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Políticos que tentam tirar Dilma do poder são suspeitos de corrupção

Maluf, que disse votar contra Dilma, é conhecido pelo  slogan "Rouba, mas faz" - Márcio Neves/UOL
Maluf, que disse votar contra Dilma, é conhecido pelo slogan "Rouba, mas faz" Imagem: Márcio Neves/UOL

Simon Romero e Vinod Sreeharsha

Em Brasília

15/04/2016 14h04

O deputado brasileiro Paulo Maluf está tão envolvido em escândalos de corrupção, que seus eleitores muitas vezes o descrevem com o slogan "Rouba, mas faz".

Como vários outros membros do Congresso brasileiro que estão cercados por escândalos, Maluf diz estar tão cansado da corrupção no país que apoia a destituição da presidente Dilma Rousseff.

"Sou contra todas as negociatas que este governo faz", disse Maluf, 84, um ex-prefeito de São Paulo que enfrenta acusações nos EUA de ter roubado mais de US$ 11,6 milhões (cerca de R$ 41 milhões) em um esquema de subornos.

O movimento pelo impedimento de Rousseff está ganhando força. Uma votação que deverá decidir se seu caso será levado ao Senado para julgamento deverá ocorrer no fim de semana, e vários partidos políticos da coalizão de governo abandonaram a presidente esta semana, deixando-a especialmente vulnerável.

Alguns dos congressistas que pressionam com mais veemência pelo impeachment presidencial, entretanto, enfrentam sérias acusações de suborno, fraude eleitoral e abusos aos direitos humanos, desencadeando um debate nacional sobre a hipocrisia entre os líderes brasileiros.

"[Dilma] pode ter descumprido o que prometeu. [...] Pode ter cavado a própria cova. Mas, num mundo político esmerdeado de alto a baixo, Dilma não tem nódoa", disse Mario Sergio Conti, colunista do jornal "Folha de S.Paulo". "Não roubou, e será julgada por muitos ladrões."

Rousseff é profundamente criticada no Brasil, presidindo a pior crise econômica em décadas, um enorme escândalo de corrupção que envolve a companhia de petróleo nacional e a queda de milhões de brasileiros da classe média na pobreza.

No caso de impeachment, ela não enfrenta acusações de suborno. É acusada de usar dinheiro de bancos públicos gigantescos para cobrir buracos no Orçamento, prejudicando a credibilidade econômica do Brasil.

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No caso de impeachment, Dilma não enfrenta acusações de suborno
Imagem: Alan Marques/ Folhapress

Assim, Rousseff é uma espécie de raridade entre as principais figuras políticas do país: não foi acusada de roubar para si mesma.

Eduardo Cunha, o poderoso presidente da Câmara dos Deputados, que lidera a iniciativa de impeachment, será julgado pela mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal, por acusações de que embolsou até US$ 40 milhões em propinas (R$ 140 milhões).

Cunha, um comentarista de rádio evangélico e economista que costuma enviar mensagens no Twitter com citações da Bíblia, é acusado de lavar seus ganhos por meio de uma megaigreja evangélica.

O vice-presidente Michel Temer, que deverá assumir o governo se Rousseff for obrigada a sair, foi acusado de envolvimento em um esquema ilegal de compra de etanol.

Renan Calheiros, o presidente do Senado, que também está na linha de sucessão presidencial, está sendo investigado por alegações de que recebeu propinas no escândalo que cerca a companhia de petróleo nacional, Petrobras. Ele também foi acusado de evasão fiscal e de permitir que um lobista pagasse pensão alimentícia a uma filha sua de um caso extraconjugal.

Ao todo, 60% dos 594 membros do Congresso brasileiro enfrentam sérias acusações, como suborno, fraude eleitoral, desmatamento ilegal, sequestro e homicídio, segundo a Transparência Brasil, um grupo de monitoramento da corrupção.

Essa questão se tornou até uma parte da estratégia de defesa da presidente. Em particular, afirmam Rousseff e seus seguidores, como pode o processo de impeachment ser conduzido por alguém que será julgado por corrupção?

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Cunha, que lidera a iniciativa de impeachment, será julgado por receber propinas
Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Na quinta-feira, José Eduardo Cardozo, o advogado-geral da União, disse que seu gabinete apelou ao STF na tentativa de bloquear o processo de impeachment.

Ele disse que o esforço para depor Rousseff se tornou tão extrapolado que é um "verdadeiro processo kafkiano, no qual o réu não consegue saber, com exatidão, sequer do que está sendo acusado, tampouco o porquê".

Em uma sessão que entrou pela madrugada de sexta-feira, a maioria dos juízes do tribunal supremo rejeitou o pedido do governo Rousseff de anular a votação do impedimento neste fim de semana.

Ninguém pode negar que Rousseff é muito impopular no país, como se reflete em seus índices de aprovação de quase um dígito, na ampla ira sobre suborno e propinas dentro de seu Partido dos Trabalhadores e nos constantes protestos de rua que pedem sua demissão.

