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Radicais apertam a repressão contra modelos que não usam o véu islâmico no Irã

A ex-modelo iraniana, Elham Arab, 26, foi interrogada ao vivo na TV estatal do país - Instagram/Reprodução
A ex-modelo iraniana, Elham Arab, 26, foi interrogada ao vivo na TV estatal do país Imagem: Instagram/Reprodução

Thomas Erdbrink

Em Teerã (Irã)

18/05/2016 06h02

A Justiça do Irã lançou uma de suas campanhas periódicas de repressão contra a permissividade das mídias sociais no último domingo (15), anunciando a prisão de oito pessoas ligadas à indústria da moda na internet sem o uso do véu obrigatório e interrogando outra mulher, uma ex-modelo, ao vivo em um canal estatal.

Um blogueiro, Mehdi Abutorabi, 53, que gerenciava uma ferramenta de publicação chamada Persian Blog, também foi detido, como relatou a agência de notícias semioficial universitária ISNA, na segunda-feira.

A ex-modelo, Elham Arab, 26, chegou a ser uma espécie de estrela no Instagram, postando fotos de si mesma usando vestidos de noiva com um chamativo cabelo tingido de loiro.

Mas no domingo, meses depois que sua conta no Instagram havia sido desativada, ela usou um comportado lenço preto e luvas combinando enquanto era interrogada por dois promotores durante um programa de televisão ao vivo.

Em um evidente contraste com as imagens felizes e glamorosas de si mesma postadas na internet, Arab falou sobre suas “amargas experiências” na indústria da moda iraniana, tecnicamente ilegal, e alertou as jovens para que elas pensem duas vezes antes de postarem fotos de si mesmas na internet.

“Você pode ter certeza de que nenhum homem iria querer se casar com uma modelo cuja fama viesse da perda de sua honra”, ela disse.

A questão do véu muitas vezes aparece com destaque no constante cabo de guerra entre radicais poderosos e a sociedade cada vez mais urbanizada e cosmopolita do Irã.

As leis do Irã exigem que todas as mulheres, mesmo estrangeiras visitantes, cubram seu cabelo pela tradição do respeito à cultura e à moral. Muitos radicais veem a obrigatoriedade do véu como uma tentativa final de defesa contra o que eles chamam de ataque de decadência cultural do Ocidente.

Mas a principal culpada não foi Arab, concluiu o procurador de Teerã, Abbas Jafar-Dolatabadi, no programa de TV. Não, o principal responsável era “o inimigo”, forma como o Irã denomina o Ocidente e suas influências indesejáveis.

“O inimigo está investindo para criar uma geração sem nenhuma força de vontade”, disse o procurador sobre as mídias sociais. “Precisamos evitar quaisquer ações que contrariem os valores do establishment.”

O programa de TV era parte de uma ação mais ampla de repressão contra a expressão e a liberdade pessoais tanto na internet quanto no mundo real, que foi renovada após a vitória de reformistas e moderados nas eleições parlamentares do Irã em fevereiro.

3.mar.2012 - Iraniana vê manequins vestindo véus islâmicos em feira de moda em Teerã, no Irã - Maryam Rahmanian/Folhapress - Maryam Rahmanian/Folhapress
Iraniana vê manequins vestindo véus islâmicos em feira de moda em Teerã
Imagem: Maryam Rahmanian/Folhapress

A operação de repressão, liderada por um Judiciário dominado pelos radicais e pelas forças de segurança, contraria as políticas do presidente Hassan Rouhani, que foi eleito por uma plataforma de maiores liberdades pessoais e que em vários discursos recentes fez um apelo por uma flexibilização nas restrições sociais do Irã.

Enquanto o Irã passa por amplas mudanças sob influência da televisão por satélite, da internet e do barateamento das viagens para o exterior, poucas leis foram atualizadas desde a Revolução Islâmica de 1979.

Com a chegada das temperaturas mais altas da primavera, algumas mulheres quiseram deixar de lado todo ou parte do muitas vezes sufocante uniforme islâmico. Isso trouxe de volta a polícia religiosa para as ruas da capital, apesar de Rouhani ter prometido que evitaria seu retorno.

Nas últimas semanas, as autoridades realizaram batidas em várias festas da capital e na região do Mar Cáspio onde havia pessoas bebendo e dançando, ambas práticas proibidas no Irã.

No entanto, as autoridades parecem hesitantes em atacar muito severamente aqueles que violam as normas.

Vários atores, atrizes e atletas populares, que exercem considerável influência através de plataformas de mídias sociais, receberam uma reprimenda relativamente leve na semana passada depois de serem pegos em uma batida em uma festa ilegal, de acordo com veículos da mídia local.

“Esses atletas e artistas que aparecem em filmes e séries de televisão recebem uma atenção especial dos jovens”, disse Jafar-Dolatabadi, que parece estar no centro da campanha de repressão, no site do Judiciário. “Se você participa de sessões de vulgaridades, vamos anunciar publicamente seus nomes.”

De acordo com analistas, a estratégia dos radicais do Irã é escolher casos especiais,  extraindo mea culpas televisionados de figuras proeminentes como Arab, para alertar o público geral de que as linhas ideológicas não devem ser ultrapassadas de forma tão óbvia.

Muitos duvidam que a estratégia terá grande efeito. “Eles estão fazendo isso para mostrar quem está no poder”, disse Mojgan Faraji, um jornalista reformista, sobre os radicais. “Mas no final são eles que saem perdendo, uma vez que a distância entre eles e a sociedade só está aumentando.”

A televisão estatal vem perdendo influência continuamente, com a concorrência de centenas de canais estrangeiros por satélite em língua persa, como reclamou recentemente a agência de notícias semioficial Fars.

No entanto, ainda restam muitas armadilhas para as mulheres. Na semana passada, uma política mulher, Minoo Khaleghi, que havia vencido a eleição para o Parlamento como moderada, soube que não poderia assumir sua cadeira depois que surgiram em mídias sociais imagens suas com a cabeça descoberta.

No sábado, Jafar-Dolatabadi ordenou que Khaleghi explicasse a oficiais da Justiça por que havia imagens dela como essas, relatou o jornal reformista “Shargh”.

No mesmo programa, o promotor para crimes cibernéticos do Irã, Javad Babaei, anunciou a prisão de oito pessoas, aparentemente associadas à indústria da moda na internet. Sua unidade está focando no Instagram, que não é bloqueado no Irã.

“Uma de nossas metas é esterilizar espaços virtuais populares”, ele disse, criticando a introdução da banda larga no país, “sem considerar as consequências”.