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Análise: Obama abriu caminho para os candidatos novatos que se destacam hoje

Bernie Sanders, Ted Cruz e Donald Trump, os "outsiders" na corrida pela Casa Branca - Montagem Reuters/Getty Images/AFP
Bernie Sanders, Ted Cruz e Donald Trump, os "outsiders" na corrida pela Casa Branca Imagem: Montagem Reuters/Getty Images/AFP

Carl Hulse

Em Washington (EUA)

03/02/2016 06h00

Já que os novos candidatos à Casa Branca, que não pertencem ao establishment, estão super na moda, considere este: pouca experiência no Executivo, um rápido período em cargo federal, disposição ousada -ou mesmo arrogante- para desafiar políticos muito mais tarimbados, uma plataforma ambiciosa com poucas realizações para sustentá-la e uma minoria no Congresso.

Ted Cruz? Não... Esse candidato "outsider" já está na Casa Branca: Barack Obama, um presidente com dois mandatos que mudou o modo como os americanos e os candidatos pensam sobre as qualificações e a experiência necessárias para ser presidente.

Como jovem senador em 2006, Obama foi instigado por aliados a concorrer para presidente justamente porque tinha passado tão pouco tempo em Washington que não havia formado um histórico legislativo ou conquistado a imagem de "insider" que poderia ser um fator negativo, como Hillary Clinton, por exemplo.

"Era quase uma desvantagem ter alguma experiência ou laços com Washington", disse Tom Daschle, o ex-senador democrata pela Dakota do Sul que foi um dos que encorajaram Obama a se candidatar antes que fosse tarde demais.

É difícil imaginar Cruz e seus colegas senadores republicanos Marco Rubio e Rand Paul concorrendo com credibilidade se não fosse pelo sucesso de Obama. Todos estão em seu primeiro mandato, e Cruz, como fez Obama antes dele, anunciou sua candidatura à Casa Branca depois de menos de três anos no Senado. Nenhum dos três republicanos chefiou uma comissão, e todos passaram a maior parte de seu tempo no Senado no partido minoritário.

Quanto a seu próprio partido, Obama sem dúvida também abriu caminho para o senador Bernie Sanders, de Vermont, um socialista que monta uma aposta progressista para abalar o "status quo" na capital do país e conta fortemente com sua atração entre os eleitores jovens, que pouco se interessam por apoiar o que consideram as maneiras antiquadas de Washington.

Antes da vitóriade Obama, o ingresso para uma nomeação presidencial do partido desde John F. Kennedy havia sido um pedigree nacional bem temperado ou um período em uma mansão de governador. Vejam Lyndon B. Johnson, Richard Nixon, Jimmy Carter, Ronald Reagan, os dois Georges Bush e Bill Clinton. Obama, então, é claramente o forasteiro nessa lista em termos de experiência legislativa ou executiva.

Os perdedores em algumas dessas disputas foram ainda mais notáveis por seus currículos em Washington: o vice-presidente Hubert H. Humphrey, um ex-senador; o senador George McGovern; Walter Mondale, um ex-vice-presidente e senador; Bob Dole, um ex-líder da maioria no Senado; o vice-presidente Al Gore, um ex-senador; os senadores John Kerry e John McCain. Ambos os partidos claramente consideravam essencial a força de gravidade de Washington.

A candidatura de Obama também salientou outro elemento da política presidencial que é extremamente óbvia na campanha atual --a celebridade. Embora fosse um novato no Senado, com influência limitada na instituição, ele foi o candidato mais procurado na trilha da campanha, atraindo multidõesávidas por uma cara nova.

Desnecessário dizer que o atual candidato-celebridade é Donald Trump, um astro da TV-realidade que nunca deu um voto em um órgão legislativo, o que lhe dá proteção definitiva contra qualquer um que o tente derrotar por suas antigas posições políticas. Trump está se construindo sobre o modelo Obama de certa maneira, mas chegando a ele de uma direção totalmente diferente, mais alimentada pela raiva do que pela esperança.

Obama foi uma máquina de levantar fundos, atraindo centenas de milhões de dólares de fora do partido, o que o manteve livre de fidelidades e obrigações partidárias convencionais. Já no cargo, conservou sua posição de "outsider" em grande medida, mantendo distância do Congresso e não se envolvendo no tipo de efusividade de Washington que no passado foi considerada importante para aprovar iniciativas na Câmara e no Senado.

Os legisladores o consideravam distante, impressão que a equipe da Casa Branca às vezes tentava dissipar colocando deputados no Air Force One ou fazendo-os jogar uma partida de golfe com o presidente.

Com menos de um ano no cargo, alguns na Casa Branca hoje se perguntam se teria sido melhor deixá-lo abraçar totalmente seu comportamento de forasteiro, deixar Obama ser Obama desde o início e abandonar qualquer pretensão de azeitar o pessoal do Capitólio ou fazer o jogo de Washington.

Alguns que estavam com ele na época dizem que teria sido arriscado. Os tempos eram muito instáveis, com a crise econômica e duas guerras para terminar, e Obama já era considerado uma criatura política tão diferente que tornar-se um completo "outsider" poderia ter abalado o público.

"É fácil dizer hoje que deveríamos ter feito isso desde o início", afirmou David Axelrod, que foi o principal assessor político do presidente. "Mas na época, dada a fragilidade da economia e do país, você já se sentia andando sobre ovos. As pessoas procuravam estabilidade."

Recentemente, porém, o presidente demonstrou maior inclinação a dizer às pessoas o que ele realmente pensa. Seu discurso sobre o Estado da União foi uma longa lista de onde ele acha que os republicanos --e alguns democratas-- estão errados sobre questões que vão da imigração à economia ao funcionamento da democracia. Sua declaração de que o Estado Islâmico "não ameaça nossa existência nacional", enquanto os republicanos faziam sucesso entre os eleitores preocupados com a segurança nacional, foi mais um exemplo da disposição do presidente a romper convenções.

"Acho que o que vocês têm visto nos últimos dois anos é ele se libertando do peso de disputar sua própria eleição ou a de qualquer outra pessoa", explicou Axelrod.

Com o início da votação nas primárias presidenciais para substituí-lo, os resultados afinal mostrarão se este presidente "outsider" abriu caminho para outro, ou se os eleitores temerosos ainda valorizam a experiência. 

 

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AFP