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Estado dos EUA quer que transgênero use banheiro correspondente ao sexo de nascença

Mitch Smith

Em Sioux Falls, Dakota do Sul (EUA)

27/02/2016 06h00

Para Thomas Lewis, um aluno do último ano do ensino médio que toca trombeta na banda marcial e trabalha à noite em um mercado, o debate contencioso de Dakota do Sul em torno dos direitos dos transgêneros é pessoal.

Lewis, 18 anos, que se assumiu como transgênero no ano passado, tem se manifestado contra um projeto de lei que proibiria os alunos de escolas públicas de usarem um banheiro ou vestiário destinados a um sexo diferente daquele de seu nascimento. Se o projeto de lei for sancionado pelo governador Dennis Daugaard, um republicano, isso tornaria Dakota do Sul o primeiro Estado a impor uma lei como essa.

Os defensores da legislação dizem que isso ajudaria a proteger as crianças e assegurar a privacidade de todos, mas sua aprovação inseriu a Dakota do Sul no centro de um debate nacional sobre os direitos dos transgêneros e o acesso deles a banheiros e vestiários.

O projeto está entre os vários projetos de lei dedicados aos direitos dos transgêneros que estão sendo apresentados por legisladores conservadores deste e de outros Estados. Outro projeto de lei de Dakota do Sul, que foi engavetado nesta semana, obrigaria os órgãos públicos a aceitarem apenas a informação da certidão de nascimento, na prática impedindo o reconhecimento legal de mudanças de sexo.

Transgênero na Dakota do Sul - Brian Lehmann/The New York Times - Brian Lehmann/The New York Times
Thomas Lewis
Imagem: Brian Lehmann/The New York Times
Lewis disse que a legislação do banheiro, que foi aprovada pelo Legislativo de Dakota do Sul na semana passada, "cria mais estigma", aumenta o risco de bullying e envia uma mensagem aos estudantes transgêneros: "Você é tão diferente, de uma forma ruim, que precisa de seu próprio banheiro, seu próprio vestiário, seu próprio chuveiro".

O deputado estadual Fred Deutsch, o republicano que apresentou o projeto de lei, disse que ele visa "proteger a inocência das crianças".

"Como protegermos suas mentes, corações e olhos enquanto estão se banhando e se trocando?" disse Deutsch, um ex-membro do conselho escolar do nordeste de Dakota do Sul.

Em Houston, os eleitores rejeitaram no ano passado uma portaria antidiscriminação que incluía as pessoas transgênero, depois que os oponentes fizeram uso da mensagem "Nada de Homens nos Banheiros das Mulheres". No Missouri, estudantes colegiais protestaram no ano passado quando uma garota transgênero pediu para usar o vestiário e banheiro femininos.

Distritos escolares individuais em locais como a Califórnia e Illinois adotaram regras que impedem estudantes transgênero de usar os banheiros correspondentes à sua identidade de gênero. As autoridades federais intervieram e ameaçaram cortar fundos federais para educação, com base na lei federal Título 9º, dos distritos que não permitissem os estudantes transgênero de usar seus banheiros e vestiários preferidos, apesar de alguns conservadores terem questionado a interpretação da lei pelo governo.

A legislação de Dakota do Sul parece colocar o Estado em conflito com a interpretação pelo governo Obama da lei federal que proíbe a discriminação com base em sexo em qualquer programa educacional ou atividade que receba fundos federais. Lewis disse na semana passada que provavelmente continuaria usando o banheiro masculino da escola mesmo que Daugaard venha a sancionar a lei. Mesmo defensores da legislação reconhecem que os distritos escolares provavelmente serão processados caso a lei entre em vigor.

"Esse projeto vai colocar as escolas em uma situação muito difícil, pois terão que decidir se cumprem a lei federal ou seguem o que o Estado está ordenando", disse Heather Smith, diretor-executivo da União Americana pelas Liberdades Civis de Dakota do Sul, que é contrária à lei.

