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Com chegada de Obama, Cuba endurece contra dissidentes

O dissidente cubano Elizardo Sanchez (esquerda) foi detido antes da chegada do presidente Barack Obama - Reuters
O dissidente cubano Elizardo Sanchez (esquerda) foi detido antes da chegada do presidente Barack Obama Imagem: Reuters

Damien Cave e Julie Hirschfeld Davis

Em Havana (Cuba)

21/03/2016 11h02

O presidente Barack Obama aterrissou em Cuba no último domingo (20), prometendo interagir diretamente com a população cubana e acelerar o envolvimento entre os EUA e a ilha caribenha depois de mais de meio século de hostilidades.

Ele é o primeiro presidente dos EUA em função que a visita em quase nove décadas, e cubanos de todas as convicções políticas aguardavam ansiosamente sua chegada.

Mas horas antes que o Air Force One pousasse no Aeroporto Internacional José Martí os desafios inerentes à normalização das relações com um Estado comunista policial ficaram evidentes.

Dezenas de detenções ocorreram na marcha semanal das Damas de Branco, um importante grupo dissidente.

O protesto, que ocorre quase todos os domingos diante de uma igreja em um bairro de subúrbio, foi amplamente considerado um teste da tolerância de Cuba em relação à dissidência durante a viagem presidencial, e as prisões confirmaram que Havana mantém sua longa história de táticas repressivas, ou mesmo intensifica seu alcance.

Para Obama --que deverá se encontrar nesta terça-feira (22) com dissidentes, incluindo a líder das Damas de Branco, Berta Soler--, as detenções dirigiram um holofote para o principal desafio da visita: como trabalhar com o governo Castro e ao mesmo tempo manifestar preocupação pelo modo como ele trata os direitos humanos e a liberdade de expressão.

"Pensamos que haveria uma trégua, mas não aconteceu", disse Elizardo Sánchez, diretor da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional. Ele comentou que as prisões aconteceram "no momento em que Obama voava para Cuba".

A segurança e o controle são pilares de qualquer país que se prepara para receber o presidente americano. Mas Cuba, país que ainda não decidiu o quanto se abrirá ao mundo --e a sua própria população-- após décadas de isolamento, exagerou nas medidas para impedir surpresas embaraçosas.

A partida de beisebol em que Obama verá a equipe nacional de Cuba jogar contra os Tampa Bay Rays, na terça-feira, é um evento só para convidados, e a maioria dos assentos vai para pessoas ligadas ao governo. Algumas das lojas da Velha Havana perto de onde Obama caminhou na noite de domingo receberam ordem para ficar fechadas. A polícia esteve retirando as prostitutas das boates e os mendigos das ruas.

Sánchez, que é um dos dissidentes que deverão se encontrar com o presidente na terça-feira, disse que nas primeiras duas semanas de março 526 críticos do governo foram detidos. Enquanto os dissidentes são comumente detidos durante algumas horas por imprimir panfletos, realizar ou apenas planejar protestos de rua, ele e outros disseram que a visita de Obama pôs em ação uma campanha mais ampla.

No sábado, o próprio Sánchez foi detido durante três horas e meia no aeroporto de Havana. Ele disse que foi separado de sua mulher, colocado em uma sala fria e sem janelas e informado de que não estava "detido", mas "retido".

"Posso dar um telefonema?", ele disse que perguntou, enquanto as autoridades faziam cópias de todos os documentos em sua bolsa. "Não", foi a resposta.

"O governo está criando um clima de intimidação para a visita de Obama", disse Sánchez, um crítico constante, já grisalho, do governo do presidente Raúl Castro. "Agora o que vemos é a repressão preventiva, para que ninguém pense em dizer nada enquanto Obama estiver aqui."

20.mar.2016 - Policiais femininas prendem uma das integrantes das Damas de Branco, grupo dissidente que luta pela libertação de presos políticos em Cuba, durante protesto em Havana horas antes da chegada de Obama - Rebecca Blackwell/AP - Rebecca Blackwell/AP
Policiais femininas prendem uma das integrantes das Damas de Branco horas antes da chegada de Obama
Imagem: Rebecca Blackwell/AP

Durante décadas, as autoridades cubanas trataram toda interação com os EUA como um teste de soberania, e sua abordagem à visita de Obama é em parte um esforço para projetar competência, confiança e uma nova dedicação a uma amizade equilibrada.

Não importa o que Obama diga sobre liberdade durante sua estada de três dias, o governo cubano deixou claro que os cubanos de todas as ideologias deverão se comportar.

