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Após funeral e cremação, o choque: a mulher no caixão não era a mamãe

Leroy McDonald, um dos filhos de Val-Jean McDonald, recebeu o telefonema da funerária para contar que a família havia cremado a mulher errada - Edwin J. Torres/The New York Times
Leroy McDonald, um dos filhos de Val-Jean McDonald, recebeu o telefonema da funerária para contar que a família havia cremado a mulher errada Imagem: Edwin J. Torres/The New York Times

Michael Wilson

Em Nova York (EUA)

26/03/2016 06h00

Após uma longa batalha contra um câncer, Val-Jean McDonald, mãe de oito filhos, com mais de 20 netos, quase tantos bisnetos e três trinetos, faleceu em 18 de dezembro aos 81 anos.

O funeral dela, 11 dias depois, atraiu um grande número de pessoas à Igreja Batista União no Harlem: seus filhos, de Manhattan, Nova Jersey, Geórgia, Texas e Austrália; outros parentes e amigos; e pessoas que nunca a conheceram, mas conheciam seus filhos.

Todos passaram pelo caixão aberto, vendo pertences familiares da vida de Val-Jean McDonald: a blusa cor-de-rosa e o casaco branco, suas melhores joias.

"Por que cortaram todo o cabelo dela?" um filho, Errol McDonald, 57, lembrou ter pensado. "Talvez tenha sido por causa do câncer." Ele se curvou e a beijou.

Mas às vezes as crianças veem o que os adultos não conseguem. Os adultos racionalizam. As crianças veem como é.

"Meu filho de 10 anos disse: 'Papai, aquela não é a vovó'", lembrou Errol, um funcionário de manutenção de uma escola em Manhattan. "Isso acontece", ele disse ao filho, explicando que as pessoas podem parecer diferentes na morte.

No dia seguinte, a família esteve presente na cremação de Val-Jean McDonald no Cemitério Woodlawn.

Seis dias se passaram. Então, uma gerente da funerária McCall's Bronxwood no Bronx, que foi responsável pelos arranjos, telefonou para outro dos filhos de Val-Jean, o reverendo Richard McDonald, com uma notícia terrível, ele disse.

"Ela disse: 'Aquele corpo não era o da sua mãe'", Richard McDonald contou em uma entrevista. "'Sua mãe ainda está aqui.'"

A mulher que estava naquele caixão, vista por todas as pessoas, beijada pelos filhos, não era Val-Jean.

Leroy McDonald segura programa do funeral de sua mãe - Edwin J. Torres/The New York Times - Edwin J. Torres/The New York Times
Leroy McDonald segura programa do funeral de sua mãe, que aconteceu no Harlem, em Nova York
Imagem: Edwin J. Torres/The New York Times

A revelação deixou a família McDonald furiosa e incrédula, assim como se questionando duramente: como é que tantas pessoas não reconheceram que a mulher no caixão não era Val-Jean? Como é que seus filhos se convenceram de que aquela estranha era a mãe deles?

E como uma funerária pôde cometer tamanho erro?

Um porta-voz da McCall's, George Arzt, se recusou a discutir detalhes do episódio. "Nós conversamos com as famílias afetadas e reconhecemos nosso profundo pesar", ele disse.

A Divisão de Cemitérios estadual está investigando o caso, disse um porta-voz. O Escritório de Supervisão Funerária estadual está realizando uma análise, disse uma porta-voz.

Vários dos irmãos de Richard McDonald descreveram uma espécie de aceitação coletiva de que apesar da mulher não parecer exatamente como a mãe deles, era plausível de que uma combinação de seu tempo no hospital em respiração artificial e o processo de embalsamento pudessem ter alterado sua aparência. Resumindo, todos viram o que queriam ver, a mãe deles.

"É vergonhoso", disse Richard.

Um terceiro filho, Darryl McDonald, 51, viajou para o funeral de Melbourne, Austrália, onde é técnico de basquete. "Eu disse: 'Rich, essa não parece a mamãe'", ele lembrou. "Ele me disse que ela esteve no hospital por muito tempo. Que permaneceu entubada e tudo mais, que seu rosto poderia ter mudado. E eu disse: 'OK'."

Nenhuma outra teoria parecia plausível. "Você está no funeral", disse Daryl. "Não há como não ser minha mãe. Você nunca pensaria nisso."