Deutsch, o deputado autor da lei, disse desconhecer grandes disputas em torno de acesso de transgêneros ao banheiro em seu Estado e reconheceu que o projeto de lei é "totalmente preventivo". Mas sugeriu que a não aprovação também poderia levar a processos, e que "em um pequeno Estado rural como este, haveria ultraje entre os alunos" se um jovem transgênero tivesse pleno acesso ao chuveiro e vestiário.

O projeto de lei conta o com apoio da Fundação Heritage, um grupo de pesquisa conservador com sede em Washington, e dos bispos católicos romanos de Dakota do Sul.

"O ensinamento da Igreja Católica é claro: o gênero da pessoa, homem ou mulher, é determinado por Deus e não uma questão de escolha pessoal", disseram os bispos em uma declaração no mês passado. Eles acrescentaram que o projeto de lei respeitaria a "dignidade inata de todas as pessoas em nossas escolas".

Deutsch disse que se sente mal "pelas crianças transgênero se sentirem sitiadas" e notou que seu projeto de lei permite que os estudantes transgênero requisitem uma acomodação separada caso não queiram usar o banheiro correspondente ao seu sexo de nascença.

Lewis disse que o ônus era dos outros de aceitarem sua identidade como homem em vez dele ter que se conformar com as expectativas deles, notando que as divisórias com portas trancadas já asseguram uma camada de privacidade. "Não são os banheiros que precisam mudar", ele disse, "mas sim as pessoas".

Em Watertown, os estudantes colegiais reuniram mais de 200 assinaturas para uma petição dizendo que o projeto de lei do banheiro era discriminatório e deveria ser rejeitado. E na Reserva Indígena de Rosebud, onde o senador estadual Troy Heinert já lecionou na escola primária, este disse que uma menina transgênero cursou a escola anos atrás sem qualquer problema.

"Os pais disseram: 'Ele se veste como menina, vive como menina e brinca com meninas'", lembrou Heinert, um democrata que votou contra a lei. "Nós fizemos alguns ajustes em nossa escola. Ninguém se importou. Todos sabiam. Não fizemos uma tempestade em copo d'água."

No vizinho Iowa, um projeto de lei em tramitação estenderia as proteções contra crime de ódio aos transgêneros. E em Minnesota, as proteções antidiscriminação foram estendidas aostransgêneros há mais de 20 anos.

O projeto de lei de Dakota do Sul chamou atenção nacional dos defensores dos transgêneros, alguns dos quais postaram críticas ao projeto de lei e ameaçaram boicote ao turismo nas redes sociais, com o hashtag "#HiFromSD", que era usado para promover visitas ao Estado.

Sarah Warbelow, diretora legal da Campanha de Direitos Humanos, que promove os direitos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, disse que projetos de lei como esse fazem parte da reação contra as vitórias dos defensores de direitos em questões como o casamento de mesmo sexo.

"Por muito tempo, muitas pessoas aceitavam que tinham o direito de discriminar contra os transgêneros", disse Warbelow. "Essa é uma reação à aplicação da lei. Também é um reflexo de um melhor entendimento de que as pessoas trans existem."

O governador Daugaard, cujo gabinete disse que ele ainda não decidiu se sancionará a lei, foi citado recentemente pela mídia de notícias local como tendo dito não estar ciente de já ter encontrado uma pessoa transgênero. Após ler esse comentário, Kendra Heathscott, uma mulher transgênero de Sioux Falls, escreveu uma carta ao maior jornal do Estado, "The Argus Leader", dizendo que conheceu o governador quando era criança. Heathscott lembrou de Daugaard como um homem gentil e inclusivo, pedindo a ele que vetasse o projeto de lei.

Defensores dos direitos dos transgêneros, incluindo Lewis e Heathscott, se encontraram com Daugaard na terça-feira. Ele disse aos repórteres que viu "as coisas pelos olhos deles" naquele encontro e que continuará estudando o assunto.

Lewis disse que Daugaard prestou atenção no que disseram e fez perguntas, apesar de ter dito que o governo não indicou o que faria com o projeto de lei. Ele chegou à mesa do governador na terça-feira, disse uma porta-voz, e ele tem poucos dias para tomar uma decisão.