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ONGs ligam presidente eleito das Filipinas a "esquadrões da morte" em cidade onde foi prefeito

Pôster de Rodrigo Duterte em mercado em Davao City, nas Filipinas - Jes Aznar/The New York Times
Pôster de Rodrigo Duterte em mercado em Davao City, nas Filipinas Imagem: Jes Aznar/The New York Times

Floyd Whaley

Em Davao City (Filipinas)

19/05/2016 06h02

A polícia avisou Bobby Alia, 14, de que haveria consequências depois que ele foi acusado de furtar um telefone celular em novembro de 2003, segundo a mãe do rapaz. Alguns dias depois ele estava morto, atingido nas costas por uma faca de açougueiro.

Ele foi o terceiro filho de Clarita Alia a morrer em Davao, a maior cidade do sul das Filipinas, em assassinatos que continuam sem solução. Um quarto rapaz foi morto em 2007. Todos tinham sido acusados de crimes, todos foram esfaqueados e, segundo Alia, haviam recebido advertências semelhantes da polícia.

Há anos os grupos de direitos humanos pedem uma investigação sobre se o prefeito de Davao, Rodrigo Duterte --o político de discurso duro que no mês que vem se tornará o presidente das Filipinas--, foi cúmplice na morte de centenas de pessoas na cidade desde a década de 1980.

Segundo os grupos, os crimes foram cometidos por esquadrões da morte aprovados pelo governo.

A polícia de Davao disse que não encontrou provas da existência dessas organizações. Investigações da HRW (Human Rights Watch, uma organização de defesa dos direitos humanos), da ONU e da Comissão de Direitos Humanos das Filipinas, entretanto, encontraram evidências de que eles existem e de que a polícia e autoridades governamentais estiveram envolvidas nas mortes.

As vítimas, segundo as investigações, incluíam pessoas suspeitas de praticar crimes ou usar drogas, crianças de rua e, em alguns casos, pessoas que foram confundidas com outras.

Embora Duterte tenha negado qualquer conhecimento direto dos esquadrões da morte, há muito tempo ele defende que a solução para o grave problema da criminalidade nas Filipinas é matar os suspeitos de crimes --"um alvo legítimo de assassinato", disse ele em 2009.

Durante a campanha presidencial deste ano, Duterte desfiou uma avalanche de declarações assassinas. Afirmou ter matado pessoalmente criminosos armados quando era prefeito, embora não haja evidências que confirmem essas histórias. Solicitado a responder a um relato de que ele matou 700 pessoas, retrucou: "Não, não foram 700, mas 1.700".

Duterte prometeu que se fosse eleito empregaria a polícia e os militares em um ataque total aos bandos criminosos.

"Vai ser sangrento", disse ele a um grupo de empresários em abril. "Usarei os militares e a polícia para prendê-los, para caçá-los. E se eles oferecerem resistência violenta, colocando em risco a vida dos homens da lei e dos militares que encarregarei do serviço, simplesmente direi: 'Matem-nos e encerrem o problema'."

11.mai.2016 - Clarita Alia segura fotos dos quatro filhos, que ela diz terem sido mortos pelo Esquadrão da Morte de Davao, em Davao City, nas Filipinas - Jes Aznar/The New York Times - Jes Aznar/The New York Times
Clarita Alia segura fotos dos quatro filhos, que ela diz terem sido mortos pelo Esquadrão da Morte de Davao, em Davao City
Imagem: Jes Aznar/The New York Times

Duterte prometeu matar 100 mil criminosos nos primeiros seis meses de seu governo e despejar tantos corpos na baía de Manila que "os peixes vão engordar".

As afirmações podem parecer absurdas para alguns. Mas a evidência de matanças durante o período de Duterte como prefeito de Davao causou temores de uma explosão nacional de mortes extrajudiciais durante sua Presidência.

"Há o perigo de que a vitória eleitoral de Duterte seja considerada a vitória simbólica de uma ideia que já se espalha pelas Filipinas: que a morte extrajudicial de supostos criminosos é uma abordagem legítima do controle da criminalidade", disse Phelim Kine, vice-diretor da HRW na Ásia.

A posição radical de Duterte sobre o crime é muito popular em Davao. Raul Tolentino, 82, que pratica a advocacia aqui desde os anos 1960, disse que a popularidade veio dos anos 80, quando insurgentes comunistas perturbavam a região e a cidade ficou famosa pelo caos sanguinolento.

Tolentino lembra que grupos armados entravam na cidade à vontade e bandos criminosos praticavam tiroteios à luz do dia.

"Era terrível", disse ele. "Se alguém tivesse uma queixa contra você, podiam simplesmente matá-lo. Era um Estado sem lei. Nem os policiais estavam em segurança ao caminhar sós pela rua. Acabavam em uma maca."

