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Osama bin Laden apostava firme no ouro, revelam documentos

Pentágono/Divulgação/Reuters
Imagem: Pentágono/Divulgação/Reuters

Matthew Rosenberg*

Em Washington (EUA)

07/04/2016 06h02

Osama bin Laden, fiel ao ouro?

Parece que sim. No final de 2010 a Al Qaeda se viu subitamente rica, depois de conseguir um resgate de US$ 5 milhões, e o grupo precisava decidir o que faria com a bolada.

Em um momento em que a incerteza financeira da Grande Recessão fazia do ouro um investimento quente, Bin Laden mostrou-se tão confiante no metal precioso quanto qualquer discípulo de Ron Paul, patriota do Tea Party ou financista de Wall Street.

Em uma carta que escreveu em dezembro de 2010, Bin Laden instruiu o gerente-geral da Al Qaeda a reservar um terço do resgate --quase US$ 1,7 milhão (R$ 6,22 milhões)-- para a compra de barras e moedas de ouro.

A carta faz parte das informações apreendidas pelos SEALs da Marinha americana quando invadiram o complexo residencial de Bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, em 2011, que foram desclassificadas no mês passado pela Agência Central de Inteligência (CIA). Ela oferece uma visão de como a Al Qaeda administrou suas finanças e do que os grupos militantes tentaram fazer com o dinheiro que levantaram.

"A tendência geral dos preços é ascendente", escreveu Bin Laden para Atiyah Abd al-Rahman, o gerente-geral da Al Qaeda. "Mesmo com quedas ocasionais, nos próximos anos o preço do ouro alcançará US$ 3 mil a onça."

Bin Laden talvez não tivesse uma visão muito precisa dos investimentos --o ouro atingiu o pico a US$ 1.900 por onça cinco meses após a morte dele, em 2011--, mas parece que tinha um senso financeiro sintonizado com a época.

Sua fé no futuro brilhante do ouro foi compartilhada nesse período por muitos americanos e diversos luminares das finanças, incluindo George Soros e John Paulson, ambos os quais investiram pesado no metal precioso. A demanda era tão alta que em 2010 o JPMorgan Chase reabriu um cofre havia muito tempo fechado que usava para guardar ouro sob as ruas de Manhattan.

É provavelmente seguro supor que se a Al Qaeda comprou ouro --as autoridades americanas não sabem dizer se as instruções de Bin Laden foram seguidas nesse caso-- os militantes não o entregaram ao JPMorgan para guardar. Mas as autoridades acreditam que o grupo havia anteriormente contado com o ouro como uma reserva segura e uma moeda alternativa ao dólar.

A Al Qaeda também teria tido acesso a corretores de ouro nas áreas tribais do Paquistão e ao mercado de ouro pouco regulamentado de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, na época em que Bin Laden escreveu essa carta.

"Sempre houve especulações sobre como a Al Qaeda mantinha o capital excedente", disse Juan C. Zarate, um vice-assessor de Segurança Nacional no governo George W. Bush, que liderou os esforços dos EUA para localizar os ativos dos militantes depois de 2001.

"Eles temeram que pudéssemos fazer coisas com o dólar que prejudicassem sua capacidade de acessá-los, como impor exigências às instituições financeiras."

Assim como a Al Qaeda, outros grupos militantes islâmicos tiveram dificuldade para evitar a ação do Tesouro dos EUA e as listas negras internacionais. Suas estratégias de administração de fundos eram variadas, e alguns se mostraram mais aptos a ganhar dinheiro do que a investi-lo.

O Estado Islâmico, por exemplo, tornou-se possivelmente o grupo militar mais rico da história, ao arrancar dinheiro dos povos que domina, saquear cofres de bancos e contrabandear petróleo. Mas parece que seu sucesso o tornou vulnerável: captou tanto dinheiro que teve de estocá-lo em armazéns, dez dos quais foram atingidos por bombardeios americanos desde o verão.

Acredita-se que a rede Haqqani, uma facção do Taleban que é especialmente próxima da Al Qaeda, despejou dinheiro em imóveis no Afeganistão, Paquistão e Emirados Árabes.

Uma autoridade europeia, que falou sob a condição do anonimato sobre informações sigilosas, disse que os haqqanis teriam sido atingidos duramente pelo declínio do mercado imobiliário em Dubai alguns anos atrás.

Apesar do ocasional estouro de uma bolha, porém, os imóveis parecem ser um investimento relativamente seguro nos últimos tempos, especialmente no sul da Ásia, onde há pouca regulamentação.

"Você pode chegar com uma mala cheia de dinheiro e comprar uma casa", disse Gretchen Peters, diretora do Satao Project, uma firma de consultoria que se concentra no crime organizado e no terrorismo. "Não é como se existisse uma unidade do IR contra lavagem de dinheiro que virá atrás de você."

Na época em que Bin Laden escreveu a carta a seu gerente, os dois tinham conversado sobre o resgate de US$ 5 milhões, que foi pago pelo gabinete do então presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, para libertar um diplomata afegão sequestrado pela Al Qaeda.

Sem que os chefes do grupo soubessem, cerca de um quinto do resgate foi fornecido inadvertidamente pela CIA, que financiava um fundo secreto para o líder afegão com remessas mensais de dinheiro ao palácio presidencial em Cabul.

A Al Qaeda tinha o dinheiro em mãos quando Bin Laden escreveu a seu gerente em dezembro de 2010. Bin Laden claramente não queria ter relações com dólares americanos, que muitos islamistas temem que os possa expor ao braço comprido da Justiça dos EUA.

"Quanto ao dinheiro do resgate do prisioneiro afegão, acho que você deveria usar um terço dele para comprar ouro e outro terço para comprar euros", escreveu ele.

O restante, disse Bin Laden, deveria ser usado para comprar dinares do Kuait e renminbis chineses, também conhecidos como yuans, e cerca de um terço seria mantido em moedas locais para cobrir despesas cotidianas.

"Quando você gastar esse dinheiro, use primeiro os euros, depois os dinares, os yuans e então o ouro", escreveu o líder.

Bin Laden tinha instruções específicas sobre a forma de adquirir o ouro. Deveria ser comprado em moedas ou barras, a que ele se referiu como "10 tolas", uma denominação comum para barras de ouro na Ásia meridional. As moedas "são cunhadas em vários países", escreveu ele, citando Suíça, África do Sul e Emirados Árabes Unidos.

Mas Bin Laden estava paranoico na época --a certa altura, temeu que um dentista iraquiano tivesse implantado um dispositivo de rastreamento em um dente de sua mulher-- e salientou na carta que "o corretor com quem você negociar deve ser confiável".

Ele também sugeriu comprar uma pequena quantidade de ouro e revendê-lo para garantir que o corretor era honesto.

Mas Bin Laden parecia acreditar que, feito corretamente, investir em ouro era algo quase garantido.

"Neste momento está a US$ 1.390 a onça, mas antes dos acontecimentos em Nova York e Washington estava a US$ 280", escreveu. E acrescentou: "Se o preço do ouro alcançar US$ 1.500 ou pouco mais antes que você receba esta mensagem, ainda será bom comprar".

Se a Al Qaeda comprou ouro quando Bin Laden aconselhou, foi uma aposta ruim. No dia em que sua carta estava datada, 3 de dezembro de 2010, o ouro fechou a US$ 1.414,08 a onça. Hoje o preço está ao redor de US$ 1.230 a onça."

*Colaborou Alexandra Stevenson, em Nova York