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Na Cidade do México, comediantes punem infratores com humilhação pública

Arturo Hernandez (esq) e Alex Marin y Kall, do grupo de ativistas comediantes Supercívicos, na Cidade do México - Adriana Zehbrauskas/The New York Times
Arturo Hernandez (esq) e Alex Marin y Kall, do grupo de ativistas comediantes Supercívicos, na Cidade do México Imagem: Adriana Zehbrauskas/The New York Times

Azam Ahmed e Paulina Villegas

Na Cidade do México

05/03/2016 06h01

Seguindo a dica de uma moradora incomodada, dois comediantes vestidos de "drag queens" enfrentaram policiais de trânsito em plena luz do dia.

A dupla queria saber por que os policiais, que aplicam tão rigidamente as regras de estacionamento, nunca haviam feito sequer uma advertência ao vendedor de frutas cujo carro, um Ford Explorer decadente, ficava estacionado ilegalmente o dia inteiro, todos os dias, no bairro de Polanco, habitado pela classe alta.

"Aparentemente, esse carro é protegido pelo deus das frutas", gritou Arturo Hernández, fundador dos Supercívicos, um grupo ativista de comediantes cuja missão é causar vergonha aos maus atores da sociedade mexicana com um humor punitivo. "Vejam, temos aqui uma corrupção saudável", disse ele.

Os atores, acompanhados por uma equipe de filmagem, tinham toda a intenção de fazer uma cena. Uma das policiais riu em resposta, até que foi lembrada de que o vídeo seria publicado na rede e assistido por muita gente --quase 200 mil pessoas na última contagem.

"Não me diga isso", respondeu ela, baixando a cabeça.

O mau comportamento no México com frequência fica impune, como em muitos lugares. No exemplo mais sério disso, alguns estimam que 98% dos assassinatos no país não são solucionados.

Outras infrações menores, como estacionamento ilegal, recusar-se a jogar fora o lixo e distúrbios públicos, são geralmente suportados com uma admirável tranquilidade.

Mas um grupo de mexicanos está adotando uma nova maneira de aplicar o frágil Estado de direito: a execração pública.

Representados pelos Supercívicos, uma variedade de moradores, ativistas e até autoridades do governo adotaram o hábito de causar vergonha aos que estacionam ilegalmente, policiais corruptos e cidadãos que muitas vezes não são punidos pelo mau comportamento.

Um ex-prefeito do Estado de Nuevo León ergueu um outdoor com o rosto e o nome de um morador que se recusou a tirar seu lixo mesmo depois que foi multado três vezes. Com a intenção de parecer uma foto de ficha policial, o cartaz referia-se ao homem como um "cochino", ou porco. A publicidade prosseguia explicando que a cidade remove 25 toneladas de lixo diariamente.

O ex-prefeito foi punido pela Comissão de Direitos Humanos do Estado e obrigado a remover o outdoor.

"Eles falam em respeitar os direitos das pessoas, mas eu lhes pergunto: 'E os direitos coletivos de ter uma cidade limpa?'", perguntou o ex-prefeito, Pedro Salgado.

No final do mês passado, veio à tona um vídeo gravado por um administrador urbano ativista que mostrava o chefe de Gabinete do presidente Enrique Peña Nieto chegando a uma academia na Cidade do México, enquanto seus guarda-costas estacionavam ilegalmente diante do prédio.

26.fev.2016 - Arturo Hernandez (esq) e Alex Marin y Kall, do grupo de ativistas comediantes Supercívicos, na Cidade do México - Adriana Zehbrauskas/The New York Times - Adriana Zehbrauskas/The New York Times
Imagem: Adriana Zehbrauskas/The New York Times

O aplicativo de vídeo com o qual foi postado, Periscope, tornou-se tão predominante que a Comissão de Direitos Humanos recentemente sugeriu que seu uso poderia ser uma violação de direitos.

Os adeptos da execração pública partilham a crença de que, em uma sociedade amplamente tradicional e conservadora, apelar ao mero senso de humilhação é uma maneira efetiva de incentivar as pessoas a acatar as regras.