Duterte, que então era um rígido promotor de Justiça, foi eleito prefeito em 1988 com uma plataforma de lei e ordem. Mais ou menos nessa época, grupos de cidadãos formaram o que alguns chamaram de organizações anticriminosas e outros, de "vigilantes".

Tolentino disse que uma combinação desses grupos armados com as políticas duras de Duterte trouxeram ordem à cidade. Para outros, os grupos de cidadãos evoluíram em esquadrões da morte organizados que continuam ativos.

"Geralmente há uma lista de nomes feita no nível das aldeias", explicou em uma entrevista o reverendo Amado Picardal, padre que investigou os grupos. "Os esquadrões da morte são bem organizados, apoiados pelo governo local, e seguem um padrão. Geralmente eles emitem um aviso, mas agora às vezes nem há aviso. Se você estiver numa lista, será morto."

Em um relatório de 2009, a HRW disse que os assassinos incluíam ex-rebeldes comunistas, assim como criminosos comuns e outros que eram submetidos a ameaças e coerção.

11.mai.2016 - Membro da Força-Tarefa Davao faz securança em parque em Davao City, nas Filipinas - Jes Aznar/The New York Times - Jes Aznar/The New York Times
Membro da Força-Tarefa Davao faz securança em parque em Davao City
Imagem: Jes Aznar/The New York Times

Suas ordens muitas vezes vinham de policiais na ativa ou aposentados, que forneciam armas e treinamento e em alguns casos coordenavam o momento dos assassinatos, segundo os grupos de direitos, que teriam investigado 28 dessas mortes.

A Comissão de Direitos Humanos das Filipinas, um órgão semiautônomo do governo, descobriu em 2012 que os esquadrões da morte mataram 206 pessoas, incluindo 19 crianças, em Davao de 2005 a 2009.

A entidade disse que listas de suspeitos de crimes eram mantidas por autoridades das aldeias e que muitas pessoas nas listas foram mortas. Edmundo Albay, diretor do escritório da agência em Davao, disse que há outra investigação em curso, mas que não podia dar detalhes a respeito.

Em seu relatório de 2012, a comissão recomendou que Duterte fosse investigado criminalmente por não tomar medidas para deter os assassinatos, mas não disse que ele teria conhecimento direto deles. Duterte nunca foi acusado de um crime relacionado às mortes.

Philip Alston, então relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, entrevistou Duterte para um relatório sobre os esquadrões da morte em 2008.

Segundo Alston, eles operavam com tal impunidade que os assassinos não se incomodavam de usar máscaras.

Questionado sobre se era responsável por suas atividades, Duterte "insistiu que controla o Exército e a polícia, dizendo: 'A responsabilidade termina aqui'", escreveu Alston. "Mas acrescentou mais de uma vez: 'Eu não aceito responsabilidade criminal'."

Alston disse achar essa posição contraditória e insustentável.

"Ele domina a cidade totalmente, de modo a eliminar gêneros inteiros de crimes, mas permanece impotente diante das centenas de assassinatos cometidos por homens sem máscaras diante de testemunhas", escreveu ele.

Alston escreveu que Duterte "admite livremente que havia declarado em público que tornaria Davao 'perigosa' e 'um lugar não muito seguro' para os criminosos, mas insistiu que essas declarações foram para consumo do público e não teriam consequências sobre a conduta da polícia. 'A polícia conhece a lei. A polícia recebe treinamento.'"

A polícia de Davao negou que haja esquadrões da morte em operação na cidade. O inspetor-chefe de Polícia, Andrea dela Cerna, disse que muitas mortes estiveram provavelmente relacionadas a gangues e que a questão foi exagerada pelos adversários políticos do prefeito.

Tolentino, que é advogado criminalista em Davao há 56 anos, disse que nunca teve um caso envolvendo um membro ou vítima de um esquadrão da morte.

"Se existe tal grupo, eles só buscam as más pessoas, de qualquer maneira", disse.

Duterte e seus seguidores afirmam que suas políticas tornaram Davao um dos lugares mais seguros das Filipinas. Mas dados da Polícia Nacional das Filipinas mostram que de 2010 a 2015 a cidade de cerca de 1,5 milhão de habitantes teve 1.032 assassinatos, mais que qualquer outra cidade do país.

Quezon City, um subúrbio de Manila com uma população de 2,7 milhões, foi a segunda, com 961 assassinatos no mesmo período.

À luz dos relatos sobre os esquadrões da morte, a retórica violenta de Duterte quando era candidato levantou preocupações de que as mortes extrajudiciais se tornem um fenômeno nacional.

Para Clarita Alia, que não viu solução para as mortes de seus filhos, essa perspectiva causa preocupação pessoal.

"Se eles estão matando gente em todo o país, vão esquecer os casos de Davao", disse ela em sua casa, um barraco de madeira atrás de uma banca de legumes. "Vão esquecer os meus filhos."