Não os adultos, ao menos. Outra das netas de Val-Jean disse naquele dia que a mulher não se parecia com ela, e assim como o filho de Errol, ela foi corrigida.

"A criança diz o que vê", disse Leroy McDonald, 60, um quarto filho. "Um adulto diz: 'Lamento por sua perda'. Quem diria 'Essa não é sua mãe' em um funeral? Isso seria terrível."

Fachada da funerária McCall's Bronxwood, no Harlem - Edwin J. Torres/The New York Times - Edwin J. Torres/The New York Times
Fachada da funerária McCall's Bronxwood que confundiu corpos e fez família cremar mulher errada
Imagem: Edwin J. Torres/The New York Times

Ele pensou nisso quando viu o corpo pela primeira vez. "Quando você olhava de longe, parecia minha mãe", ele disse. "Sabe o que me fez afastar o pensamento? A senhora estava com as roupas da minha mãe."

Mais de 100 pessoas compareceram ao velório antes do funeral naquela noite, e um número ainda maior compareceu à cerimônia realizada por Richard McDonald. Ele disse que a nave da igreja, que pode receber cerca de 200 pessoas, estava lotada, com outras sentadas na parte superior. Várias pessoas, entre as quais ele, falaram, lembrando os anos de serviço de Val-Jean nos Correios e a forma como criou oito meninos em um apartamento lotado no Harlem.

No dia seguinte, os filhos de Val-Jean acompanharam o caixão até Woodlawn, onde foi recebido no crematório. Posteriormente, Richard ficou preocupado de ter esquecido de dizer a oração habitual, "Tu és pó e ao pó da terra retornarás".

Então, em 5 de janeiro, veio o telefonema fatídico. Uma gerente da McCall's entrou em contato com Richard para lhe comunicar o erro.

Foram tiradas fotos de Val-Jean, ainda na funerária, e enviadas por e-mail para ele.

"Essa é a minha mãe", ele respondeu. Ele telefonou para Darryl, que voltaria para a Austrália naquele dia.

"Ele disse: 'Você está sentado?'" lembrou Darryl. "Lembra de quando você disse que aquela não era a mamãe?"

Darryl McDonald seguiu para a McCall's para confirmar a notícia. Sua mãe estava nua em uma mesa de metal, sob um lençol, ele disse.

"A mulher pedia desculpas", ele disse, referindo-se à gerente da funerária. "Ela só percebeu o que aconteceu quando foi procurar a outra senhora."

Os irmãos marcaram outra cremação em Woodlawn em 9 de janeiro. Houve uma breve cerimônia de corpo presente, com Val-Jean em um vestido branco em um caixão semelhante ao primeiro. Quatro membros da família a viram naquele dia.

Fotos lado a lado das duas mulheres em seus caixões sugerem que tinham aproximadamente a mesma idade e tamanho, assim como a mesma tez escura. A família McDonald não soube o nome da outra mulher ou de sua família.

Val-Jean foi cremada em Woodlawn. Richard McDonald se certificou de não esquecer a oração desta vez: "Tu és pó e ao pó da terra retornarás".

O proprietário da McCall's, James H. Alston, se encontrou com um repórter na última terça-feira (22). "Não tenho nenhum comentário a fazer a respeito disso", ele disse. Ele olhou para as fotos das duas mulheres e disse: "Parecem a mesma mulher para mim", mas se recusou a identificar qual foi cremada primeiro.

"Temos um histórico impecável", disse Alston, acrescentando que a McCall's está no ramo há 50 anos. "Temos uma reputação estelar nesta comunidade. Somos conhecidos por nossa atenção, compaixão, profissionalismo e pela qualidade do nosso trabalho."

A família McDonald tinha contado até agora a poucas pessoas sobre o que aconteceu. Leroy McDonald disse que as pessoas para as quais contou reagiram da mesma forma: "Eu sabia!"

Errol ouviu respostas semelhantes, com amigos e parentes lhe dizendo que achavam que algo estava errado, mas, como colocaram, "Eu não quis dizer nada".

Leroy retirou o corpo de Val-Jean na McCall's naquele dia, dizendo antes de partir: "Vocês têm certeza que esta é a minha mãe?"