"É uma mistura de ridicularização e protesto que revela o nível de fadiga da sociedade", disse Lorenzo Meyer, um historiador e analista político. "Mas também encerra a mensagem de que as coisas não são imutáveis. É um chamado de despertar a rebelar-se, agir, manifestar-se."

Para muitos mexicanos, melhorar a vida pública não é motivo para risos. Cartéis de drogas e bandos criminosos dominam partes do país, onde as autoridades desenterraram dezenas de corpos que estavam em valas comuns.

Ainda assim, muitos mexicanos adotam o humor sardônico para reagir aos escândalos, seja a corrupção no Gabinete presidencial ou a fuga do famoso barão das drogas Joaquín (El Chapo) Guzmán.

As redes sociais explodem com memes, postagens no Twitter ou fotos fabricadas para provocar risos, e é essa veia humorística que grupos como os Supercívicos esperam usar.

"O que estamos tentando fazer é confrontar as pessoas com nossa natureza mexicana, nosso 'gene' corrupto, e fazemos isso com comédia", disse Hernández. "Nós confrontamos as situações absurdas que surgem da ausência do Estado de direito com ironia e sarcasmo."

Sentado em um café perto do carro do fruteiro, Hernández ajustou a alça de seu vestido e deu um puxão nas meias pretas. Ele tirou um punhado de aranhas de plástico de um saco, elementos adicionais de sua apresentação.

Em espanhol, a palavra para aranha pode se referir a prostitutas, mulheres vulgares ou as travas para rodas que os fiscais de trânsito da capital usam para imobilizar os veículos infratores. Hernández decidiu que um jogo de palavras valia o trabalho de fantasiar-se e aplicar maquiagem.

Hernández criou os Supercívicos depois que um programa de televisão do qual ele participava foi cancelado. Com uma mistura de comédia e política, ele muitas vezes contestava a situação vigente, o que lhe causou problemas com os produtores.

Os Supercívicos ficaram bem conhecidos nas ruas da capital mexicana por seus esquetes variados. Em um deles, fingiam ser idosos que caíam e se machucavam enquanto tentavam percorrer com cadeiras de rodas as muitas calçadas esburacadas da cidade.

Em outra, eles assediam indivíduos no metrô que ocupam de maneira egoísta assentos reservados a deficientes, proclamando em um megafone que Jesus deve tê-los curado milagrosamente. Às vezes as coisas ficam violentas --recentemente, Hernández levou um soco no rosto de alguém que não gostou de ser filmado. Ele foi agredido novamente esta semana.

"Ridicularizar alguém é a forma mais cruel de castigo social, e também a mais eficaz", disse Alejandro Marín, um cofundador dos Supercívicos que usava um vestido vermelho, sentado ao lado de Hernández no café. "Se você sofrer o trauma de ser exposto e execrado, é muito improvável que burle a mesma regra de novo."

Meia hora depois, ele avistou os guardas de trânsito e correu até o local. Quando as câmeras começaram a gravar, uma multidão estava reunida. Os comediantes colocaram as aranhas plásticas nos veículos, na polícia e neles mesmos.

Eles deram saltos pelo local e também confrontaram o fruteiro, que quase não falou, exceto: "Eu não dou a mínima para isto".

Espiando ao lado, entre as dezenas de curiosos ali reunidos, estava Odette Sandoval. Quando perguntada sobre o que achava da tática dos humoristas, ela deu um sorriso caloroso.

"Fui eu quem lhes deu a dica sobre isto", disse.

Sandoval disse que havia questionado diversas vezes as autoridades de transportes sobre o carro do fruteiro e nunca teve uma resposta. Então ela enviou um e-mail aos Supercívicos, e lá estavam eles, fazendo o que o governo não tinha feito, praticando uma espécie de justiça, disse ela.

"Simplesmente não é justo que eles apliquem regras de maneira seletiva e quando convém", disse ela sobre os policiais, que estavam atarefados tentando escapar das câmeras. "Isso é corrupção, e estou contente que tenha acontecido, para que não façam de novo."