"O governo de Cuba é como um pai", disse Carlos Alzugaray Treto, um ex-diplomata cubano que escreve sobre a dinâmica política do país. "Forte, mas preocupado com a família."

Para os EUA, há sinais mais visíveis de mudança. Outdoors que alguns meses atrás atacavam o imperialismo hoje denunciam a violência contra as mulheres ou a preguiça. E o embelezamento de repente está competindo com a decadência.

Tinta azul fresca reveste o estádio de beisebol. Com um recapeamento apressado, todo o percurso de Obama pela cidade pode ser mapeado pelo cheiro de asfalto novo.

Mas a reação dos cubanos a toda essa melhora não é simplesmente de aprovação: após décadas de um governo que só dava o que queria, sua versão de agradecimento é muitas vezes temperada de sarcasmo.

"Todo mundo quer saber como nós cubanos nos sentimos com a vinda de Obama", disse Yamile Suárez, 36, perto de uma rua recém-asfaltada no centro de Havana. "Francamente, estou contente porque aquele buraco enorme finalmente foi tapado, por isso devo agradecer a ele, obrigada, Obama!"

Controle é o subtexto. Alguns cubanos descrevem os esforços do governo como um desempenho elaborado e previsível. "O governo manipula tudo", disse Sánchez.

Outros países certamente adotam atos semelhantes de encenação e repressão --a China, por exemplo. E José Daniel Ferrer, um ativista de oposição em Santiago de Cuba, a segunda maior cidade da ilha, disse que se a pressão do governo aumentou nos últimos meses foi principalmente em reação ao ativismo mais intenso.

"É a terceira lei de Newton: quanto maiores os atos a favor da democracia, maior a reação repressiva do regime", disse ele.

16.mar.2016 - Funcionário trabalham na reforma do estádio Latinoamericano em Havana (Cuba) - Yamil Lage/AFP - Yamil Lage/AFP
Funcionário trabalham na reforma do estádio Latinoamericano em Havana (Cuba)
Imagem: Yamil Lage/AFP

Vários membros de sua organização foram presos e libertados na última semana, afirmou Ferrer. Ele acrescentou que as autoridades vigiavam sua casa o tempo todo, fazendo-o se perguntar o que acontecerá quando ele sair para a reunião de uma dúzia de dissidentes com Obama na embaixada dos EUA na terça-feira.

Como o governo cubano e os jornalistas reagirão a isso e a outros elementos da visita será observado de perto.

Além do discurso à população cubana na terça-feira, que será transmitido em rede nacional de televisão, não está claro o quanto os cubanos poderão vê-lo ou ouvi-lo.

Um jovem repórter que trabalha para um importante canal de notícias do governo disse que ele e seus colegas foram levados a uma sala duas semanas atrás e lembrados de que qualquer coisa publicada nas redes sociais sobre a visita de Obama resultaria em mais que um simples tapa na mão. Nada de fotos, comentários ou entrevistas à imprensa estrangeira --nem mesmo discussões particulares com amigos.

Alguns jornalistas e estudiosos independentes afirmam que o governo afrouxou as rédeas desde 17 de dezembro de 2014, quando Obama e Castro anunciaram o restabelecimento das relações. Está claro que o fluxo de informações em Havana está crescendo. Pontos de Wi-fi em toda a cidade podem ser localizados facilmente, onde há grupos de jovens cubanos reunidos.

Elaine Díaz, uma jornalista independente em Havana e ex-bolsista Nieman em Harvard, disse que suas reportagens e as de colegas que cobrem questões polêmicas, como a habitação, estão circulando com frequência cada vez maior por e-mail, pen-drives e redes privadas.

"Enfocamos os problemas de Cuba que não têm ver com os EUA", disse ela. "Estamos concentrados no que acontece aqui."

Se isso ou alguma outra coisa levará a uma mudança civil e econômica maior, e quando, é a pergunta que todos os cubanos querem ver respondida.

Sánchez --que passou o fim de semana falando sobre sua detenção com repórteres estrangeiros, que podiam visitar o país, e membros da mídia noticiosa alternativa cubana-- disse que a mudança não dependerá de Obama, mas sim de Fidel Castro, o arquiteto da revolução de 1959, do presidente Raúl Castro, seu irmão, e de suas famílias.

"O que o governo dá, pode tirar em um segundo", disse ele, silenciando um celular em seu bolso. "Precisamos de reformas. Precisamos de leis. É isso que provocará uma mudança de verdade."