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Ela conquistou uma cadeira no Parlamento do Irã, mas os linhas-duras tinham outros planos

Minoo Khaleghi - Iran Pooyesh via The New York Times
Minoo Khaleghi Imagem: Iran Pooyesh via The New York Times

Thomas Erdbrink

Em Teerã (Irã)

16/05/2016 06h00

Minoo Khaleghi conquistou facilmente uma cadeira no Parlamento iraniano em fevereiro, parte de uma onda de independentes e reformistas que agora contam com número para retirar autoridade dos linhas-duras. Na quarta-feira, entretanto, um poderoso comitê do Estado demonstrou que as forças conservadoras não abrirão mão do poder sem lutar.

Citando "evidências" que surgiram contra ela, o Comitê de Solução de Disputas dos Poderes, parte do Judiciário em geração conservador do Irã, decidiu que Khaleghi não poderia tomar posse como parlamentar, noticiou a agência de notícias semioficial "Fars". As evidências consistiam de fotos de Khaleghi "vazadas" nas redes sociais na semana passada, a mostrando em público na Europa e na China sem o lenço de cabeça islâmico obrigatório. Os linhas-duras a acusaram imediatamente de "trair a nação".

Mas analistas alinhados com a oposição e Khaleghi reagiram dizendo que o caso contra ela tem motivação política, tratando-se mais de cercear e marginalizar reformistas proeminentes (e uma mulher) do que das viagens dela ao exterior sem lenço de cabeça.

Apesar de reconhecerem que todas as mulheres iranianas são obrigadas a se cobrirem em público, mesmo quando estão viajando no exterior, eles disseram que há um problema com as evidências. As fotos eram, segundo disse Khaleghi em uma declaração ao jornal oficial do governo do Irã, falsificações maliciosas.

"Sou uma mulher muçulmana, que segue os princípios do Islã", ela escreveu, acrescentando que estava processando os distribuidores de suas imagens. Aqueles que as publicaram, ela escreveu, foram movidos por "ganância política".

Para aumentar a confusão, o comitê agiu um dia depois de o Ministério do Interior, comandado por um aliado do presidente moderado, Hasan Rowhani, ter prendido um ativista linha-dura por ter publicado as fotos. Ele era o administrador do canal no aplicativo de mensagens Telegram onde as imagens apareceram.

O próprio Rowhani tinha acabado de postar no Twitter um apoio indireto a Khaleghi como uma das 18 mulheres que conquistaram cadeiras no Parlamento, ou Majlis, neste ano.

"Pela primeira vez, 18 mulheres terem sido eleitas ao Majlis, um recorde, e estamos felizes pelas queridas mulheres de nosso país estarem presentes em todas as cenas, especialmente na política", ele disse na postagem.

O caso ilustra como a religião do Estado continua pesando mais que a política no Irã, mesmo após os recentes ganhos eleitorais das forças moderadas, disseram analistas. Apesar de conquistarem todas as cadeiras no eleitorado mais importante do país, Teerã, os reformistas só puderem assistir em desalento a desprezada polícia da moralidade voltar às ruas enquanto atores e artistas começam a receber notificações judiciais os alertando a se comportarem de modo "islâmico", caso contrário seriam processados.

Os problemas de Khaleghi começaram poucas semanas após sua vitória eleitoral, quando foi desqualificada sem qualquer explicação pelo poderoso Conselho Guardião, o grupo com 12 membros que inclui seis clérigos nomeados pelo líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. Isso foi surpreendente, para dizer o mínimo, porque o conselho a avaliou extensamente antes da votação, como faz com todos os candidatos, e a proclamou apta a concorrer.

O que alarmou Khaleghi e outros reformistas é que, segundo a Constituição iraniana, apenas o Parlamento tem poder para analisar e aprovar as credenciais de novos legisladores. Neste caso, pelo que pareceu ser a primeira vez, o Conselho Guardião afirmou dispor de direitos no mínimo iguais.

"Isso significa que qualquer vencedor em eleições pode ser desqualificado pelo Conselho Guardião", disse Ali Shakourirad, um legislador reformista. "Isso cria um precedente ruim para futuras eleições."

A desqualificação provocou uma disputa entre o Parlamento e o governo, de um lado, e o Conselho Guardião do outro. Após aguardar no limbo por semanas, o Ministério do Interior pediu ao Comitê de Solução de Disputas dos Poderes que assumisse o caso.

Khaleghi e seus aliados disseram permanecer esperançosos de que Khamenei, que tem a palavra final sobre toda decisão importante no Irã, intervenha e autorize sua posse.

"Há uma pequena chance de que ela possa ser qualificada", disse Farshad Ghorbanpour, um analista político ligado ao governo.

Ghorbanpour disse que esta batalha pode prenunciar muitas disputas políticas à frente, agora que o Parlamento iraniano está dividido igualmente entre reformistas, linhas-duras e independentes.

"Essa é a primeira demonstração de força dos linhas-duras", ele disse. "Veremos ainda mais disso."