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Após uma missão fatal, a morte de um Seal no Afeganistão

Job Price e sua irmã, Bronwyn De Maso, em foto divulgada pelo pai dos dois - The New York Times
Job Price e sua irmã, Bronwyn De Maso, em foto divulgada pelo pai dos dois Imagem: The New York Times

Nicholas Kulish e Christopher Drew*

21/01/2016 06h01

Era sua última noite na missão no Afeganistão, que seus homens já chamavam de amaldiçoada.

O comandante Job W. Price tinha assinado o relatório final sobre a morte por emboscada de um membro da força de Seals da Marinha. Sua equipe tinha concluído um plano para entregar os postos militares norte-americanos para seus parceiros afegãos, e Price tinha feito um agradecimento extraordinariamente emotivo à sua equipe por seus serviços.

Naquela noite, 21 de dezembro de 2012, seu assistente de ordens viu a pistola Sig Sauer do comandante sobre sua mesa, algo que nunca tinha ocorrido. Quando Price voltou para o seu quarto, a fotografia de sua filha de nove anos sumiu de sua mesa. No bolso de sua calça, estava um relatório sobre a recente morte de uma menina afegã em uma explosão perto de uma base norte-americana.

Quando Price, líder de 42 anos da Equipe Seal 4, não apareceu para uma reunião na manhã seguinte com um general afegão, seus homens o procuraram no refeitório, nos chuveiros e, finalmente, ao longo da fileira de camas chamada de Quilômetro Verde. Em seu quarto, encontraram-no deitado em seu saco de dormir, com a pistola na mão, uma poça de sangue debaixo da cama.

Sua morte foi um choque: o suicídio é raro entre os Seals, incomum em missões em zonas de guerra e sem precedentes para um oficial Seal respeitado. Ele se tornou o último Seal a morrer no Afeganistão.

Afeganistão perfil - The New York Times - The New York Times
Job Price morreu no Afeganistão em 2012
Imagem: The New York Times


Tudo parece ter dado errado na última missão de Price, que começou em setembro. Em pouco tempo, ele perdeu quatro homens --dois Seals e dois soldados do Exército-- sob seu comando.

As relações com os parceiros militares dos EUA no Afeganistão estavam contaminadas pela desconfiança, e o Taleban estava avançando na remota região do Sudeste do Afeganistão, onde as forças de Price estavam operando.

Àquela altura, as esperanças dos EUA de derrotarem o Taleban estavam sumindo, e as ambições militares se concentravam em liberar suas tropas dos combates diários.

Para um comandante das tropas de Operações Especiais de elite, cujos colegas da Equipe Seal 6 tinham sido celebrados pelo sucesso em missões ousadas, como matar Osama bin Laden e resgatar o capitão Richard Phillips de piratas somalis sem nenhuma baixa, a carga do Afeganistão pode ter sido especialmente pesada.

Em uma era de ataques aéreos de longa distância e de relutância em comprometer tropas norte-americanas com operações em terra, a demanda por uma guerra antisséptica já vinha resultando em uma pressão crescente sobre os oficiais para que não perdessem homens em combate.

Price confidenciara que, pouco antes de sua equipe ser enviada ao Afeganistão, seu superior havia pedido que trouxesse todos de volta para casa. Segundo a Marinha, o oficial, capitão Robert E. Smith, normalmente dava essa orientação aos seus líderes de equipe, mas, com os EUA se retirando, outros oficiais militares estavam incitando seus homens a exercerem maior cautela, disseram muitos deles.

“Os comandantes não julgam mais o sucesso das missões com base nos padrões antigos de inimigos mortos em campo de batalha, mas pelo número de baixas sofridas em seu próprio pessoal”, disse o capitão Milton J. Sands, um ex-comandante Seal, aos agentes que investigam a morte de Price, seu amigo.

Price não deixou nota ou explicação alguma. Especialistas em saúde mental advertem que, muitas vezes, é impossível saber definitivamente o que motivou um suicídio.

Agentes do Serviço de Investigação Criminal Naval entrevistaram dezenas de assessores, amigos e parentes durante um ano e meio, antes de um conselho da Marinha concluir que Price tinha se matado.

Um ex-Seal ligou para os investigadores para sugerir que o comandante pode ter sido assassinado, e alguns colegas e amigos, surpresos com o fato de ninguém ter ouvido o tiro, continuam desconfiados. Sua família ainda se esforça para entender como Price, cujo nome é uma homenagem ao homem bíblico de fé que superou as adversidades, poderia tirar sua própria vida.

Pai - Mark Makela/The New York Times - Mark Makela/The New York Times
Harry Price segura foto de seu filho, Job, em Pottstown, Pensilvânia (EUA)
Imagem: Mark Makela/The New York Times


“Não consigo ver meu filho agindo dessa forma: nenhuma nota, nenhum e-mail, não há mensagens de telefone, nada que conduza a isso”, disse seu pai, Harry Price, em entrevista.

Em sua casa em Pottstown, Pensilvânia, Harry Price está cercado de fotos do filho: quando menino, com máscara de mergulho e pés-de-pato na banheira; como atleta de luta e jogador de futebol de destaque no ensino médio e como jovem Seal camuflado, empunhando uma arma.

Entretanto, aqueles que o viram de perto no Afeganistão ofereceram um retrato íntimo de um líder perfeccionista desmontando à plena vista.

Aparentemente sobrecarregado pelo ambiente imprevisível que havia custado a vida de seus homens, ele se tornou retraído; estava enfraquecido pela falta de sono e uma infecção persistente.

Seus assessores disseram que tentaram intervir, que ficavam preocupados em vê-lo por horas olhando para o vazio, sua súbita dificuldade de tomar decisões e sua aversão ao risco.

Price “tinha um olhar de derrota”, disse seu assessor em assuntos tribais afegãos aos investigadores. “Eu me perguntava se ele estava a ponto de quebrar.”

Ele havia dito a uma pessoa próxima, que falou sob condição de anonimato por temer ser condenada ao ostracismo por parte da coesa comunidade Seal, que o cargo de comandante da equipe era a posição mais solitária que ele já havia ocupado. Ele não se sentia à vontade para conversar com os homens acima ou abaixo dele, por medo de parecer fraco.

Vários colegas viram a morte de Price como uma advertência sobre como os homens são triturados por tantos anos de batalha.

Afeganistão corredor - The New York Times - The New York Times
Corredor dos dormitórios da base de Operações Especiais onde o corpo de Price foi encontrado, em seu quarto, no Afeganistão
Imagem: The New York Times

“Nós gostamos de nos ver como ‘os caras mais resistentes do mundo’”, disse Tom Chaby, um capitão Seal reformado que chefiou uma iniciativa do Comando de Operações Especiais dos EUA para incentivar seus homens a procurarem ajuda ao sofrerem de problemas de saúde mental.

Mas, “quando você está em guerra, 11 anos no trabalho, ficamos todos combalidos”, acrescentou.

O almirante reformado Edward G. Winters 3º, que chefiou o Comando Especial de Guerra Naval até 2011, disse que é difícil prever como oficiais vão reagir ao perder pessoas sob seu comando. Ele disse que oficiais que conheciam Price haviam relatado que ele se culpava pela morte de seus homens.

“Você se dá conta que homens perderam suas vidas”, e que, ao nos retirarmos antes do previsto, “vamos deixar o lugar pior do que quando chegamos lá”, disse Winters.

*Matthew Rosenberg e Serge F. Kovaleski contribuíram com a reportagem; Kitty Bennett contribuiu com pesquisas