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Arte de empilhar copos cresce como esporte e tem até campeonato mundial

Copos da marca William Orrell, em Portland, Oregon (EUA) - Amanda Lucier/The New York Times
Copos da marca William Orrell, em Portland, Oregon (EUA) Imagem: Amanda Lucier/The New York Times

Dave Seminara

02/04/2016 06h01

William Orrell é o melhor do mundo em seu esporte. Um jovem de 17 anos da Carolina do Norte, Orrell está classificado em primeiro lugar e é o atual campeão júnior olímpico e mundial. Ele tem um canal popular no YouTube, uma linha de produtos com seu nome e legiões de fãs e admiradores em dezenas de países.

Ele ganhou toda essa notoriedade empilhando copos plásticos em pequenas pirâmides com uma rapidez que causa perplexidade.

"Muita gente acha que isso não é um esporte", disse Orrell, que defenderá seu título mundial nos Campeonatos Mundiais de Sport Stacking (empilhamento esportivo), que começam neste sábado (2) em Speichersdorf, na Alemanha.

"Mas por que empilhar copos é menos importante que colocar uma bola em um buraco ou fazê-la passar por uma cesta?"

Uma brincadeira despretensiosa que começou há mais de 30 anos com copos plásticos em um Boys & Girls Club em Oceanside, Califórnia, está evoluindo para se tornar um esporte em rápido crescimento e que já faz parte do currículo de educação física em milhares de escolas nos EUA.

Mais de duas dúzias de países vão enviar times para o campeonato mundial, e o empilhamento avança depressa na Ásia, onde crianças de menos de 10 anos ajudam a globalizar o esporte, como Chan Keng Ian, o quinto colocado.

O empilhamento de copos é um evento olímpico júnior da União Atlética Amadora (AAU na sigla em inglês) desde 2012, juntamente com natação, karatê e atletismo, mas também baliza de banda com bastão e pulo de corda. As escolas gostam do empilhamento de copos porque é barato e qualquer um pode jogar, até crianças com deficiências físicas ou mentais.

Wayne Godinet, um samoano-americano de Oceanside, é geralmente considerado quem o transformou em esporte. Ele foi diretor do Boys & Girls Club, e um dia, em 1981, pegou uma pilha de copos plásticos e disse às crianças para empilhá-los em forma de pirâmide, depois correr e tocar uma parede, voltar e empilhá-los novamente.

"Eu soube imediatamente que tinha descoberto algo", disse Godinet, hoje um ativista comunitário. "As crianças adoraram, então começamos a fazer pirâmides em revezamento. A coisa pegou."
Godinet disse que quis transformar o jogo em esporte porque percebeu que as crianças que eram pequenas ou não apresentavam aptidão atlética tinham baixa autoestima.

"Esse era um esporte que nivelava o campo de jogo", disse ele.

6.mar.2016 - Ezekiel McDowell compete em torneio regional em Portland, Oregon (EUA) - Amanda Lucier/The New York Times - Amanda Lucier/The New York Times
Ezekiel McDowell compete em torneio regional em Portland, Oregon (EUA)
Imagem: Amanda Lucier/The New York Times

Godinet recebeu uma patente em 1986 por um conjunto de empilhamento de copos que vendia por US$ 6 (cerca de R$ 22), e em 1990 havia programas de empilhamento em escolas e clubes de 37 Estados americanos.

Em 1990, um dos protegidos de Godinet, Matt Adame, de 9 anos, apareceu no programa de TV "Tonight Show", com Johnny Carson. Bob Fox, que então era professor de educação física em Highlands Ranch, no Colorado, viu o programa e assistiu a um dos torneios de Godinet.

Mais tarde Fox organizou um torneio próprio. Quando mais de 250 crianças se inscreveram, ele reconheceu o potencial do esporte.

Em 1998 ele fundou a Speed Stacks Inc., que hoje detém 98% do mercado de conjuntos de copos, que geralmente custam de US$ 25 a US$ 60 (entre R$ 88 a R$ 213).

Com a Speed Stacks, a atividade ganhou uma estrutura mais formal, enfatizando a velocidade, e tornou-se um grande negócio.

Donald Teel e Larry Goers, que hoje são sócios na Speed Stacks, são também codiretores do mais conhecido órgão regulador do esporte, a Associação Mundial de Sport Stacking, que fundaram em 2001.

A companhia disse que vendeu 3 milhões de conjuntos de copos nos últimos cinco anos e que o esporte hoje é jogado em 56 países e em mais de 27 mil escolas americanas. A associação realiza de 150 a 175 torneios por ano.

5.mar.2016 - Kiera Merrigan, 8, competiu no torneio em Portland, Oregon (EUA) - Amanda Lucier/The New York Times - Amanda Lucier/The New York Times
Kiera Merrigan, 8, competiu em torneio em Portland, Oregon (EUA)
Imagem: Amanda Lucier/The New York Times

Os empilhadores competem em três eventos individuais: o 3-3-3, três torres de três copos cada; 3-6-3, três torres de três, seis e três copos; e o ciclo, uma sequência de três formações. Há também eventos em duplas e revezamento. Os copos devem ser empilhados e depois desmontados em uma ordem específica, e não podem balançar ou cair da base.