Mesmo assim, alguns brasileiros afirmam que o movimento pelo impeachment tem menos a ver com acabar com a corrupção do que com uma iniciativa para trocar o poder, por parte de congressistas que possuem históricos questionáveis.

Os adversários de Rousseff no Congresso incluem Éder Mauro, que enfrenta acusações de tortura e extorsão em seu período anterior como policial em Belém, cidade amazônica assolada pelo crime.

Outro congressista que pretende depor Rousseff, Beto Mansur, é acusado de manter 46 trabalhadores em suas fazendas de soja em Goiás em condições tão deploráveis que, segundo investigadores, os trabalhadores foram tratados como escravos da era moderna.

Quase diariamente, promotores revelam acusações envolvendo aliados e adversários de Rousseff no Congresso, dizendo que embolsaram propinas no colossal esquema de corrupção que cerca as companhias de energia controladas pelo governo.

Circularam este mês fotos detalhadas de prostitutas que atuam em uma ala do Congresso reservada a deliberações de comissões, lembrando aos brasileiros a atmosfera de circo que domina a instituição nestes dias.

Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), criticou o processo de impeachment, dizendo que as acusações contra Rousseff "não são crimes, mas se relacionam à má administração".

Ele disse que os erros da presidente são "medidas que outros presidentes também tomaram no passado", mas que os políticos brasileiros "a estão julgando de modo diferente".

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Ao todo, 60% dos 594 membros do Congresso brasileiro enfrentam sérias acusações
Imagem: Márcio Neves/UOL

Almagro criticou ainda os políticos que pressionam pelo impeachment, mas também enfrentam acusações de corrupção.

"Estou preocupado com a credibilidade de alguns daqueles que vão julgar ou decidir este processo de impeachment", disse.

Maluf, o ex-prefeito que apoia a deposição da presidente, passou semanas na cadeia há uma década, acusado de lavagem de dinheiro e evasão fiscal.

Mas ele foi libertado sob uma lei que permite que pessoas com mais de 70 anos enfrentem tais acusações em casa. Depois Maluf conquistou um assento no Congresso, o que lhe dá uma posição jurídica privilegiada que mantém quase todos os políticos brasileiros fora da cadeia.

Apesar das afirmações de Maluf nos últimos dias de que pode viajar para fora do Brasil sem ser preso, ele continua procurado pela Interpol pelo caso aberto contra ele nos EUA, segundo o Departamento de Justiça americano. A França também tem um mandado de prisão contra ele em outro caso envolvendo lavagem de dinheiro.

"Minha vida pública sempre foi o oposto disso", disse Maluf na semana passada, criticando os maus atos do governo Rousseff, incluindo suas jogadas de oferecer cargos ministeriais a legisladores que estão em cima do muro em relação ao impeachment.

Estudiosos comentam as amplas proteções legais de que gozam cerca de 700 autoridades graduadas, incluindo os ministros e todos os membros do Congresso. Só o Supremo Tribunal Federal pode julgá-los, produzindo anos de apelos e adiamentos.

"Ganhar a eleição ao Congresso é uma licença para roubar para certas figuras", disse Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, um grupo de vigilância que acompanha a corrupção no Legislativo. "Neste sistema grotesco, os maiores ladrões são os que detêm mais poder."

Alegações de desvios entre outros deputados não incomodam alguns dos políticos que querem ver Rousseff fora do poder. Roberto Jefferson, um ex-congressista que foi preso depois de condenado por sua atuação em um esquema de compra de votos, disse que o talento de Cunha para as tramoias políticas serve como vantagem estratégica.

"O bandido pelo qual mais estou torcendo é Eduardo Cunha", disse Jefferson. (Vários legisladores que desejam a queda de Rousseff, inclusive Cunha, não quiseram fazer declarações ou não responderam.)

Um importante defensor de Rousseff é Fernando Collor de Mello, o ex-presidente que caiu em desgraça e renunciou em 1992 por causa de um escândalo de tráfico de influência. Ele ressuscitou sua carreira política como senador e agora enfrenta acusações de receber propinas no esquema que cerca a Petrobras.

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Collor ressuscitou sua carreira política como senador e agora é investigado de novo
Imagem: Pedro França/Agência Senado

O pai de Collor, Arnon de Mello, estabeleceu um precedente depois de matar a tiros um senador no plenário do Senado em 1963. Arnon de Mello conseguiu evitar a prisão depois que um tribunal decidiu que o episódio foi um acidente, porque ele visava outro senador.

Enquanto os ânimos se exaltam por causa do impeachment, alguns citam o exemplo de Ivo Cassol, senador por Rondônia. Ele foi condenado a mais de quatro anos de prisão em 2013 pelo Supremo Tribunal Federal, acusado de corrupção relacionada a contratos concedidos há mais de 15 anos. (Cassol se considera inocente no caso, segundo um porta-voz.)

Apesar da decisão, Cassol continua no Senado, evitando com apelações a ordem da corte suprema. Agora ele faz um dos discursos mais apaixonados a favor do afastamento de Rousseff, chamando seu governo de "desgraça".