma bomba de hidrogênio ao descrever a "sempre crescente ameaça nuclear" dos Estados Unidos.

O problema mais imediato para a Casa Branca é que muitos de seus ex-integrantes levantaram questões sobre o ímpeto de modernização e a perda de oportunidades de controle de armas.

"É muito caro e desnecessário", disse Andrew C. Weber, um ex-secretário assistente da Defesa e ex-diretor do Conselho de Armas Nucleares, um órgão interministerial que supervisiona o arsenal dos Estados Unidos. Ele citou em particular o míssil de cruzeiro avançado, com custo estimado em até US$ 30 bilhões por cerca de mil armas.

"O presidente tem a oportunidade de impor as condições para uma proibição global dos mísseis de cruzeiro nucleares", disse Weber em uma entrevista. "É um grande negócio em termos de reduzir os riscos de guerra nuclear."

Na semana passada, Brian P. McKeon, o principal vice-subsecretário da Defesa para política, afirmou que qualquer um que examinar imparcialmente as iniciativas de Obama em geral verá grande progresso na direção de uma força menor e um mundo mais seguro --temas que a Casa Branca salientou na segunda-feira (11) antes do discurso presidencial sobre o Estado da União.

"Nós limpamos o material nuclear solto ao redor do mundo e conseguimos o acordo com o Irã", removendo uma potencial ameaça por pelo menos uma década, afirmou McKeon. Ele reconheceu que outras promessas --como tratados sobre testes nucleares e a produção de combustível para bombas-- ficaram emperradas, e que a esperança do presidente de ganhar novos cortes de armas nas negociações com a Rússia "encontraram um bloqueio depois dos acontecimentos na Ucrânia".
Ele defendeu especificamente a modernização do arsenal, dizendo que a nova bomba B61 "cria mais estabilidade estratégica".

No final de 2013, os primeiros ex-assessores se manifestaram. Philip E. Coyle III e Steve Fetter, que haviam recentemente deixado cargos na segurança nacional, ajudaram a escrever uma crítica do plano nuclear de 80 páginas, pela União de Cientistas Preocupados, um grupo privado que ganhou nome durante a Guerra Fria, defendendo a redução de armas.

Desconfiança sobre a modernização

Os aliados e adversários dos Estados Unidos, advertiu o relatório, podem ver a modernização como uma "violação da promessa do governo de não desenvolver ou mobilizar" novas ogivas. O relatório, que pediu uma abordagem mais cautelosa, citou uma conclusão de cientistas assessores federais: que simplesmente reformar armas em sua configuração existente poderia mantê-las fora de serviço durante décadas.

"Não sou um pacifista", disse Coyle, um ex-diretor de testes de armas do Pentágono, em entrevista. Mas o governo, afirmou ele, estava planejando um arsenal grande demais. "Eles erraram nas contas em termos de quantas armas precisamos, de quantas variedades precisamos e se precisamos de uma capacidade acrescida" para a produção intensificada de armas nucleares.

As críticas internas logo se concentraram em armas individuais, começando pelo Modelo 12 da B61. O plano do governo era fundir quatro modelos antigos da B61 em uma versão única que reduziria muito seu alcance de poder destrutivo. Ela teria uma função de mudança de potência cuja regulagem mais baixa seria de apenas 2% da bomba despejada em Hiroshima em 1945.

Precisão pode incentivar uso, alertam cientistas

O plano parecia razoável, disseram os críticos, até que se prestou atenção na nova seção da cauda da bomba e suas aletas manobráveis. A Federação de Cientistas Americanos, um grupo de pesquisas de Washington, afirmou que a alta precisão e o baixo poder destrutivo significam que os comandantes militares poderiam pressionar para usar a bomba em um ataque, sabendo que as consequências radiativas e os danos colaterais seriam limitados.

No ano passado, Cartwright repetiu essa tese no programa "NewsHour", da PBS. Ele tem enorme credibilidade em círculos nucleares: foi chefe do Comando Estratégico dos Estados Unidos, que tem autoridade militar sobre as armas nucleares do país, antes de servir como vice-presidente do Estado Maior Conjunto.

Em uma recente entrevista em seu escritório no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, Cartwright disse que o plano de modernização como um todo poderia mudar como os comandantes militares veem o risco de usar armas nucleares. "E se eu der precisão real a essas armas?", perguntou ele. "Isso as torna mais utilizáveis? Pode ser."

Em uma entrevista, James N. Miller, que ajudou a desenvolver o plano de modernização antes de deixar seu cargo de subsecretário da Defesa para políticas em 2014, disse que as armas menores e mais precisas manteriam o fator dissuasivo nuclear do país, enquanto reduziriam os riscos para os civis próximos a alvos militares. 

"Nem todo mundo concorda, mas eu acho que é a maneira certa de proceder", afirmou Miller. "Minimizar as baixas civis se a dissuasão falhar é uma abordagem ao mesmo tempo mais verossímil e mais ética." Cartwright resumiu a lógica da dissuasão reforçada com uma metáfora de armas: "Torna mais fácil puxar o gatilho, mas menos provável a necessidade de puxar o gatilho".

Integrantes do governo costumam salientar os aspectos benignos do plano de modernização. Diante de aliados preocupados, Madelyn R. Creedon, uma vice-administradora do Departamento de Energia, afirmou em outubro de 2015 que os esforços "não estão fornecendo novas capacidades militares", mas simplesmente substituindo fios, baterias, plásticos e outros materiais vencidos.

"O que estamos fazendo é apenas pegar esses velhos sistemas, trocar suas peças e garantir que eles podem sobreviver", disse ela.

Potencial destrutivo da bomba H supera o da bomba de Hiroshima

AFP