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Afeganistão usa antiga base dos EUA para tratar usuários de heroína

Bryan Denton/The New York Times
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Rod Nordland e Jawad Sukhanyar

Em Camp Phoenix (Afeganistão)

18/01/2016 06h00

As pontes que atravessam o rio Cabul, no centro da capital do Afeganistão, há muito tempo abrigam seu próprio inferno. Por muitos anos, centenas de viciados em heroína viveram debaixo delas, nas margens cobertas de agulhas usadas que se quebravam sob os sapatos --tão vazias quanto as inúmeras propostas de financiamento que nunca produziram soluções no país.

Quando surgiram relatos, no final de 2014, de que os acampamentos de viciados tinham se tornado um espetáculo público macabro --os moradores de Cabul se enfileiravam nos parapeitos para ver os usuários--, o governo do presidente Ashraf Ghani disse que as autoridades transfeririam os moradores da ponte para uma antiga base militar construída pelos Estados Unidos em 2003, mas que só foi entregue ao governo quando as tropas dos EUA se retiraram em 2014. Demorou mais de um ano para isso acontecer, mas nas últimas duas semanas o governo vem cumprindo sua promessa, limpando as margens dos rios sob as pontes e transferindo os usuários, muitos deles sem-teto, para a reabilitação obrigatória na base de Camp Phoenix, na periferia da cidade. Antes a maior base militar em uma capital cheia delas, Camp Phoenix se tornou o maior centro de tratamento para drogas do Afeganistão.

Até as pessoas que administram o centro admitem que o local é apenas um pequeno passo para lidar com a crescente crise de drogas no país. E os críticos da iniciativa dizem que tudo o que o programa faz é esconder o imenso problema de drogas longe das vistas do público, atrás dos muros de três metros de altura da base.

O Afeganistão é o maior produtor de ópio do mundo, e há evidências de que problema de drogas do país é pior do que os funcionários do governo reconhecem, alimentado pela heroína barata e amplamente disponível. De acordo com um relatório do Escritório das Nações Unidas para as Drogas e o Crime, divulgado no mês passado, 12,6% dos adultos afegãos são usuários de drogas, o dobro da taxa mundial, e as estimativas dizem que os centros de tratamento atingem apenas 10% dos usuários de ópio e heroína.

A questão da infecção pelo HIV também é delicada aqui.

A ligação entre o uso de drogas sob as pontes Cabul e o HIV se tornou um aspecto bastante noticiado da iniciativa. Em 2 de janeiro, o ministro da saúde Ferozuddin Feroz estava liderando uma operação noturna quando foi atacado debaixo de uma ponte por alguém brandindo uma seringa suja. O diretor de relações públicas do ministério, Mohammad Ismail Kawusi, sugeriu que foi um ataque planejado por traficantes descontentes com a operação de limpeza.

Kawusi insistiu que não havia nenhuma verdade nas reportagens afegãs que informaram que Feroz estava sendo tratado para HIV na Índia após o ataque, e disse que o ministro tinha ido para a Índia apenas para assistir a um jogo da seleção afegã de futebol. “O ministro fez um teste de HIV aqui no país e também tomou todos os outros medicamentos de prevenção para o HIV”, disse Kawusi.

Até agora, 600 pessoas foram alojadas no Centro de Tratamento e Reabilitação, como é chamado oficialmente pelo governo, embora todos ainda usem o nome antigo da base, Phoenix (Fênix, em português), escolhido quando ela ainda era o centro da iniciativa para treinar as forças de segurança afegãs, e trazendo-a de volta das cinzas da era do Taleban. A esposa do presidente, Rula Ghani, propôs rebatizar o local de Acampamento Esperança, mas até agora isso não aconteceu.

A maioria dos ex-moradores da ponte chegaram pacificamente, atraídos pela perspectiva de um local quente para morar, três refeições por dia e alguns tratamentos médicos. Além disso, a polícia havia expulsado os traficantes de drogas das margens do rio, de modo que eles estavam sem fornecedores.

Um morador, Mujtaba, 25, de Ghazni, disse que foi viciado em heroína por uma década, desde que seu pai abandonou a família. Ele disse que estava feliz por ter saído das margens do rio, e elogiou a comida e os cuidados médicos do centro. Sua maior reclamação é o tédio.

“Eu sinto muita falta do mundo lá fora porque aqui não tem nada para fazer --não tem TV, nem baralho para jogar”, disse ele. Os visitantes são proibidos para garantir que não haja contrabando de drogas, e os muros de fortaleza da antiga base isolam os moradores do resto da cidade.

No seu auge, Camp Phoenix alojava cerca de dez mil soldados e combatentes contratados. A base movimentada nunca ficou sem televisão, especialmente as de tela grande, e tinha muitas unidades de recreação e academias. Mas tudo isso já se foi. Ao lado da base, na rua Jalalabad, há centenas de esteiras para caminhar empilhadas, num cemitério de esteiras, à espera de compradores.

Camp Phoenix já foi considerado o alvo mais frequente dos homens-bomba do Taleban em Cabul, mas ninguém jamais conseguiu entrar no perímetro. Agora, um frágil portão de metal na entrada é tudo o que resta da forte segurança de antigamente.

Muitos dos novos moradores da base se queixam de terem sido obrigados a se mudar para o centro de reabilitação.

“Estou com fome e com dor, então não estou feliz de estar aqui”, disse Sayed Mirwais, 42, que foi viciado durante a maior parte de sua vida adulta. “Eles nos agrediram e nos trouxeram aqui à força.”

Poucos usuários de heroína disseram ter esperança de evitar as recaídas.

Depois de uma estada máxima de 180 dias, os moradores serão liberados, disse o Dr. Wakil Qayomi, vice-diretor do centro. “Eles ficarão saudáveis nesse período. Mas o maior problema do país é o desemprego, então uma vez que forem liberados, não temos um bom programa para ajudá-los lá fora, e muitos deles vão recorrer ao uso de drogas, infelizmente”, disse Qayomi.

Por enquanto, o novo centro de tratamento terá 1.500 leitos, mas Qayomi espera que o Ministério da Saúde aumente o número de pacientes que o centro atende.

“Trazer tantos viciados para o centro em um curto período de tempo já é um grande sucesso”, disse ele. “É um bom começo.”