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Após demolição de campo em Calais, imigrantes ficam sem ter para onde ir

Desmonte do campo de refugiados de Calais, na França - Pascal Rossignol/Reuters
Desmonte do campo de refugiados de Calais, na França Imagem: Pascal Rossignol/Reuters

Aurelien Breeden

Em Calais (França)

18/03/2016 06h00

Com motosserras e equipamento pesado, os operários de capacete concluíram o desmonte de parte de um dos mais notórios campos de imigrantes da Europa nesta semana, menos de um mês após uma decisão judicial de que a operação poderia prosseguir.

Dia após dia, policiais da tropa de choque vigiavam a metade sul do campo enquanto as motosserras cortavam os barracos de madeira e retroescavadeiras amontoavam o entulho nas grandes caçambas.

Agora que os imigrantes no sul do campo foram despejados, permanece a pergunta: para onde irão?

"O desmonte de tudo isto é muito bom, mas agora que acabou, o que eles vão fazer?" disse Olivier Marteau, um coordenador de campo da Médicos Sem Fronteira no local.

"Eles vão deixar um cordão de isolamento policial para proteger a área?" ele perguntou em uma tarde recente, antes do término da remoção. "As pessoas não partiram, e quando você vê todas que estão nas fronteiras da Europa, sabe que haverá mais."

Ele acrescentou que as autoridades francesas "querem esconder o problema, mas isso não vai solucioná-lo".

Na quarta-feira, grupos humanitários disseram aos repórteres aqui que 80% dos imigrantes despejados simplesmente se deslocaram para a metade norte do campo.

A principal estratégia do governo é levar de ônibus aqueles que estiverem dispostos para 112 centros espalhados por toda a França. Ele diz que quase 3 mil pessoas já o fizeram desde outubro.

O ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, disse na semana passada, em uma audiência parlamentar, que a maioria dos imigrantes em Calais está qualificada para asilo na França (muitos são afegãos, sudaneses ou iraquianos) e que 80% dos que já foram levados aos centros fizeram oficialmente o pedido de asilo.

Mas muitos dos imigrantes ainda preferem permanecer em seus abrigos improvisados aqui, na esperança de conseguirem seguir clandestinamente para o Reino Unido pelo Túnel do Canal ou por balsas. O imenso campo surgiu inicialmente devido ao grande número de imigrantes que queriam cruzar o Canal da Mancha, e continuou crescendo apesar das medidas das autoridades francesas e britânicas para selar o acesso ao túnel.

Com a proximidade da primavera no Hemisfério Norte, aumenta a perspectiva da chegada de mais imigrantes com esperanças semelhantes de chegar ao Reino Unido, que consideram oferecer melhores oportunidades de trabalho e benefícios.

O governo francês argumenta que as condições no campo frio e lamacento são inaceitáveis, algo que ninguém contesta, e que os imigrantes, caso permaneçam em Calais, devem ser transferidos para instalações aprovadas pelo Estado.

Entre elas estão uma seção fechada do campo, com 125 contêineres adaptados e aquecidos, capazes de abrigar 1.500 pessoas, e um centro que oferece chuveiros e refeições, onde a maioria das mulheres e crianças está abrigada.

Vincent Berton, o vice-prefeito do departamento administrativo Pas-de-Calais, disse que a meta era reduzir a população do campo para cerca de 2 mil pessoas, em comparação às estimadas 4 mil na época da ordem judicial.

"É um objetivo a médio prazo, não imediato", ele disse.

Mas a meta também obrigaria o desmonte da metade norte do campo, onde há restaurantes, barracas de alimentos e lojas, até mesmo um cabeleireiro. Algumas áreas comuns, como escolas e locais de adoração, foram consideradas fora dos limites pelo juiz, mas não está claro o que acontecerá com elas agora que ficaram isoladas.

Não há planos oficiais por ora para expansão da demolição, mas a perspectiva aumenta as preocupações de novas tensões. Ocorreram choques entre imigrantes e policiais no primeiro dia de demolição, que muitos não esperavam que ocorreria de forma tão rápida e à força após a decisão.

Os contêineres adaptados em Calais não são atraentes para alguns imigrantes. Cada um conta com seis beliches, armários de metal, aquecedores, água corrente e tomadas elétricas, mas não há chuveiros e nem opções para cozinhar.

"É melhor ficar do lado de fora do que dentro, porque você está livre", disse Mohammed Ahmad, um sudanês de 30 anos, em frente ao seu barraco de madeira e lona.

Os quase 1.400 imigrantes que vivem nos contêineres podem sair e entrar no local à vontade, mas devem passar por catracas inserindo um código pessoal e colocando sua mão em um dispositivo de escaneamento.

"Todas essas pessoas querem ir para a Inglaterra", disse Stéphane Duval, que dirige o centro de contêineres e o centro para mulheres e crianças. "Se houver dúvida, por menor que seja, de que não conseguirão concretizar seu sonho, eles preferem dormir em péssimas condições do que vir para cá."

Após várias tentativas caras e perigosas de chegar ao Reino Unido, alguns parecem abertos a pedir asilo na França, apesar de o país não ser um destino popular.

"Talvez a França, porque não há chance. Está muito difícil", disse Mikyas Abraham, 20 anos, um eritreu que está vivendo em Calais há três meses.

O pessoal de ajuda humanitária em Calais pediu ao governo para seguir o exemplo de Grande-Synthe, uma cidade próxima de Dunkirk, a cerca de 50 quilômetros costa acima, onde o prefeito adotou a medida sem precedente de autorizar a Médicos Sem Fronteiras a construir um campo de refugiados com espaço para 1.500 pessoas.

O governo francês não apoia o campo em Grande-Synthe e disse que as autoridades impediriam o surgimento de novos campos improvisados.

Mas Maya Konforti, uma voluntária da L'Auberge des Migrants, um grupo que trabalha em Calais, disse que repetidas vezes as autoridades francesas desmontaram campos de imigrantes em Calais ou arredores, apenas para ver o surgimento de novos.

Aram Abdurhman, que disse que tinha 24 anos quando partiu do Curdistão iraquiano para fugir do "desemprego e conflito", observava recentemente enquanto parte do campo em Calais era demolido, três dias após sua chegada.

"Eles disseram que eu tinha que sair", ele disse. "Agora estou procurando por uma nova casa."