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Em Indiana, Cruz testa seus últimos recursos para permanecer na disputa com Trump

Mike Stone/Reuters
Imagem: Mike Stone/Reuters

Matt Flegenheimer e Jonathan Martin

Em Indianápolis (EUA)

30/04/2016 06h00

O senador Ted Cruz parecia perdido no mato, à beira da derrota, reivindicando o manto de um time sem chances na cidade fictícia de Hickory, em Indiana.

"Não há nada de que os 'hoosiers' não sejam capazes", disse ele a uma multidão na terça-feira (26), no ginásio esportivo de colégio falso onde foi feito o filme "Hoosiers" (1986). Ele sugeriu que ainda havia tempo para um retorno cinematográfico.

Uma noite depois, Donald J. Trump ofereceu sua réplica no Estado onde o basquete impera: o apoio de Bobby Knight, o ex-treinador da Universidade de Indiana cuja personalidade ríspida só é comparável à sua reputação de vencedor contumaz.

Trump, que detesta ser o segundo personagem em seus próprios comícios, fez uma exceção para apresentar Knight. Depois lançou uma previsão: "Se ganharmos em Indiana", disse Trump aos milhares de pessoas reunidas em uma arena no terreno de feiras estaduais de Indianápolis, "acabou. Acabou."

Depois de um mês admitindo a possível nomeação de Trump, a maioria do Partido Republicano parece concordar. Ainda há tempo na temporada das primárias, mas não muito. A margem não é totalmente proibitiva, mas chega perto.

E em uma corrida febril para tirar de Trump a maioria dos delegados antes da convenção republicana em julho, Cruz não desperdiçou nenhum recurso de campanha.

Ele experimentou o trabalho em equipe, em uma frágil aliança com o governadorJohn R. Kasich, de Ohio, que aceitou não disputar em Indiana se Cruz ficasse afastado do Oregon e do Novo México.

Ele reciclou estratégias bem-sucedidas de outras eleições, mobilizando seu pai, o pastor Rafael Cruz, por todo o Estado como enviado aos conservadores religiosos e abrigando voluntários de outros Estados em um "Campo Cruz", como fez a campanha antes das vitórias em Iowa e Wisconsin.

Com maior audácia, o senador do Texas indicou Carly Fiorina como sua possível companheira de chapa, uma medida desesperada que se destina a dar energia aos seguidores e impressionar os indecisos em um momento em que ele continua atrás de Trump nas pesquisas locais.

"Então, que acham de Carly?", perguntou ele a centenas de apoiadores na quinta-feira (28), atraindo aplausos no salão de convenções de Fort Wayne onde ela acabara de apresentá-lo.

Cruz reconheceu que alguns questionaram por que ele escolheria uma vice-presidente prospectiva tão cedo (e apesar de um considerável deficit de delegados). "Porque ela é incrível!", gritou um fã.

Horas depois, em um comício em South Bend, Cruz falou em tom quase apocalíptico sobre as apostas desta primária. "É o bom senso e o bom julgamento do Estado Hoosier", disse ele, "que é a única coisa que se ergue entre nós e a queda no precipício."

Se Cruz está agindo como se Indiana representasse sua última chance, muitos aqui acreditam que é mesmo.

Randy Head, um senador estadual republicano que disputa a Secretaria da Justiça, disse que se Cruz não puder melhorar depois do acordo com Kasich "talvez seja tarde demais para se recuperar".

Os republicanos de Indiana não gozaram de um papel crucial, ou de qualquer papel, em uma disputa pela nomeação presidencial em décadas. Sua primária tardia os tornou um fator secundário nas últimas disputas republicanas. "Indiana é um Estado crítico pela primeira vez em minha vida", disse Head.

Mas apesar de toda a atenção --Cruz citando sua opção para vice na tarde de quarta-feira, Trump apresentando Knight à noite--, há uma incerteza geral sobre como a corrida se desenrolará.

Talvez a pergunta mais consequente que paira sobre a corrida, agora que Kasich recuou, é se os eleitores dele vão apoiar Cruz para conter Trump. É especialmente crucial na área de Indianápolis, a parte mais rica em eleitores e afluente do Estado. Se Cruz conseguir uma boa votação aqui, poderá compensar a esperada força de Trump nas áreas industriais do norte do Estado e nas mais trabalhadoras do sul.

"A pergunta agora é: é um movimento de 3% ou de 8%?", disse Curt Smith, um líder social conservador e políticoveterano de Indiana, sobre a possível mudança de apoio de Kasich para Cruz.

Se a energia e o tamanho das multidõesde Cruz não se compararam às de alguns Estados anteriores, houve de todo modo sinais animadores.

Cruz, reconhecendo o que está pela frente, decidiu percorrer o interior no estilo de Iowa, parando nas cidades e nos povoados menores. "Ele está 'Cruzando' o Estado de uma maneira que raramente vi em qualquer nível", disse Brandt Hershman, um senador estadual de Indiana e ex-assessor do Congresso. "Há eleitores suficientes aqui para Cruz vencer, mas o tempo é curto."

Na manhã de quinta-feira, Cruz passou por um restaurante local, sentou-se à mesa de frequentadores habituais e gravou um vídeo de cumprimentos aos formandos da Universidade Estadual Ball, em Muncie. Ele indagou aos moradores sobre seu desjejum preferido.

"Você gosta de café?", perguntou a Genevieve Hess, 4 anos, sorridente ao lado de seu pai. "Não. Que bobagem. Crianças de 4 anos não gostam de café."

Em um escritório de campanha aqui, dezenas de voluntários davam telefonemas às 3h da manhã de terça-feira, esforçando-se para atingir a meta diária de 20 mil ligações --pregada na parede a curta distância de pelo menos quatro bandeiras "Não pise em mim".

Matthew Cronin, um voluntário de Durham, Carolina do Norte, invocou um ditado em latim da República Romana --"Carthago delenda est" (Cartago deve ser destruída)-- para explicar seus motivos. "Por que estou aqui?", perguntou. "Trumpo delenda est."

Megan Kerr, uma voluntária de 17 anos de Fishers, Indiana, disse que o apelido que Trump deu a Cruz, "Ted Mentiroso", parece ter pegado entre alguns eleitores a quem ela telefonou. Mais recentemente, porém, Trump acrescentou um comentário mais adequado a seu público recente.

Durante o evento de Cruz no ginásio dos "Hoosiers" na terça-feira, o candidato se referiu à quadra como um "ringue de basquete", ganhando um bocado de piadas entre os moradores. Na noite de quarta, Trump não deixou que ele --ou os eleitores de Indiana, obcecados por basquete-- esquecessem disso.

"Ontem ele chamou a quadra de ringue", disse Trump, depois que Knight subiu ao palco com seu suéter vermelho típico dos Hoosiers. "Então ele não entende muito de basquete."

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