Topo

Na Ásia, navios de EUA e China vivem em ameaças veladas

Capitão Curt A. Renshaw (sentado), comandante do Chancellorsville, enquanto sua equipe prepara a saída de Sepanggar, na Malásia, para o mar do Sul da China - Bryan Denton/The New York Times
Capitão Curt A. Renshaw (sentado), comandante do Chancellorsville, enquanto sua equipe prepara a saída de Sepanggar, na Malásia, para o mar do Sul da China Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Helene Cooper*

A bordo do USS Chancellorsville, no mar do Sul da China

01/04/2016 06h00

O cruzador da Marinha norte-americana estava em águas disputadas ao largo das ilhas Spratly quando o aviso de perigo soou pelo sistema de comunicação interna do navio: "Preparar equipe Snoopy... Preparar equipe Snoopy".

Enquanto os marinheiros da equipe Snoopy entravam em alerta e assumiam posições por todo o navio, uma fragata da marinha chinesa apareceu no horizonte, seguindo no rumo do cruzador Chancellorsville na semana passada. Vinha da direção do recife Mischief. Mais alarmante, um helicóptero chinês que havia decolado da fragata voava diretamente para o cruzador norte-americano.

"Aqui é um navio de guerra da marinha dos Estados Unidos de prontidão", disse o subtenente Anthony Giancana em seu rádio na ponte do navio, tentando contatar o helicóptero. "Entre na frequência 121.5 ou 243."

Não houve resposta.

Oficial Anthony Giancana envia mensagem à fragata chinesa que acompanhava a embarcação norte-americana Chancellorsville em patrulha no mar do Sul da China - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
Oficial Anthony Giancana envia mensagem à fragata chinesa que acompanhava a embarcação norte-americana Chancellorsville em patrulha no mar do Sul da China
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Aqui nas águas quentes e muito azuis próximas às ilhas Spratly e Paracel, que incluem recifes, bancos de areia e ilhotas de coral, os EUA e a China estão disputando o domínio do oceano Pacífico. Do recife Mischief, onde a China constrói uma base militar, desafiando as reivindicações do Vietnã e das Filipinas, até o baixio de Scarborough, onde os chineses estão construindo e equipando postos avançados em território disputado, distante do continente, as duas forças navais estão em um estado de alerta quase contínuo.

Apesar de o mar do Sul da China se estender por cerca de 500 milhas (ou 800 km) desde o território principal da China, Pequim reivindica a maior parte dele. As tensões aumentaram muito, e o tema deverá dominar a reunião do presidente Barack Obama em Washington, nesta semana, com o presidente chinês, Xi Jinping.

A bordo do Chancellorsville na semana passada, os minutos e a tensão se prolongavam enquanto o piloto do helicóptero chinês se recusava a responder. A aeronave continuou circulando e depois retornou à fragata chinesa, que seguiu na direção do navio norte-americano. No leme, o capitão Curt A. Renshaw, que nem havia tomado banho de manhã para correr até a ponte quando o helicóptero chinês se aproximou, estava reunido com os oficiais.

Na véspera, Renshaw tinha advertido todo o navio pelo comunicador interno de que o cruzador estaria transitando pelas Spratly, e disse aos tripulantes para ficarem em alerta para problemas. Ele esperava que os chineses aparecessem. Nos últimos meses, Pequim havia acompanhado de perto navios de guerra norte-americanos que ousaram entrar no mar do Sul da China. Em uma bancada perto da cadeira do capitão, um exemplar dos "Navios de Guerra Jane", aberto na página 144: "Fragatas chinesas".

"Você já foi seguida antes?", Renshaw perguntou à subtenente Kristine Mun, uma oficial de navegação. Ele virou-se para o subtenente Niles Li, um dos vários oficiais que falam chinês, e comentou a recusa do helicóptero chinês a responder à mensagem de rádio.