Na maioria dos torneios, os vencedores são coroados somando-se os tempos mais rápidos dos empilhadores em cada uma das três disciplinas individuais.

A empresa de Godinet parou de produzir conjuntos de copos há anos, mas ele disse que não se importa que a Speed Stacks tenha desenvolvido sua ideia em um negócio lucrativo.

"Concordo com isso, porque esse esporte transformou a vida de muitas crianças", disse.

Trey Griffith é uma delas. Quando Jimmy Griffith soube que seu filho, Trey, se enquadrava no espectro do autismo, ele temeu que nunca conseguiria ter uma ligação com o filho no amor pelos esportes.

Mas alguns anos depois de descobrir um conjunto de copos no armário de sua irmã, Trey, 12, tornou-se um dos melhores empilhadores de copos do mundo. E seu pai encontrou uma maneira de conectar-se a ele, disputando juntos em competições de pais e filhos.

Jimmy Griffith disse que há vários empilhadores de nível internacional que se situam no espectro autista. Um deles é Jesse Horn, um adolescente de Missouri que chama a si mesmo de "Stacking Dude".

A mãe de Trey, Carmen, que também empilha copos, disse que seu lema é: "Famílias que empilham unidas permanecem unidas". Ela disse que o empilhamento ajudou seu filho a fazer amizades e adquirir confiança.

5.mar.2016 - Joey Cooksey compete em torneio regional em Portland, Oregon (EUA) - Amanda Lucier/The New York Times - Amanda Lucier/The New York Times
Joey Cooksey compete em torneio regional em Portland, Oregon (EUA)
Imagem: Amanda Lucier/The New York Times

Em um sábado chuvoso em março, o ruído dos copos sendo empilhados ecoava pelo ginásio de um colégio no sudoeste de Portland, Oregon, onde 80 competidores se reuniram para um campeonato regional do esporte. Quase todos os atletas eram crianças, algumas com apenas 2 anos.

Os principais empilhadores, incluindo três membros da equipe nacional dos EUA --Ezekiel McDowell, 19, Gabby Rivera, 14, e Joey Cooksey, 17-- faziam aquecimento em uma mesa no canto do ginásio. Cameron Wapner, 18, de Simi Valley, Califórnia, disse que certa vez chegou a possuir 88 conjuntos de copos.

"Somos os garotos estranhos que se sentam no fundo da classe ouvindo música", disse Cooksey.

Conforme a competição se desenvolvia, em diversas divisões de idade e cinco eventos, a atmosfera era competitiva, mas positiva. Quando os copos escapavam da torre e caíam ao chão, valendo uma penalidade para o competidor, os adversários ofereciam palavras de apoio e consolo. Ninguém atirou copos ou xingou, e não houve torcida exagerada de pais.

Embora esta tribo possa ser unida no amor pelo empilhamento, alguns questionam se a Speed Stacks exerce um controle excessivo do esporte.

Godinet disse que aprecia o que a companhia fez para expandi-lo, mas que o empilhamento ganharia se tivesse um órgão regulador independente.

Somente copos feitos pela Speed Stacks, que são fabricados na China, podem ser usados nos torneios da Associação Mundial de Empilhamento Esportivo.

5.mar.2016 - Isabelle Burns, 2, comptete em torneio regional em Portland, Oregon (EUA) - Amanda Lucier/The New York Times - Amanda Lucier/The New York Times
Isabelle Burns, 2, compete em torneio em Portland, Oregon (EUA)
Imagem: Amanda Lucier/The New York Times

"É um pouco como se a Spalding dirigisse a NBA", disse Jeremi Mattern, que fez em 2013 o documentário "Stacker", uma crônica do campeonato mundial de 2011, vencido por William Polly, de 10 anos.

No evento em Portland, Wapner referiu-se a um conjunto de copos que ele tirou da mochila como "contrabando", porque eram feitos pela empresa alemã Flash Cups.

Segundo seu site na web, os donos da Flash Cups fundaram a Federação Internacional de Sport Stacking em 2006, para "contornar" o monopólio da Speed Stacks e criar torneios "independentes de marca".

"Escrever regras em que só o seu equipamento serve para uma competição sancionada é um problema se realmente quiser ser um esporte", disse Dionne Koller, diretora do Centro de Direito Esportivo na Universidade de Baltimore.

Conforme o esporte evolui, seus astros infantis perderão o interesse se discutir direitos, diversão e camaradagem forem seus únicos incentivos para continuar jogando?

Quando fez "Stacker", Mattern observou que, depois que as crianças entravam no curso secundário, desenvolviam outros interesses e tinham menos tempo para dedicar ao empilhamento. Polly, que é bicampeão mundial e tricampeão nacional e detinha muitos recordes do esporte antes que Orrell o superasse, já está quase aposentado aos 15 anos.

"Acho que já fiz tudo o que podia nesse esporte", disse ele.