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Veteranos querem que EUA banquem ajuda para infertilidade por ferimento na guerra

Tyler Wilson e sua noiva,  Crystal Black, brincam com cães na neve  - Matthew Staver/The New York Times
Tyler Wilson e sua noiva, Crystal Black, brincam com cães na neve Imagem: Matthew Staver/The New York Times

Denise Grady

06/03/2016 06h00

Durante um tiroteio no Afeganistão em 2005, o cabo do Exército Tyler Wilson levou um tiro e a bala atingiu sua espinha, o deixando paralisado da cintura para baixo.

Desde então, o Departamento de Assuntos de Veteranos lhe fornece atendimento de saúde gratuito, como faz para todos os veteranos que ficaram inválidos enquanto serviam. Mas há uma ausência em sua cobertura que foi como um choque.

Pela lei, o Departamento de Assuntos de Veteranos (ou VA, na sigla em inglês) não pode fornecer fertilização in vitro, nem mesmo para um veterano como Wilson, cuja capacidade de ter filhos foi prejudicada por um ferimento sofrido no cumprimento do dever. Os médicos disseram a ele e sua mulher, Crystal Black, que a fertilização in vitro é a única chance de terem um filho. Cada tentativa custa mais de US$ 12 mil (cerca de R$ 47 mil) e teriam que pagá-la do próprio bolso.

"Obrigado por seu serviço, mas você terá que se virar sozinho com isso", disse Wilson.

Em janeiro, o Pentágono anunciou que começaria a oferecer às tropas a chance de congelar seu esperma ou óvulos, curvando-se à realidade de que milhares de soldados sofrem ferimentos que os deixam incapazes de ter filhos. Mas apesar dessa medida, uma lei de 1992 que proíbe o VA de oferecer fertilização in vitro ainda permanece em vigor, forçando os soldados a pagarem do próprio bolso por tratamento subsequente.

Alguns poucos milhares de veteranos, tanto do sexo masculino quanto feminino, são inférteis devido a ferimentos sofridos em combate ou treinamento. Alguns têm paralisia, alguns têm lesões nos órgãos reprodutivos, alguns apresentam lesões cerebrais que perturbam a secreção dos hormônios necessários para a produção de óvulos ou esperma.

Muitos veteranos ficam desconcertados ao saber que o Departamento de Defesa, que cobre os militares enquanto ainda estão na ativa, fornece tratamento para infertilidade em sete hospitais, sem cobrar daqueles que precisam devido a ferimentos ligados ao serviço. Mas muito poucos soldados feridos estão em posição de tirar proveito desse benefício. Enquanto estão no hospital, eles ainda estão na ativa, até serem reformados ou dispensados das Forças Armadas por problemas de saúde, mas permanecendo em reabilitação ou lutando para se recuperar. Apenas 20 membros do serviço fizeram uso do benefício de fertilização in vitro, segundo funcionários do Departamento de Defesa.

"Naquele momento, você não está pensando em filhos", disse Sherman Gillums Jr., vice-diretor executivo da Veteranos Paralisados da América. "Ter um filho é a menor de suas preocupações. Você nem mesmo sabe como seu corpo vai ficar."

O Departamento de Defesa está "estudando como fornecer tecnologias reprodutivas como fertilização in vitro para um maior número de pessoas", ele disse em uma declaração no final de janeiro, mas a ideia fazia parte de um plano, juntamente com uma licença maternidade mais longa, que se aplica aos membros do serviço ativo, não aos veteranos.

Uma clínica de infertilidade ofereceu a Wilson e Black um desconto, e amigos lançaram um site no GoFundMe para ajudar a pagar pelo tratamento. Mas Black disse: "É muito desgastante quando você precisa levantar uma soma tão grande apenas para tentar ter uma família. Os problemas de infertilidade são 100% resultado dos ferimentos dele em combate".

A senadora Patty Murray, democrata de Washington, está tentando há vários anos mudar a lei. "Trata-se de um procedimento médico amplamente usado e nossos veteranos deveriam ter acesso a ele", ela disse. "Trata-se de uma questão entre o veterano, seu cônjuge e seu médico."

O VA apoiou o projeto de Murray para mudança da lei, desde que dinheiro seja alocado para pagamento do serviço, segundo um depoimento em junho passado ao Comitê de Assuntos de Veteranos do Senado pelo dr. Rajiv Jain, vice-subsecretário assistente do VA.

