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Opinião: Deixemos de olhar de lado para combater a exploração infantil

Getty Images
Imagem: Getty Images

Nicholas Kristof

11/03/2016 06h00

Nós, como sociedade, desdenhamos da Igreja Católica como cúmplice do abuso sexual de crianças e criticamos a Penn State [Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA] por ofensas semelhantes. Mas enquanto sociedade, somos cúmplices ou passivos de maneira parecida, ao permitir que um popular site da web chamado Backpage.com seja usado para oferecer estupros de crianças.

Veja o que aconteceu com uma menina que chamarei aqui de Natalie, que foi traficada pela indústria sexual de Seattle aos 15 anos. "Foi o pesadelo de todos os pais", disse a mãe de Natalie, Nacole. "Pode acontecer com qualquer pai ou mãe. Os jovens de 15 anos não fazem as melhores opções. Eu a deixei na escola de manhã e devia pegá-la depois do atletismo, à tarde. Mas então não a vi mais por 108 dias."

A garota fugiu para uma estação de ônibus, foi encontrada por um cafetão e em poucos dias estava à venda para sexo no Backpage.

Esse site tem anúncios classificados de tudo, de antiguidades a barcos, mas ganha dinheiro com anúncios de "acompanhantes". Ele detém cerca de 80% do mercado norte-americano de anúncios sexuais nos Estados Unidos, na maioria de adultos que consentem, mas também muitos de mulheres que são oferecidas à força ou de meninas menores de idade. Crianças de pelo menos 47 Estados norte-americanos foram vendidas no Backpage, segundo a contagem de um grupo de ajuda.

"Éramos uma família comum", disse Nacole. "Nossos filhos praticavam esportes. Ela tocava violino. Estava no time de futebol. E um dia tomou a decisão idiota que mudou sua vida para sempre. E o Backpage a ajudou."

A garota afinal foi resgatada pela polícia, mas então já tinha sido espancada, ameaçada por seu cafetão e sofrido inúmeros estupros. "Ela mudou para sempre", disse sua mãe. "Seus irmãos mudaram para sempre. Hoje ela luta com a vida."

Se houvesse um importante site norte-americano vendendo abertamente heroína ou antraz, haveria uma comoção. Mas nós norte-americanos toleramos um site como o Backpage.com, que é usado habitualmente para oferecer crianças. Nós desviamos os olhos, e o assunto tende a não ser tocado pela sociedade educada.

"Eu não tinha ideia de quanto tráfico juvenil acontece, até que minha família foi vítima dele", disse Nacole.

Milhares de crianças são traficadas para sexo todos os anos nos EUA, mas não há números concretos. O que está claro é apenas que é um grande problema que recebe atenção mínima. Essencialmente, nunca é mencionado na atual campanha política.

Mas algumas forças estão se unindo para pressionar o Backpage. Uma delas é uma ação penal no Estado de Washington contra o site por Natalie e duas outras meninas de 13 anos que foram vendidas no Backpage. Uma delas disse que era violentada 20 vezes por dia.

Outra é uma ação decisiva das companhias de cartão de crédito de pararem de processar taxas de anúncios de sexo no Backpage, rompendo seu modelo de negócios.

Depois há a perspectiva de que o Senado aprove este mês uma resolução de Desprezo do Congresso, a primeira do Senado em 21 anos (a última envolveu a investigação de Whitewater), e desta vez é bipartidária e o alvo é o site Backpage. O objetivo é forçá-lo a acatar as intimações do Subcomitê Permanente sobre Investigações do Senado, que está analisando o papel da empresa no tráfico sexual.

O senador republicano Rob Portman, de Ohio, que lidera o painel, disse esperar que o Senado vote na próxima semana a resolução, e não sabe de alguém que planeje votar contra.

Em uma época em que o Congresso parece travado e disfuncional, é bom ver o Senado movendo-se de modo bipartidário para abordar uma questão que afeta os norte-americanos mais vulneráveis.

O subcomitê já revelou informações perturbadoras sobre o Backpage, incluindo o modo como edita anúncios para impedir a investigação da polícia e não reter fotos que poderiam ser usadas para encontrar crianças desaparecidas. E investigadores do Senado descobriram uma instrução para os funcionários do Backpage que parece sugerir que sabiam que meninas eram vendidas: "Só deletar [anúncios] se você tiver absoluta certeza de que a pessoa é menor de idade".

O painel do Senado descobriu que o Backpage valia centenas de milhões de dólares e que em 2014 tinha uma margem Ebtida, uma medida de rentabilidade, de 82%, comparada com uma média de 9,3% das empresas de serviços online.

Yiota Souras, do Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, nota que a questão não é a prostituição adulta ou o sexo entre adultos consensuais: "Isso está totalmente distante do que estamos enfocando aqui, que são crianças vendidas para serem estupradas".

Seja qual for nossa opinião sobre a corrida presidencial, seja qual for nosso partido político, devemos ser capazes de concordar em agir para conter a exploração de crianças. É errado quando a hierarquia da Igreja Católica olha para o outro lado, quando a Penn State desvia o olhar e também quando nós, como sociedade, fazemos o mesmo.