Finalmente, quando a fragata chinesa estava a 6 milhas (quase 10 km) de distância e claramente visível no horizonte, o rádio chiou e ouviu-se em um inglês com sotaque: "Navio de guerra dos EUA 62.... Aqui é o navio de guerra chinês 575".

Um MH-60 levanta voo da embarcação norte-americana Chancellorsville durante patrulhamento no mar do Sul da China, local de tensão entre os EUA e a China - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
Um MH-60 levanta voo da embarcação norte-americana Chancellorsville
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

E assim começou uma elaborada dança diplomática.

"Aqui é o navio de guerra dos EUA 62. Bom dia, senhor. É um dia agradável para navegar, câmbio".

Sem resposta.

"Aqui é o navio de guerra dos EUA 62. Bom dia, senhor. É um dia agradável para navegar, câmbio".

Ainda sem resposta.

Renshaw virou-se para Li. "É com você", disse. "Eles não podem fingir que não falam chinês."

"Navio de guerra chinês 575, aqui é o navio de guerra dos EUA 62", disse Li em chinês. "Este é um dia ensolarado para uma viagem marítima, câmbio."

Mais alguns minutos de silêncio. O subtenente Anthony Giancana, o oficial mais jovem no convés naquela manhã, estava ficando nervoso. "Parece o dia da estreia", disse ele, a ninguém em particular. "Terminou o treinamento da primavera."

De repente, o rádio chiou de novo e a fragata respondeu em chinês: "Navio de guerra dos EUA 62, aqui é o navio de guerra chinês 575. O tempo está ótimo hoje. É um prazer encontrá-los navegando".

Li respondeu, também em chinês: "Aqui é o navio de guerra dos EUA 62. O tempo está ótimo mesmo. É um prazer encontrá-los também, câmbio".

Terminadas as preliminares, o navio chinês foi ao que interessava, falando em inglês: "Há quanto tempo vocês partiram de sua base? Câmbio".

Renshaw balançou a cabeça imediatamente. "Não vamos responder a isso. Eu jamais faria essa pergunta a ele." Giancana pegou o rádio novamente.

"Navio de guerra chinês 57, aqui é o navio de guerra dos EUA 62. Não falamos sobre nossos horários. Mas estamos apreciando a navegação, câmbio."

E assim continuaram os dois navios, cada qual carregado de mísseis, torpedos e artilharia pesada, confrontando-se com uma troca de amenidades climáticas em pleno mar. Para testar se os chineses o estavam seguindo abertamente, o Chancellorsville fez uma curva e seus oficiais aguardaram.

Veio um grito de outro oficial júnior de Renshaw: "Ele acaba de virar, senhor!" O Chancellorsville estava sendo seguido. Mas por quanto tempo? Aparentemente, o navio chinês também queria uma resposta para essa pergunta.

"Navio de guerra dos EUA 62, aqui é o navio de guerra chinês 575", veio uma nova mensagem. "Vocês continuam sua viagem prolongada pelo mar? Câmbio".

Outra negação. Dizer aos chineses a duração pretendida da viagem poderia ser um reconhecimento inerente de que eles tinham o direito de saber isso, explicou Renshaw. E isso não é considerado liberdade de navegação.

"Aqui é o navio de guerra dos EUA 62", respondeu Renshaw. "Positivo, todas as nossas viagens são curtas porque gostamos de navegar, por mais distantes que estejamos de casa. Câmbio."

Mas o navio chinês tinha uma resposta pronta para isso.

"Navio de guerra dos EUA 62, aqui é o navio de guerra chinês 575", veio a mensagem. "Entendam que os estarei acompanhando nos próximos dias. Câmbio."

Isso foi na terça-feira. Na quarta-feira, a fragata chinesa foi substituída por um contratorpedeiro, que seguiu o navio norte-americano até a meia-noite de sexta-feira, quando o Chancellorsville deixou o mar do Sul da China.

(*Eric Schmitt colaborou com a reportagem em Washington.)