Quando parecia que o projeto seguiria para votação, Murray o retirou em julho, porque um grupo de republicanos, liderados pelo senador Thom Tillis da Carolina do Norte, acrescentou emendas que, entre outras coisas, proibiriam o VA de trabalhar com a Planned Parenthood e outros grupos que fornecem serviços de fertilidade e realizam abortos. As emendas foram uma reação aos vídeos divulgados por ativistas antiaborto, que acusavam a Planned Parenthood de vender partes dos corpos dos fetos.

Murray prometeu continuar tentando. "Não vou desistir até que isso seja feito", ela disse. "Creio ser essencial que esses homens e mulheres jovens saibam que seu país os apoiará quando voltarem para casa, e que seus sonhos não serão roubados."

Mas para muitos casais, o relógio biológico não para. Murray reconheceu que para alguns, que pediram sua ajuda anos atrás, já é tarde demais.

A sargento do Estado-maior do Exército, Michelle Wager, foi ferida por uma bomba de estrada em Bagdá em 2007. Ela perdeu uma perna e sofreu lesões graves na outra. Ela teve uma vértebra fraturada e lesão cerebral.

"Assim que estava no (centro médico) Walter Reed e meio que consciente, meio que entendendo o que estava se passando, eu percebi que parei de menstruar", disse Wager.

Ela tinha apenas 31 anos e seus ciclos menstruais sempre foram normais, ela disse. Mas os ferimentos aparentemente a lançaram na menopausa, completa com calorões. Inicialmente, os médicos militares a tranquilizaram de que permaneceria fértil. Mas as mudanças a perturbaram e ela buscou tratamento. Os medicamentos prescritos em 2011 trouxeram alguns ciclos irregulares. Um médico lhe disse que se quisesse ter filhos, ela deveria tentar engravidar o mais cedo possível. Mas ela não tinha um companheiro.

"Minha opção era escolher um doador em um livro", ela disse. "Mas não estava preparada para isso."

Posteriormente, ela iniciou um novo relacionamento e engravidou em outubro de 2014. Mas perdeu o bebê.

"Estamos obcecados por ter um bebê desde então", ela disse.

Mas até o momento ela e seu marido não conseguiram. Em uma carta escrita para ajudar a explicar sua condição ao VA, seu ginecologista disse: "Na minha avaliação profissional, a infertilidade dela poderia ser explicada pelos ferimentos traumáticos que ela sofreu enquanto servia no Iraque". Ele disse que a lesão cerebral provavelmente contribuiu para que deixasse de menstruar e que a encaminhou a uma clínica de infertilidade.

Apesar do VA não fornecer fertilização in vitro, Wager disse esperar que ele reconheça sua infertilidade como sendo provocada pelo ferimento em serviço e forneça indenização, que então ela usaria para pagamento do tratamento que precisa.

"Estou estupefata", ela disse. "Estamos meio que no fim da linha aqui, sem saber para onde ir ou o que fazer."

Michelle Wager e seu marido,  Bryan Wager - Matthew Staver/The New York Times - Matthew Staver/The New York Times
Imagem: Matthew Staver/The New York Times

Ela e seu marido estão consultando um especialista em infertilidade, pagando do próprio bolso. A clínica doou uma tentativa de inseminação intrauterina há poucos meses, mas ela fracassou, e o médico disse ao casal que a melhor chance deles, provavelmente a única, seria a fertilização in vitro. Eles não podem pagar por ela e estão considerando tomar um empréstimo em uma financeira que empresta para casais interessados em fertilização in vitro. Ela já está com 40 anos e o tempo está se esgotando.

"Não somos ricos e é um pouco assustador gastar tanto em algo que não é garantido", disse Wager. "Mas também ainda não estamos prontos para desistir."

Em novembro, a Sociedade Americana para Medicina Reprodutiva, um grupo profissional de médicos de fertilidade, chamou a proibição de cobertura pelo VA de "antiquada e injusta", dizendo que muitas das principais clínicas de infertilidade do país ofereceriam atendimento com "grandes descontos" para veteranos com ferimentos relacionados ao serviço que reduziram sua fertilidade.

Kathleen Causey, cujo marido, o sargento Aaron Causey, sofreu um ferimento nos testículos que prejudicou sua fertilidade, chamou os descontos de "maravilhosos e generosos". Mas disse: "Nós não deveríamos depender da gentileza das pessoas para ter filhos. Onde está o apoio do VA? Por que o Congresso não trata do assunto com seriedade?"

Ela acrescentou: "Estamos nesta situação apenas porque ele optou por servir seu país, e agora seu país não está cuidando dele".

Alain Delaqueriere contribuiu com pesquisa